Desafios da polarização

Imagem: Tuur Tisseghem
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Por RONALDO TAMBERLINI PAGOTTO*

Desafios para a esquerda diante dos riscos complexos e antagônicos que a disputa política coloca no cenário atual

O cenário político brasileiro reúne possibilidades e riscos complexos, antagônicos, e promete ser a disputa política mais importante das últimas décadas. Provavelmente as eleições gerais de 2022 sejam as de maior importância estratégica desde 1964. Diante desse desafio o esforço deve ser concentrado em neutralizar os ataques e promover uma mobilização capaz de vencer o pleito e também como construir uma força social – nas ruas e institucional no parlamento e executivo para enfrentar a crise e o projeto destruidor de uma fração da classe dominante brasileira, o neofascismo.

Para isso não podemos inverter a fórmula de Gramsci, com otimismo na análise e pessimismo na ação. Mas o cenário, quanto mais desafiador, mais exigirá frieza e realismo na análise com iniciativa e otimismo para a ação.

 

Cenário das crises se aprofundando

A conjugação de crises no Brasil tem uma base econômica e não há sinais de reversão. Aliás, não só não temos sinais de reversão como também outros elementos complexificam ainda mais o quadro, com destaque para os efeitos da chamada indústria 4.0, o quadro internacional da crise, das disputas geopolíticas, dos efeitos mais longevos da pandemia ainda em cursos, da guerra da Ucrânia etc.

Esse processo não é revertido, mas agravado no Brasil. A financeirização da economia ganha dimensões monumentais e os setores mais otimistas apresentam uma perspectiva de uma ou duas décadas para o Brasil conseguir enfrentar seus efeitos. Os mais pessimistas nem vale comentar.

O aprofundamento da crise econômica é o combustível para a crise ambiental, mas sobretudo para as crises social e política. Essas três crises – ambiental, social e política – se entrelaçam e resultam em uma cena difícil de encarar: nesse conjugado de crises, quem paga a conta são os setores mais vulneráveis, trabalhadores em geral e os setores médios de pequenos negócios, as futuras gerações com os ataques em progressão geométrica ao meio ambiente. Ao quadro dessas crises ainda devemos considerar a maior crise sanitária do último século, cujos impactos e consequências ainda estão a pleno vapor, com a pandemia vitimando uma média de 300 mortos por dia, cujos números são catastróficos e estamos próximos de 1 milhão de mortos (se considerarmos o real quadro de subnotificação desde o início), outras centenas de milhares de pessoas com sequelas sérias e duradouras, num cenário de desespero e desalento para milhares de famílias.

 

O governo em crise profunda ainda não foi derrotado

Em meio a esse quadro a classe dominante avançou em um projeto anti-nacional, anti-popular e anti-democrático com a eleição de Jair Bolsonaro. E desde a posse o governo enfrenta adversários (que ele considera inimigos) que não partem das iniciativas da oposição, mas de fatores muito mais amplos e para além das forças políticas em disputa. O principal “opositor” do governo foi e segue sendo a pandemia, o segundo é a profunda crise econômica e social, cujos enfrentamentos foram deliberadamente tratados com todos os contornos de uma política irresponsável e que ajudou a aprofundar as causas e consequências.

A guerra contra a pandemia travada pelo governo foi uma batalha contra a realidade. Combateu a existência da pandemia, a proliferação do contágio, seus impactos, as medidas aplicadas nos países com bons resultados, a função do Estado no enfrentamento e tudo com pitadas de psicopatia, sociopatia e traços genocidas. Essa foi a batalha perdida pelo governo e que todo o povo pagou a conta. E foi o motor principal da impopularidade e ameaça da primeira não reeleição de governo federal desde a instituição.

O segundo eixo “opositor” foi o agravamento da crise econômica, especialmente o impacto da crise geral nos trabalhadores, pequenos e médios negócios, no campo e na cidade, e muito claramente no contingente mais vulnerável de desempregados, subempregados e autônomos vulneráveis, que uma grande parte migrou para a fome e instabilidade absoluta. E seguem em desalento.

