Donald Trump e Jair Bolsonaro – quem os sustenta?

Imagem: Alex Agrico
image_pdf

Por RUI COSTA SANTOS*

O que é comum a Trump e a Bolsonaro é o fato do programa político de ambos implicar num confronto brutal com instituições dos EUA e Brasil, mas simultaneamente serem úteis por uma parte das burguesias atuais

Donald Trump não é igual a Javier Milei, como não é igual a Giorgia Meloni, como é diferente de Jair Bolsonaro. Mas o que os une não é apenas, ou até principalmente, o serem antidemocráticos.

Aliás, se o que definisse Donald Trump fosse o ser antidemocrático, não teria sido candidato presidencial por três vezes consecutivas por um dos partidos centrais da democracia liberal norte-americana.

Se o que definisse Donald Trump fosse o ser antidemocrático, por oposição aos dois partidos que se alternaram no poder nos EUA desde o fim da guerra civil, Trump teria sido um candidato independente, como foi nos anos 1990 Ross Perot.

O que é comum a Donald Trump e a Jair Bolsonaro é o fato do programa político de ambos implicar um confronto brutal com instituições dos EUA e Brasil, mas simultaneamente serem úteis na realização de um programa igualmente desejado por uma parte das burguesias atuais: maiores transferências de rendimentos das classes médias e trabalhadora para as classes mais elevadas, que em cada um dos países tem especificidades que os singularizam.

No caso dos EUA face ao seu papel de liderança no sistema capitalista global, no caso do Brasil, como país que tem uma economia subordinada que atravessa um processo de desindustrialização relativa da sua economia e que aprofunda a sua dependência quanto à exportação de matérias primas. Por essa razão, pela diferença de posição dos EUA e do Brasil na divisão internacional do trabalho, o combate de Jair Bolsonaro às comunidades indígenas teve um auge no seu mandato, que não se podia propor um programa de maior protecionismo econômico e de reindustrialização, como o que se propõe realizar Donald Trump.

No entanto, o ataque às instituições da democracia liberal norte-americana ou da democracia liberal brasileira são instrumentais e não o fim em si mesmo. Ao não serem o fim em si mesmo, é que falha o juízo sobre o qual assenta o discurso da esquerda liberal: o da necessidade de unir todos os democratas no combate aos autoritarismos de Donald Trump ou Jair Bolsonaro.

Falha na medida em que, para grande parte das burguesias de ambos os países, é útil o trabalho de ambos: útil na perseguição aos trabalhadores-migrantes porque ameaçados de expulsão têm de se sujeitar a piores condições de trabalho, útil na redução de impostos sobre lucros e rendimentos financeiros, útil no ataque aos sindicatos, útil na luta de classes favorecendo a classe capitalista de ambos os países.

Numa cerimônia no congresso dos EUA, parte dos representantes do partido democrático decidiram “boicotar a cerimónia”. De que forma? Vestindo-se de cor de rosa.

Donald Trump não será derrotado por uma aliança entre quem se vestiu de cor de rosa, para mostrar estar contra Donald Trump e aqueles que são os efectivamente afectados pelas suas política: a classe trabalhadora, os estudantes, os migrantes que também são classe trabalhadora, mas que vivem sob o medo de expulsão.

Se se esperar quatro anos para derrotar Donald Trump, e se aqueles que o derrotarem forem aqueles que coabitam no congresso com o partido republicano, a derrota de Donald Trump será no entanto a sua vitória, porque em quatro anos terá deixado os EUA numa situação que nenhum Partido Democrático irá reverter, porque a liderança desse partido é controlada por outras frações da burguesia, que afinará aqui e acolá algum detalhe, para não tocar no essencial: os interesses da sua classe. Donald Trump ou a classe social que o sustenta só poderá ser derrotada se houver outros grupos sociais que se lhe oponham e o vençam. E essa vitória terá de ter como eixo central a mobilização social.

Se olharmos para o Brasil, Jair Bolsonaro está inelegível, mas a classe social que dele se beneficiou está parcialmente no poder, inclusive com ministros no governo de Lula. Como disse Margaret Thatcher, a minha maior vitória foi Tony Blair, primeiro ministro do partido trabalhista inglês nos anos 1990. Assim também, a maior vitória da burguesia brasileira foi fazer com que o terceiro governo de Lula não desmontasse todas as políticas feitas entre Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas a aceitação de que as privatizações e precarização das relações trabalhistas eram fatos consumados. O mesmo poderíamos dizer quanto ao governo do PS (partido socialista em Portugal) de António Costa face à herança de Passos Coelho e da troika.

A derrota efectiva de Donald Trump terá de ser obra de quem é diretamente afetado por suas políticas, e de quem se lhe opõe por estar no lado contrário da luta de classes, e não porque é parte de uma burguesia democrata. E não é porque esses burgueses democratas não existam. Claro que sim. Pode haver burgueses democratas, ou até defender políticas de grandes distribuições de rendimentos e de combate frontal à miséria e à exploração.

Há certamente, mas são também certamente uma pequeníssima minoria dentro da sua classe, e portanto uma aliança até poderia ser feita com esses indivíduos mas não com as classes às quais pertencem. Essa derrota não terá de ser portanto nas urnas, ou as urnas expressarão a derrota consagrada nas ruas. E para isso, para essa derrota, quem ontem se vestiu de rosa não será aliado, será adversário.

*Rui Costa Santos é leitor de português na Universidade de Granada e ex- professor na Universidade de Porto Rico.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
5
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
6
A riqueza como tempo do bem viver
15 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: Da acumulação material de Aristóteles e Marx às capacidades humanas de Sen, a riqueza culmina em um novo paradigma: o tempo livre e qualificado para o bem viver, desafio que redireciona o desenvolvimento e a missão do IBGE no século XXI
7
A crise do combate ao trabalho análogo à escravidão
13 Dec 2025 Por CARLOS BAUER: A criação de uma terceira instância política para reverter autuações consolidadas, como nos casos Apaeb, JBS e Santa Colomba, esvazia a "Lista Suja", intimida auditores e abre um perigoso canal de impunidade, ameaçando décadas de avanços em direitos humanos
8
Norbert Elias comentado por Sergio Miceli
14 Dec 2025 Por SÉRGIO MICELI: Republicamos duas resenhas, em homenagem ao sociólogo falecido na última sexta-feira
9
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
12
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
13
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
14
Benjamim
13 Dec 2025 Por HOMERO VIZEU ARAÚJO: Comentário sobre o livro de Chico Buarque publicado em 1995
15
Violência de gênero: além do binarismo e das narrativas gastas
14 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Feminicídio e LGBTfobia não se explicam apenas por “machismo” ou “misoginia”: é preciso compreender como a ideia de normalidade e a metafísica médica alimentam a agressão
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES