Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Entre a dependência estrutural e ilhas de autonomia tecnológica, o Brasil forjou uma economia híbrida que desafia as classificações tradicionais, combinando o peso das commodities com a sofisticação de nichos industriais de excelência
1.
A economia brasileira não cabe nem no modelo ricardiano clássico (primário-exportador puro), nem na caricatura de “fábrica do mundo” (China), nem tampouco em uma posição plenamente central como fosse a “fazenda do mundo”. Vale detalhar a trajetória brasileira, dentro das três fases do esquema, enfatizando os elementos capazes de a tornar uma economia híbrida, complexa e emergente.
No Século XIX, seria válido o Modelo Ricardiano a classificar como parte da periferia primário-exportadora. O Brasil escravista e pós-escravista era exportador de café, açúcar, algodão, borracha.
Tinha dependência de importação de manufaturas da Europa. Sua estrutura social marcada pela concentração fundiária e exclusão da maioria da população. Sem base tecnológica própria, o país cumpria à risca a função periférica ricardiana.
No Século XX, houve a industrialização por substituição de importações. Na Era Vargas (1930s–1950s), houve a fundação de estatais estratégicas como CSN, Petrobras, Eletrobras. No governo JK (1956–61), emergiu a indústria automobilística e a de bens duráveis, ainda dependentes de capital estrangeiro. Durante a ditadura militar (1964–1984), o modelo desenvolvimentista autoritário de direita fez grandes obras de infraestrutura e estimulou a formação do complexo agroindustrial.
Os destaques tecnológicos próprios foram a Embrapa (1973) propiciar a revolução agrícola tropical, conquista do Cerrado, base da liderança brasileira em soja, milho, carne. A Embraer (1969) permitiu o desenvolvimento autônomo em aeronáutica, colocando o Brasil entre os maiores fabricantes mundiais de aviões regionais.
A Petrobras, nos anos 2000, fez uma inovação tecnológica na exploração em águas profundas, depois pré-sal, tecnologia reconhecida internacionalmente. Os bancos públicos (BB, BNDES, CEF) ofertaram crédito direcionado a setores estratégicos, viabilizando industrialização e infraestrutura.
O Brasil deixou de ser uma economia primário-exportadora pura, mesmo sem nunca ter completado uma revolução tecnológica plena como Japão ou Coreia.
2.
No século XXI, desenvolveram-se as cadeias globais de valor e a globalização propiciou uma posição emergente, reposicionando o Brasil. Suas exportações ainda são fortemente primárias (soja, minério, petróleo, carnes), embora com presença de manufaturas (aviões, automóveis, máquinas) e serviços (TI, engenharia).
O mais relevante para caracterizar a economia brasileira é o mercado interno atraente. O tamanho da População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil é estimado em torno de 105 milhões de pessoas, correspondendo a cerca de 50% da população total de 213 milhões de habitantes). Sustenta um setor de serviços urbanos altamente diversificado e gerador da maior parcela das ocupações, do PIB e do valor agregado.
Sua pauta de exportação é diversificada, inclusive o Brasil vende para todos os continentes, não apenas para um eixo central. Está entre as 10 maiores economias do mundo: sua escala continental e produtiva diferencia o país de economias dependentes de um único produto.
Em síntese, o Brasil não é primário-exportador em sentido estrito, embora tenha reprimarização recente da pauta (anos 2000–2020). É uma economia híbrida: primária no comércio externo (commodities) e industrial e tecnológica em nichos (aeronáutica, agro, energia).
Predominam os serviços urbanos geradores de um mercado interno expressivo, cujo tamanho de consumidores é competitivo com economias europeias isoladas. Neles se concentra a maior geração de valor.
Situa-se a economia brasileira como uma grande emergente sistêmica, cuja posição nas cadeias globais oscila entre dependência (importações de alta tecnologia) e autonomia (campos de excelência como pré-sal, agro tropical, aeronáutica). Em termos de Economia Política, o Brasil ocupa um lugar intermediário, mais desenvolvido perante as periferias clássicas, mas ainda distante do núcleo central do sistema capitalista. Ele combina dependência estrutural com “ilhas de autonomia tecnológica”.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]
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