Cinemateca – Sem trabalhadores não se preservam acervos

Imagem: Pietro Jeng
image_pdf

Por TRABALHADORES DA CINEMATECA BRASILEIRA

Carta lida no Ato do dia 07 de Agosto de 2021

Esse é o mote dos trabalhadores da Cinemateca desde junho de 2020. Muitos foram os avisos feitos por nós sobre a necessidade da manutenção do corpo de funcionários da instituição, alguns com anos de casa. Esse mote se espalhou na defesa pela Cinemateca, passando a envolver os trabalhadores em um todo único, indissociável. A nossa pauta “pelos salários, pelos empregos e pelo acervo”, infelizmente, mostrou sua verdade de maneira cinematográfica com o incêndio do dia 29 de julho nas instalações da Vila Leopoldina. Esse incêndio foi criminoso e o governo federal é inteiramente responsável por ele, pelo abandono e pelo descaso com o patrimônio em um projeto de destruição da memória brasileira.

No dia 30 de julho de 2021, dia seguinte ao incêndio e quase um ano de promessas, o governo federal finalmente publicou um chamamento público para uma nova organização social (OS) gestora da Cinemateca Brasileira.

Não podemos nos deixar enganar por um edital que impõe uma lógica comercial à Cinemateca. Isso já foi tentado sem sucesso pela antiga gestora, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – Acerp. O que vimos com isso foi um ensaio de uma lógica privatista à instituição, lógica que o Governo Federal pretende ampliar.Também vimos a terceirização da equipe técnica, prática recorrente nos serviços públicos, que precariza o trabalho e, assim, o cumprimento de sua função social pública. Salários rebaixados, instabilidade, não pagamento de vencimentos e orçamentos sempre aquém das necessidades são exemplos dessa lógica comercial. O edital de 2021 estabelece um repasse de 10 milhões, quando em 2019 o orçamento era em torno de 13 milhões.

Os editais de gestão por OS têm prazos determinados. Com a Acerp foram três anos – interrompidos unilateralmente – e o novo edital propõe cinco anos. Isso é incompatível com a preservação do patrimônio. A preservação é um trabalho de longo prazo, que requer constância nos procedimentos e nos trabalhos, como o monitoramento diário dos acervos e a revisão dos materiais. Por sua vez, isso exige a estabilidade do corpo funcional. A preservação só será minimamente efetiva  em uma estrutura estatal, amparada por uma política de Estado não de governos.

Entendendo as limitações da conjuntura atual, a elaboração de qualquer chamamento público deve levar em conta os trabalhadores e as necessidades da instituição antes de se propor um orçamento.

Se entendemos que sem trabalhadores não se preservam acervos, devemos evitar uma abertura apenas formal. E, para isso, é necessário:

1) pagar os vencimentos atrasados dos trabalhadores demitidos em 2020;

2) recontratar a equipe que estava na instituição até 2020;

3) ampliar esse corpo funcional, fazendo a ocupação integral dos postos de trabalho que o acervo da Cinemateca exige;

4) ter um orçamento a altura do patrimônio que a Cinemateca abriga.

Sem a efetivação desses pontos, a abertura será superficial correndo o risco de repetir os mesmos terríveis acontecimentos de dias e anos recentes.

Como disse Paulo Emílio Sales Gomes, num trecho do filme Tem Coca-Cola no Vatapá, “Pássaro fabuloso que já renasceu das cinzas, a cinemateca vai ressuscitar de todo esse lixo, de toda essa poeira, pois o seu destino se tornou inseparável do cinema brasileiro”

Sem trabalhadores não se preservam acervos!

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
3
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
4
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
5
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
6
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
7
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
8
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
9
Considerações sobre o marxismo ocidental
07 Dec 2025 Por RICARDO MUSSE: Breves considerações sobre o livro de Perry Anderson
10
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
12
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
13
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
14
As lágrimas amargas de Michelle Bolsonaro
07 Dec 2025 Por CAIO VASCONCELLOS: Estetização da política e melodrama: A performance política de Michelle como contraponto emocional e religioso ao estilo agressivo de Jair Bolsonaro
15
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES