Por MÁRIO FRANCIS PETRY LONDERO*
Sobre “a morte da esquerda”, greves e lutas impossíveis
1.
Em Alfabeto das colisões Vladimir Safatle propõe uma reflexão provocativa na qual indica que a esquerda morreu. A esquerda teria de se reinventar no contexto atual, tanto a nível brasileiro como mundial. A proposta de gerir o Estado (proposta está adotada nos três governos de Lula) a partir de uma capitalização dos setores pobres da sociedade e ao mesmo tempo garantir a preservação dos ganhos da elite rentista parece ter se esgarçado, caducado.
E neste cenário, obviamente, a população pobre é quem cada vez mais sofre com as desigualdades sociais, já que é inegociável, a qualquer governo, retirar os ganhos da elite rentista. Basta ver a pressão sofrida nos últimos meses no governo Lula na gestão da Petrobrás, que, a partir de seus acionistas, não deseja dividir o lucro em prol do desenvolvimento do Brasil.
Nestas condições, o que Vladimir Safatle percebe é um desgaste cada vez maior de uma suposta esquerda, que tenta jogar o jogo democrático capitalista e que não sai do lugar, e o crescimento de uma direita radical e fascista que se organiza mundialmente e que, ainda diria, sabe usar como ninguém a influência das tecnologias digitais e das redes sociais para se estabelecer e produzir uma narrativa própria e única.
No todo, o diagnóstico do autor parece acertar na mosca. Contudo, surpreende o viés idealista que o filósofo analisa o cenário político para pensar o que seria a esquerda nos dias atuais. Vivemos em uma sociedade de fluxos intensivos, de hibridismos inimagináveis até pouco tempo atrás. E na política não é diferente. Como, então, pensar em uma esquerda ideal na prática de um governo, que viraria o tabuleiro democrático capitalista com um estalar de dedos? Esta possibilidade existe?
Penso ser um tanto ingênuo acreditar em tal via. Mais ingênuo ainda é crer em alguma revolução socialista ou algo do gênero. Estamos mais é para um trágico fim do humano por conta da voracidade do capitalismo que leva o mundo ao colapso, no qual, talvez, não sobre ninguém para contar história…
2.
No começo de março, na linha safatleana, se iniciou movimentos de greve nas Universidades Federais e Institutos Federais, primeiro com os técnicos e agora com os professores. A greve se passa pela justa causa da defesa da educação pública, tão abandonada pelos últimos governos ultraliberais, pelo reajuste salarial dos servidores que perderam muito de seu poder aquisitivo com a inflação e a não reposição em outros anos, mas também pela insatisfação com o terceiro governo de Lula, completamente refém dos ventos neoliberais. Neste sentido, por este ideal de esquerda, que espera, após as eleições, que o governo que colocaram no Planalto governe a partir de um norte à esquerda, é que se tem uma insatisfação que deseja greve.
Repito, há legitimidade na greve, mas parece surreal imaginar que o governo Lula tenha forças para radicalizar e sair dos trilhos da democracia capitalista. É uma leitura um tanto míope do tabuleiro político nacional e mesmo internacional que se está produzindo. Afinal, como dobrar um congresso que é o mais reacionário da história da democracia brasileiro pós-ditadura militar? Como sair das chantagens de Lira, presidente da câmara dos Deputados?
Arthur Lira, e toda a bancada ultraconservadora eleita junto com Lula, tem o poder de dizer até onde o governo pode ir, quais ministros devem compor o governo, o quanto a bancada evangélica e do agronegócio têm a receber de benefícios. Fora o orçamento secreto, ou as emendas do relator, que nada mais é do que a propina legalizada que o governo não pode mexer e que faz muita falta aos cofres públicos e aos projetos que poderiam ser implantados no desenvolvimento do Brasil e não jogados sabe-se lá em que ralo eleitoreiro.
Diante desta realidade, é possível, infelizmente, constatar que temos um governo fantoche do congresso e, obviamente, da elite rentista. O que fazer em relação a isto? Enquanto base que votou a favor de Lula, começar a fazer chantagens, a partir de greve, tal como o congresso seria a solução? Será que já foi esquecido do governo fascista que precedeu Lula e que está aí louco para retornar? Afinal, a greve servirá para quê e para quem? Na minha opinião, só para desgastar este governo frágil e fortalecer a direita organizada e fascista.
Se há desejo de greve, se é desejado o protesto, que se faça por uma causa justa, por algo que não apenas destrua este governo supostamente de esquerda que, em verdade, só consegue fazer ações de um governo de centro como diria Vladimir Safatle, mas que, ao menos, barra o sanguinário governo fascista. Se a esquerda quer se reinventar, que não seja fragilizando o pequeno norte à esquerda que temos.
3.
Vamos para as ruas, façamos greve, mas para protestar contra este congresso chantagista, para indicar que apoiamos o governo Lula no que ele pauta a partir da esquerda, que indiquemos que queremos nosso governo de volta, que se retire o orçamento secreto e todas estas sanhas de poder deste congresso absolutamente cínico e corrupto, que se tenha cobrança de impostos sobre grandes fortunas e sobre as igrejas, que se volte atrás no marco temporal e para os retrocessos sobre o porte de drogas.
Afinal, a eleição de Lula não só sinalizou uma recusa ao fascismo, mas também a vontade de que as pautas sociais voltassem à tona, de que tivéssemos um governo que prezasse pelas florestas e povos originários depois de um período de trevas.
*Mário Francis Petry Londero é professor de psicanálise no Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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