Do lado de cá, os esforços dos setores democráticos, especialmente do setor progressista, foram muito importantes, mas insuficientes para derrotar esse projeto. E constatar isso não é um exercício de crítica descompensa, inoportuna ou com algum exagero, mas o necessário para que tratemos as coisas como são – e foram. Os intentos e esforços da oposição de esquerda ao governo foram muito frágeis e limitados. É evidente que parte desse limite decorre da situação da pandemia em si, limitadora da ação política de massas, de ocupar as ruas, mas não só. A iniciativa política foi capturada pelo governo desde a eleição em 2018, que desde então define – pelos erros e pelas iniciativas em geral – a pauta nacional, cabendo aos setores de oposição uma posição reativa, quando não de reações pontuais e circunscritas ao terreno das chamadas redes sociais. Os atos convocados nas janelas de abrandamento da pandemia ou no primeiro ano do governo demonstraram uma correlação de forças equilibrada, melhorando em perspectiva, mas incapaz de derrotar esse projeto.

Uma exceção em termos de reação mais contundente foi a CPI da Covid, que centralizou a política e impôs derrotas políticas e sobretudo ideológicas ao governo.

Merece destaque para os esforços de solidariedade, inciativas concretas e que transcenderam as tradicionais pautas e bandeiras políticas para tratar das questões centrais do povo: a fome e a instabilidade alimentar, as condições para lidar com a pandemia, numa onda importante de ser considerada por ser algo tão impactante para as pessoas alcançadas e também para quem as promoveu. Essas ações romperam o imobilismo, a esquerda centrada nas redes sociais e colocou em movimento em uma ação do melhor da tradição da esquerda no mundo. A ação solidária como parte do modus operandi dessa tradição.

 

Desafios da polarização

O quadro de crise historicamente é o cenário ou o ambiente adequado para as propostas mais radicais, localizada mais no sentido dos polos, extremos. Foram nesses cenários que as saídas de extrema direita – como o fascismo e os neofascismos – e também dos setores progressistas e revolucionários. Nesse quadro as saídas tradicionalmente de centro (autoproclamadas ou de fato representantes de uma fórmula “concertacionista”) ficam inviabilizadas momentaneamente, já que em determinadas situações os blocos polarizados – a direita e a esquerda – podem girar para uma composição de centro visando impedir uma derrota para o polo oposto.

Trocando em miúdos a polarização é a tensão para posições mais claras à direita e à esquerda. Ocorre em circunstâncias especiais – normalmente em crises profundas como a nossa, que na medida que se agravam alimentam a polarização.

Por isso, considerando que a polarização é um quadro muito mais definido pela crise, que permite aos setores com projetos de sociedade muito distintos – em verdade, antagônicos – se apresentem e encontrem eco político, é um cenário de maior politização da sociedade e que exige das forças em disputa uma capacidade superior de fazer essa disputa. Nesse quadro merece um grande destaque a luta ideológica, que é estratégica e muito negligenciada pela esquerda brasileira nas últimas décadas. Seria correto afirmar que ela é um dos ambientes centrais da luta política nesse quadro de aprofundamento da crise.

E o desafio central da luta ideológica sempre é de ajudar a compor uma leitura comum sobre a crise (causas e consequências), dos sujeitos em conflito e seus interesses: contra quem lutamos (ou quem são os inimigos do povo), com quem lutamos (os aliados); o cenário dessa luta etc.

E essa é um desafio da maior grandeza por dois grandes motivos.

O primeiro é que as forças contrárias ao povo tradicionalmente usam da manipulação de massas, da exploração de temas sensíveis ao senso comum, de problemas crônicos (como a violência), para construir leituras, narrativas e interpretações que escondem os responsáveis, a relação de causalidade e de como superar. O segundo é um aditivo muito particular do nosso quadro brasileiro: uma sociedade bastante despolitizada, que podemos identificar pelo grau de desinteresse pela política, da limitada ampliação e generalização do debate político, do hábito e interesse em debater e divergir politicamente, de lidar com a diferença e debater saídas. Ao contrário, temos um quadro em que muita gente se declara desinteressada por política, uma visão sem esperança de mudanças e avaliando o quadro como uma “briga” compreendida como uma disputa a partir de interesses, de personalismos ou de um grupo contra outro. Não devemos desconsiderar que isso é o resultado do oligopólio da grande mídia e da absoluta negligência da atuação da esquerda nesse campo da luta (ideológica).

