Eleger Lula no primeiro turno

Imagem: Michelle Guimarães
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANDRÉ FLORES*

Sem uma vitória no primeiro turno será muito mais difícil conter o avanço do golpismo

Uma retumbante vitória de Lula no 1° turno não elimina os riscos de um golpe de Estado. Os pretextos para o questionamento do resultado eleitoral não dependem do desempenho de Jair Bolsonaro nas urnas. Para o bolsonarismo, as eleições foram fraudadas antecipadamente, desde que Alexandre de Moraes e o TSE não cederam às imposições dos militares. Em sua narrativa conspiratória, caso a diferença de votos seja ampla, será tida justamente como uma evidência de fraude, devido à sua discrepância em relação ao “Datapovo”. Caso a diferença seja estreita, será tida como uma demonstração inequívoca da manipulação dos institutos de pesquisas, que teriam atuado para esconder a maioria bolsonarista na sociedade e legitimar a fraude eleitoral. O documento divulgado pelo PL, retomando os ataques ao sistema eleitoral, mostra que, para o bolsonarismo, o processo já está desacreditado, independente do resultado.

A ameaça de golpe persistirá enquanto o bolsonarismo for considerado uma força legítima e tiver seus direitos políticos assegurados. A pressão pela anulação das eleições e a tentativa de impedir o “retorno do comunismo” prosseguirá mesmo depois de outubro, de modo que não bastará apenas derrotar o bolsonarismo nas urnas, será necessário construir força na sociedade para garantir a posse e conseguir governar. Não bastará apenas ampliar o apoio social e político, como tem feito (a meu ver corretamente) a candidatura Lula. Será necessário mobilização social, pois, parafraseando Luís Fernando Veríssimo, “O nosso lado está com a razão mas o lado deles está armado”.

Dito isto, penso que temos razões e argumentos mais consistentes para defender a liquidação da fatura já no primeiro turno.

Em primeiro lugar, como já vem sendo argumentado por diferentes analistas e dirigentes políticos, a vitória no primeiro turno aumenta os custos políticos para o golpismo, pois envolve anular a eleição de 513 deputados e 27 senadores, fora os governos estaduais que podem ser eleitos já na primeira volta (as pesquisas indicam esta possibilidade para cerca de 10-14 estados). Seria plenamente possível para os golpistas anular ou suspender as eleições no segundo turno, sem alterar os resultados do primeiro, neutralizando, assim, eventuais contestações do centrão e dos partidos fisiológicos.

Em segundo lugar, nas quatro semanas entre o primeiro e o segundo turno, fatos novos e inesperados podem acontecer, reduzindo ainda mais a diferença entre Lula e Bolsonaro. