Universidade vazia

Imagem: Valeria Lazareva
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por MARISA BITTAR*

Independentemente dos governos que se sucedem e das demandas da categoria docente, o ponto essencial desta greve é: a quem interessa as universidades vazias?

Depois de anos, mais uma vez vivemos uma greve do setor federal da educação e um vazio nas universidades.

Durante a ditadura militar, a greve tinha um significado ímpar. Nas escolas públicas, além dos baixos salários, os governadores dos estados, em apoio ao regime militar, submetiam as escolas aos seus interesses políticos e não abria diálogo. Hoje, prestes a completarmos 40 anos do final da ditadura, vivendo sob o Estado de direito e em plena revolução tecnológica, a situação é completamente diferente.

Independentemente dos governos que se sucedem desde então e das demandas da categoria docente, o ponto essencial desta greve é: a quem interessa as universidades vazias? O governo atual, em terceiro mandato do PT, anuncia expansão de universidades e investimentos em infraestrutura, descartando atender à reivindicação de reajuste salarial linear. A sociedade, por sua vez, solidária ao povo do Rio Grande do Sul, ignora a greve e parece não sentir falta das universidades.

Que sentido tem suspendermos as nossas aulas, deixarmos as nossas turmas de graduação no vazio, quando, durante a pandemia, a universidade tanto propagou a importância da ciência e da produção de conhecimento? Por que razão não se pode negociar com qualquer governo sem interrompermos o nosso trabalho? Foi negociando com o governo Dilma Rousseff que conseguimos avanços significativos na carreira. Se a universidade deve ter sentido social, esvaziá-la contribui em quê?

A greve na educação federal transmite indiferença e alienação relativamente ao delicado contexto nacional além de uma visão de mundo estreita e corporativa. Por qual razão o movimento sindical não deflagrou greve durante o governo passado quando as nossas condições salariais e de trabalho eram as mesmas?

Vivemos, hoje, no contexto de liberdades democráticas e da conexão da sociedade em redes. O impacto disso nas universidades e na educação em geral é impressionante e contrasta imensamente com o vazio que a greve institui.

O Censo da Educação Superior (2022) mostrou que as instituições privadas correspondem a 87% do total de faculdades, centros universitários e universidades do Brasil, e são responsáveis por capacitar 75% dos estudantes de nível superior, isto é, cerca de 6,3 milhões de pessoas. Nesse universo, a rede federal de ensino superior brasileiro atende a uma parcela minoritária da população estudantil e mesmo assim, ao lado das universidades públicas estaduais, distingue-se em termos nacionais e internacionais. Isso porque, mesmo nos países mais ricos, as universidades públicas nem sempre são gratuitas, elas cobram mensalidades de seus alunos, tal como no caso norte-americano.

Recém-graduada em 1981, aderi à minha primeira greve como professora da escola pública de Mato Grosso do Sul. Nossos salários eram muito baixos para 40 horas semanais em sala de aula. Saímos em passeata pela Avenida Afonso Pena, em Campo Grande, sob aplausos da população que admirava e apoiava a nossa iniciativa. Naquele contexto de ditadura, o então presidente da Associação Campo-Grandense de Professores (ACP), Amarílio Ferreira Jr. e eu, fomos vítimas de prisão. Depois, construímos as nossas trajetórias acadêmicas em duas universidades federais, UFMS e UFSCar.

O contexto democrático garantiu expansão e fortalecimento desse sistema para o qual, só na UFSCar, eu me dedico há mais de trinta anos. Como professora apaixonada pela docência e pesquisadora do CNPq desde 2008, considero inaceitável que, a despeito de experiências negativas, o setor grevista das universidades federais continue a esvaziá-las e a isolá-las da sociedade.

*Marisa Bittar é professora titular de História, Filosofia e Políticas da Educação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Distopia como instrumento de contenção
Por GUSTAVO GABRIEL GARCIA: A indústria cultural utiliza narrativas distópicas para promover o medo e a paralisia crítica, sugerindo que é melhor manter o status quo do que arriscar mudanças. Assim, apesar da opressão global, ainda não emergiu um movimento de contestação ao modelo de gestão da vida baseado do capital
O prêmio Machado de Assis 2025
Por DANIEL AFONSO DA SILVA: Diplomata, professor, historiador, intérprete e construtor do Brasil, polímata, homem de Letras, escritor. Como não se sabe quem vem à frente. Rubens, Ricupero ou Rubens Ricupero
Aura e estética da guerra em Walter Benjamin
Por FERNÃO PESSOA RAMOS: A "estética da guerra" em Benjamin não é apenas um diagnóstico sombrio do fascismo, mas um espelho inquietante de nossa própria era, onde a reprodutibilidade técnica da violência se normaliza em fluxos digitais. Se a aura outrora emanava a distância do sagrado, hoje ela se esvai na instantaneidade do espetáculo bélico, onde a contemplação da destruição se confunde com o consumo
Na próxima vez em que encontrar um poeta
Por URARIANO MOTA: Na próxima vez em que encontrar um poeta, lembre-se: ele não é um monumento, mas um incêndio. Suas chamas não iluminam salões — consomem-se no ar, deixando apenas o cheiro de enxofre e mel. E quando ele se for, você sentirá falta até de suas cinzas
A redução sociológica
Por BRUNO GALVÃO: Comentário sobre o livro de Alberto Guerreiro Ramos
Conferência sobre James Joyce
Por JORGE LUIS BORGES: A genialidade irlandesa na cultura ocidental não deriva de pureza racial celta, mas de uma condição paradoxal: lidar esplendidamente com uma tradição à qual não devem fidelidade especial. Joyce encarna essa revolução literária ao transformar um dia comum de Leopold Bloom numa odisseia infinita
Economia da felicidade versus economia do bom viver
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Diante do fetichismo das métricas globais, o “buen vivir” propõe um pluriverso de saberes. Se a felicidade ocidental cabe em planilhas, a vida em plenitude exige ruptura epistêmica — e a natureza como sujeito, não como recurso
Tecnofeudalismo
Por EMILIO CAFASSI: Considerações sobre o livro recém-traduzido de Yanis Varoufakis
Mulheres matemáticas no Brasil
Por CHRISTINA BRECH & MANUELA DA SILVA SOUZA: Revisitar as lutas, contribuições e avanços promovidos por mulheres na Matemática no Brasil ao longo dos últimos 10 anos nos dá uma compreensão do quão longa e desafiadora é a nossa jornada na direção de uma comunidade matemática verdadeiramente justa
Não existe alternativa?
Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
Síndrome da apatia
Por JOÃO LANARI BO: Comentário sobre o filme dirigido por Alexandros Avranas, em exibição nos cinemas.
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES