Civitas aurea

Marcelo Guimarães Lima, cachorro passeando, lápis sobre papel, 2023
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Por WILTON CARDOSO*


não há mais operários funcionários trabalhadores

apenas capital humano

os noias e ambulantes perambulam

entre os carros nos sinais fechados

empreendendo migalhas

e trocados

só há os perdedores

e os escolhidos de deus

 

um menino e sua mãe fuçam o lixo

nos containers do edifício

a xepa da feira e seus legumes quase podres

é o novo nicho de mercado

onde os empreendedores do trapo competem entre si

e com as moscas

 

os catadores puxam carruagens de sucata

burros de carga humanos ratos

recolhendo os restos

da civilização pós-moderna

nos meses secos os rios transpiram um odor de fezes

podres

      os carros arrotam carbono e arrancam

para o sem fim das cidades

 

a urbe e seus milagres:

a transmutação do suor

dos colaboradores e empreendedores

na doce embriaguez das mercadorias

a multiplicação do pão monetário

para saciar a fome do deus

insaciável

mamon

moendo sonhos e corpos

nos algoritmos da produtividade

 

sempre alerta

gritam os escoteiros do mercado

só há capitais humanos

e o constante aprendizado

 

os homens bons frequentam reuniões importantes

de terno e gravata no calor tropical

sacrificam suas vidas pelo destino do povo

e relaxam depois em puteiros de luxo

enquanto as noias ocupam o nicho

das chupetas baratas

para os fazedores de bico

há espaço para todos

no laissez-faire da cidade

 

as madames contratam decoradoras

e domésticas para um lar clean

& cool

    saem do ar

condicionado de casa para o do carro

e para o ar dos shoppings e academias de ginástica

e clínicas de plástica

assistem da janela de seus SUVs

os novos empreendedores descansando nos colchões

podres

de sua calçada-lar

clean & cool

 

deus é amor

e temor

grita o pastor da santa prosperidade

só há os escolhidos de Jesus

e os que não fizeram jus

 

lá fora a cidade

desaba de cansaço

e rancor

*Wilton Cardoso é poeta e ensaísta. Editor do blog literário, O engenheiro onírico.

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