Cartas de Hans Jonas a Hans Blumenberg

Patrick Caulfield, Bispos, 2004
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ARI MARCELO SOLON*

Comentário sobre o livro recém-publicado na Alemanha

No recente livro publicado na Alemanha, Cartas de Jonas a Blumenberg (Briefwechsel 1954-1978 und weitere Materialien), confrontamo-nos com o problema da relação entre a Idade Moderna e o gnosticismo da Antiguidade tardia.

Para alguns como Eric Voeglin, tudo é gnóstico e a modernidade é uma recidiva da heresia gnóstica. Para seu doktorvater, Hans Kelsen, a modernidade não tem nada da secularização da religião gnóstica.

Na linha de Hans Kelsen, Hans Blumenberg aceita que a modernidade superou o perigo gnóstico com a autonomia crescente do homem, a técnica e a ciência. Ao contrário de Eric Voeglin, porém, encara o perigo de que essa autonomia se perca e a secularização seja em vão.

Nessas cartas, vemos a admiração de Hans Blumenberg por Hans Jonas, que tem uma posição muito profunda. Em tese orientada por Martin Heidegger, Hans Jonas assevera ser a gnose einmalich: aconteceu uma vez na antiguidade tardia e ressurgiu apenas na filosofia existencialista fenomenológica e hermenêutica de Martin Heidegger.

“To this his disagreements Toward the end of his life, Scholem summed up their differences in a letter: ‘‘Your definition of gnosis is not mine, and to discuss it would make no sense. For me, gnosis is a structure in religious thought that reproduces itself again and again. For you it is a singular historical-philosophical phenomenon.’’ (Scholem to Jonas, November 14, 1977, in: Gershom Scholem, Briefe III 1971–1982, ed. Itta Shedletzky).

Para tanto, Hans Jonas usa um capítulo da obra Queda do Ocidente, de Oswald Spengler, sobre a cultura árabe, a partir do qual interpreta, à luz de um conceito da mineralogia, que a cultura árabe no Direito é uma pseudomorfose da cultura romana: incorpora conceitos antigos, mas reinterpretam em um sentido moderno, por exemplo, o formalismo grego e romano, graças ao conceito árabe de Tima torna-se a autonomia das vontades dos contratos.

Assim também a gnose, fenômeno puramente herético da antiguidade tardia, ressurge em Martin Heidegger com as categorias analíticas do Dasein. As cartas testemunham a guinada da filosofia de Hans Jonas. Republica sua tese, mas rejeita suas conclusões, pois não tem mais nenhum interesse no existencialismo fenomenológico de seu doktorvater. Retoma o conceito de physis grega e, em certo sentido, sua filosofia acopla-se ao renascimento do direito natural pós-Segunda Guerra Mundial.

Hans Blumenberg, encantado com os ensinamentos de Hans Jonas, empenha-se em trazê-lo para a Alemanha, para a cidade de Kiel, onde lecionava. Hans Jonas rejeita e prefere ficar nos Estados Unidos.

Ao final das cartas, vemos um balanço: Hans Blumenberg reconhece o acerto do seu mentor ao não ter ido morar na Alemanha, die Täterland, a terra dos criminosos.

Hans Blumenberg, filho de uma judia, sobrevive com riscos tremendos ao holocausto na Alemanha.

Dessa experiência, surge o que nos parece o maior filósofo alemão do pós-guerra. Alguém que, em 1940, desejava virar padre em seminários católicos, mas que, por razões raciais foi impedido. E, no pós-guerra, torna-se um cético, amante da filosofia grega como Hans Jonas. A saída está no paganismo. Como, em seu livro A legitimidade da idade moderna, Hans Blumenberg combateu Carl Schmitt, que queria tornar o direito moderno em um direito teológico. Usava o exemplo de Goethe: contra deus só há outros deuses.

In Political Theology II, Carl Schmitt says that Goethe’s “famous Latin motto,” nemo contra deum nisi deus ipse [against a god, only a god], “was cited and interpreted by Goethe-knowers [Goethe-Kennern] in innumerable secret [nichtöffentlichen] conversations”. For Blumenberg, this motto came to represent both Goethe’s “philosophical” act of resistance against the “absolute” power. Against a God, Only a God’ is devoted to the analysis of Goethe’s work on the figure of Prometheus to fashion his self-image. In this regard, Blumenberg makes much of what he understands to be Goethe’s own confection of the ‘extraor-dinary saying’: ‘Only a god can stand against a god’ (‘Nemo contra deum nisi deus ipse’)

Na história do pós-guerra, na filosofia, temos o que comemoramos há 100 anos com o Ulisses, a figura de juif grec: Hannah Arendt, Hans Jonas e Hans Blumenberg.