O encontro do agravamento das crises, polarização política e a despolitização geral é de um quadro complexo e que adiciona elementos tensos à encruzilhada brasileira. Essa combinação nos sugere desafios grandiosos e urgentes. O primeiro deles é compreender que a luta ideológica não é uma tarefa a mais, mas um dos campos de luta mais estratégicos e determinantes. Porém, como já dito, um terreno em que a esquerda vai de mal a pior, de maneira geral, com uma atuação que pretende disputar milhões com uma pulverização de sites, blogs, páginas, podcasts, mas com um alcance ínfimo diante desse desafio. E esse quadro não tem sinais de reversão no curto e médio prazo, exigindo, para tanto, a conformação de iniciativas comuns e de grande envergadura para dar a esse tema um tratamento consequente. O tema é desalentador.

 

O bolsonarismo como força insubmissa, que conjuga a atuação dentro e contra a ordem

A direita brasileira trocou sua atuação a partir de partidos e iniciativas dentro dos marcos democráticos por uma força política neofascista. Quando tratamos disso não podemos passar a ideia de que é o conjunto, mas uma parte relevante da classe dominante brasileira, de parte considerável do PIB, que adotou esse caminho com o “atalho” do bolsonarismo. Nessa altura da crise uma parte desse time está arrependida, mas outra não, o que é de per si reveladora de características históricas da classe dominante brasileira, que não se arrepende, nem se emenda. Foi escravocrata, servil internacionalmente e segue assim noutros moldes. É importante observar que com a nossa história não temos o direito de nos surpreender com nada disso. Isso é uma fotografia muito coerente com um longo filme.

Ainda sobre a aposta em Jair Bolsonaro de uma fração do PIB e dos setores médios que não tem nenhuma preocupação democrática, empatia pelos famintos e desalentados, ou receio de uma fascistização da sociedade, mas o contrário, aderiram a isso e são impulsionadoras desse projeto. Mesmo sem nos surpreender devemos observar que essa posição política de sustentação desse projeto neofascista é reveladora do grau de degeneração política, ideológica e humana dessa fração da classe dominante. É uma base concreta para compreender quem são os inimigos do povo, como atuam e o que defendem. Em geral nesses momentos de crise essas questões ficam ainda mais evidentes, cristalinas.

Nós devemos ter uma atenção especial para tratar do “bolsonarismo” como um fenômeno político complexo. Nele estão presentes setores do ultraliberalismo – sempre coniventes com o autoritarismo político; o velho fascismo; setores profundamente anticomunistas, em transição para o neofascismo, setores conservadores nos costumes e moral, dentre outros. Tem uma dinâmica profundamente autoritária, são seguidores do líder e não admitem debates e questionamentos. Nem entre eles. É um campo que não politiza a base e sua influência expressa a visão autoritária e sem qualquer pudor, em que os fins sempre autorizam (mais do que justificam) os meios, numa profunda intolerância com qualquer tipo de debate e diferença. São pregadores – no pior sentido – e não agitadores. São mais afeitos a postura de aderir ao líder e quem supostamente vacila ou duvida é atacado e excluído. Política e religião não se discute, dizem.

Nesse grupo complexo tem um pouco de tudo, mas o centro dessa força é fascista. Termo velho para quem tem ódio à esquerda e usa a violência como método. Fascista odeia muita coisa, mas o coração do fascismo é o velho anticomunismo.

Essa força atua dentro da ordem, das margens da Constituição e da legalidade, ao mesmo tempo em que atua tensionando desde fora e contra essa ordem. Assume, a um só tempo, uma dinâmica de esgarçamento das margens desde dentro e uma tensão anti-sistêmica desde “fora”, ora mais por dentro, ora mais anti-sistema. Isso mesmo sendo governo e sustentado por setores do parlamento absolutamente de do sistema, integrado a ele. É um método a combinação de atuação dentro e contra a ordem; de atuar na Presidência atacando as urnas; de convocar reunião formal com embaixadores para fazer propaganda do caráter anti-sistêmico; de antecipar que se perder, será por roubo e preparar a tropa (com uma parte delas composta de fanáticos) para o novo período. É uma dinâmica sempre no ataque e pautando a vida política nacional. E que tem uma pequena força social de militantes, mesmo após tantos erros e crimes para sustentar intentos golpistas e erros tão graves. Uma militância resiliente, digamos.

Essa força nos últimos dias tem anunciado, como não o fizeram os golpistas de 1964, o golpe. E sabemos que isso pode ser um método, uma bravata e uma forma de tensionamento por dentro. Mas não temos o direito de menosprezar as forças ultraconservadoras brasileiras de uma possível nova aventura golpista.