Se bem que o juif é apenas uma reminiscência familiar, como disse Hans Jonas sobre a mulher que mais amou em toda sua vida, Arendt, a obra dessa autora é dedicada a recuperar o conceito da ação, pragma. E onde vemos isso? Nos Provérbios de Salomão: “deem pão para a vida”.

Cast thy bread upon the waters. What image fits this kind of action? I know none better than”casting your bread upon the waters,”of which the inimitable Biblical proverb promises that “you will find it after many days. (Eccl. 11:1).

*Ari Marcelo Solon é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prismas).

 

Referência


Hannes Bajohr (Ed.). Hans Blumenberg Hans Jonas Briefwechsel 1954-1978 und weitere Materialien. Berlin, Suhrkamp Verlag AG, 2022, 350 págs.

 

⇒O site A Terra é redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.⇐
Clique aqui e veja como.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Salem Nasser Ricardo Abramovay Tales Ab'Sáber Julian Rodrigues Lucas Fiaschetti Estevez Tadeu Valadares Remy José Fontana Flávio R. Kothe Chico Alencar Boaventura de Sousa Santos Otaviano Helene André Márcio Neves Soares Manchetômetro Antônio Sales Rios Neto Luiz Bernardo Pericás Eduardo Borges Bruno Machado Jorge Luiz Souto Maior Marjorie C. Marona Valerio Arcary Marilia Pacheco Fiorillo Daniel Brazil João Carlos Loebens Celso Favaretto Eugênio Bucci Thomas Piketty Osvaldo Coggiola Renato Dagnino Gilberto Lopes Airton Paschoa Maria Rita Kehl Luiz Carlos Bresser-Pereira Claudio Katz Mariarosaria Fabris Milton Pinheiro Henry Burnett João Paulo Ayub Fonseca Leda Maria Paulani Gabriel Cohn Francisco Pereira de Farias Francisco de Oliveira Barros Júnior Plínio de Arruda Sampaio Jr. Sandra Bitencourt Berenice Bento Vinício Carrilho Martinez Benicio Viero Schmidt João Sette Whitaker Ferreira José Dirceu Rodrigo de Faria Ricardo Antunes Eliziário Andrade João Carlos Salles Lincoln Secco Jorge Branco Rafael R. Ioris Alexandre Aragão de Albuquerque Antonio Martins Bento Prado Jr. Michael Löwy Leonardo Avritzer José Raimundo Trindade Anselm Jappe Slavoj Žižek Paulo Sérgio Pinheiro Ari Marcelo Solon Rubens Pinto Lyra Luiz Werneck Vianna José Luís Fiori Dennis Oliveira João Lanari Bo Michael Roberts Annateresa Fabris Samuel Kilsztajn Luiz Roberto Alves Lorenzo Vitral Caio Bugiato Valerio Arcary Leonardo Boff Paulo Fernandes Silveira José Machado Moita Neto João Feres Júnior Marcelo Guimarães Lima Alexandre de Lima Castro Tranjan Paulo Martins Luiz Renato Martins Luís Fernando Vitagliano Ricardo Fabbrini Bruno Fabricio Alcebino da Silva Heraldo Campos Dênis de Moraes Flávio Aguiar Vanderlei Tenório Fernão Pessoa Ramos Matheus Silveira de Souza Bernardo Ricupero Atilio A. Boron Luciano Nascimento Ladislau Dowbor Kátia Gerab Baggio Marcos Silva José Costa Júnior Alysson Leandro Mascaro Marilena Chauí Michel Goulart da Silva Leonardo Sacramento Chico Whitaker Armando Boito Ronald Rocha Celso Frederico Alexandre de Freitas Barbosa Gilberto Maringoni Andrés del Río José Geraldo Couto Francisco Fernandes Ladeira Marcelo Módolo Everaldo de Oliveira Andrade Sergio Amadeu da Silveira João Adolfo Hansen Fernando Nogueira da Costa Luiz Eduardo Soares Jean Pierre Chauvin Luis Felipe Miguel Eleonora Albano Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Eleutério F. S. Prado Luiz Marques Ricardo Musse Juarez Guimarães Antonino Infranca Carlos Tautz Marcus Ianoni Liszt Vieira Ronaldo Tadeu de Souza Tarso Genro Igor Felippe Santos Daniel Costa André Singer Walnice Nogueira Galvão José Micaelson Lacerda Morais Priscila Figueiredo Vladimir Safatle Andrew Korybko Ronald León Núñez Yuri Martins-Fontes Henri Acselrad Afrânio Catani Jean Marc Von Der Weid Érico Andrade Marcos Aurélio da Silva Mário Maestri Manuel Domingos Neto Eugênio Trivinho Paulo Nogueira Batista Jr Daniel Afonso da Silva Elias Jabbour Gerson Almeida Paulo Capel Narvai Denilson Cordeiro Carla Teixeira Fábio Konder Comparato

NOVAS PUBLICAÇÕES