Nesse quadro merece destaque um elemento da situação internacional e que joga um papel importante no cenário. A posição dos EUA na América Latina e Caribenha é tensionada de lado a lado. A emergência de governos advindos do campo democrático e progressista não é recebida com passividade pelos falcões do pentágono. Esse quadro certamente aditiva o histórico papel dos EUA na região, sendo o Brasil o país mais importante e que poderá cumprir – uma vez mais – o papel de aliado estratégico e preferencial dos EUA na América do Sul e Latina. Isso é um elemento muito importante e nele não tem qualquer hipótese fantasiosa, mas uma prática corriqueira e absolutamente evidente dos métodos e interesses do imperialismo dos EUA na região.

E isso está ainda delicado com a cena multipolar com a ascensão da China e dos governos progressistas na região. Essas duas mudanças – governos não alinhados e multipolaridade – fará dessa máquina de golpes e todo tipo de ação algo que merecerá nossa atenção especial. Sem alarmismos, mas sem desconsiderar esse quadro.

 

Alguns desafios para a esquerda na encruzilhada

Vivenciamos um longo período de ofensiva conservadora desde o final das eleições de 2014, ofensiva na política, ideológica, social e com relevantes respaldo e apoio internacional, especialmente dos EUA. Tivermos diferentes momentos ao longo desses últimos anos e valeria relembrar alguns desses momentos.

Uma primeira etapa de enfrentamento ao golpe de 2016, forjado já desde a proclamação do resultado eleitoral de 2014, com a esquerda debatendo até a véspera do impeachment se essa seria uma ofensiva golpista ou não, com uma parte contestando que estávamos diante de uma mudança na correlação de forças em direção a uma ruptura, a um golpe, com consequências profundas para a capacidade de enfrentar essa ofensiva; na sequencia toda a perseguição ao Lula, que até as vésperas da prisão ainda contava com muitos setores da esquerda descrentes de tamanha ousadia em prender o maior líder da esquerda brasileira; e a eleição de Bolsonaro, transitando de uma negação da possibilidade de ascensão desse sujeito passando para um completo desespero após a vitória nas urnas.

Erros caros e que merecem nossa atenção. É dizer: não chegamos nesse quadro por termos acertado na análise e na ação, mas em geral no contrário. Erramos muito na análise e isso teve consequências importantes para a ação e reação.

Esse quadro foi qualitativamente alterado com três dinâmicas imprevisíveis do cenário: primeiro decorre de um fato inusitado, a ação solitária de um rapaz (chamado de hacker de Araraquara), que resultou na operação “vaza-jato” e ajudou sobremaneira a demonstrar a parcialidade e perseguição política contra Lula, permitindo uma contra-ofensiva até a liberdade e recuperação dos direitos políticos de Lula, merecendo destaque para uma ação muito importante em Curitiba por quase 600 dias – a Vigília); em segundo a pandemia, que sem desconsiderar todo o impacto, merece destaque em razão do quanto atingiu frontalmente o governo; e em terceiro o agravamento das contradições do governo, vivenciando crises regulares desde o dia da posse, perdendo aliados, dividindo o campo inimigo e um vertedouro sem fim de problemas para o grupo que venceu as eleições em 2018.

Tudo isso não foi o determinado pela ação política do campo democrático ou da esquerda. E nesse processo saímos de um quadro de pessimismo “invernesco” entre a eleição e meados de 2019, passando para uma situação de maior otimismo com as crises do governo e chegando ao estado atual de um certo otimismo “primaveril” da atualidade. Uma transição substantiva. A esperança é um combustível da vida evidentemente!

Mas qual seria o sentido de avaliar criticamente esse processo?

É inegável que estamos com boas razões para sermos otimistas, mas sem perder a dimensão dos enormes desafios atuais e vindouros. Apenas apresentamos alguns deles para contribuir com o debate sobre esse amplo tema. Nossa opção foi de apresentar alguns dos mais centrais para sairmos dessa encruzilhada superando nossos graves problemas.

O mais imediato e central é lutar para eleger Lula, assim como uma bancada de senadores e deputados federais, seguido do esforço para eleger governadores/as e deputados estaduais e distrital. E que esse processo acumule forças e capacidade política de sustentar um governo diante das pressões golpistas e de direita, ao mesmo tempo que essa força seja capaz de disputar os rumos desse governo pela esquerda, nas ruas e como um modo de exercer a pressão legítima para sustentação e tensionamento. Inegável que os passos para isso passam por uma campanha popular, via Comitês e unidade política, a vitória eleitoral e garantir a posse.

Conjugado com esse será preciso enfrentar o neofascismo, uma força com iniciativa política regular e ação de massas, que mesmo em crise tem demonstrado que não perdeu a capacidade de iniciativa e de ocupar as ruas (lembremos do 7 de setembro de 2021). E que em meio ao processo eleitoral já convocou dois grandes atos de massas – 31 de julho em algumas capitais e o 7 de setembro. E esse tema merece uma consideração adicional. O ano de 2019 foi de ofensiva conservadora e as forças progressistas em plena resistência; o período da pandemia foi e ainda é atípico para qualquer ação de massas. Por isso, a aferição da correlação de forças é absolutamente imprecisa e difusa. Não temos ações e iniciativas para avaliar o quadro político e nossa força. Ficamos com os dados das pesquisas e informações de atividades culturais amplas como shows, etc. Mas é uma eleição diferente em que a esquerda atua por dentro de uma campanha ainda bastante branda e a direita com uma campanha com iniciativas e ousadia. A dinâmica parece ter se invertido.

E sobre as cotidianas ameaças golpistas, sem alimentar alucinações, mas é preciso falar sobre isso. Talvez seja o tema de maior preocupação geral e que domina o debate político. E não podemos tratar como uma posição desajustada, medrosa, assim como não podemos alimentar o pavor e o medo. Nem uma coisa, nem outra. A ameaça tem um pouco de realidade, ainda diminuta, e mais bravata. Mas é dita aos quatro ventos e regularmente. Tratar apenas como bravata e método de tensionar pode ser um erro. E sabemos o preço que se paga em menosprezar os inimigos de classe e projeto. Não há dúvidas quanto ao papel que isso cumpre: uma parte da sociedade fica atônita, amedrontada, que joga um papel de inibir que franjas da esquerda ocupe as ruas e faça uma ampla campanha política de massas.

Mas não só. É o formador de uma militância que adere ao proselitismo e passa a aceitar (e até a reclamar) por um golpe de Estado. Isso é algo em curso e que sabemos ser uma proposta que tem alcançado diversos segmentos também das camadas populares. Aquela ideia abjeta de um golpe de estado no Brasil não ficou na história, uma parte importante considera isso algo a ser pensado; outra apoia.

E a combinação desses dois desafios – vencer e debelar as ameaças e intentos golpistas – recolocam a centralidade na retomada da iniciativa política, de envergadura e coerente com esses objetivos centrais. Sem iniciativa para articular uma frente nacional em defesa da democracia, reunindo amplos setores e com ações de massas, atos monumentais e demonstrações de força de que a maioria não aceitará retrocessos e preservará a democracia brasileira, poderemos ter uma eleição nas cordas, tentando ganhar “jogando parado”, acreditando que estamos diante de forças consideradas normais, transformando com essa posição a campanha em uma ação de redes, placar de toalhas, gráficos de twitters e com a imensa massa da sociedade assistindo tudo preocupada e tensa. Sem superar essa situação nas ruas, na iniciativa política e na verve geral da condução desse processo teremos meses duros a cada pesquisa, a cada ação dos inimigos, a cada ato, cada ameaça, cada iniciativa. Deslocando para nós um papel reativo e aprisionado na posição defensiva.

E temos razões para o otimismo. Conformamos uma ampla frente com setores progressistas na direção, com forças consequentes e comprometidas com a democracia. O governo tem na sua oposição até forças como a Globo, que não ajudará a esquerda, mas só se não se colocar no lugar de sempre – por razões da centralidade da oposição ao Bolsonaro que tem sustentado – já é algo para considerar. E a sociedade, que viu tudo isso de casa, atemorizada pelo vírus, pelas ameaças de desemprego, reduzir as condições de vida, críticas ao governo, com destaque para as mulheres e a juventude, com um enorme potencial para a convocação para ocupar as ruas. E transformar essas ameaças em convescote de fanáticos e entorpecidos.

Precisamos de todo o otimismo para a ação política e com ela retomar a iniciativa e derrotar o neofascismo nas urnas e nas ruas.

*Ronaldo Tamberlini Pagotto, advogado, é ativista do Movimento Brasil Popular.

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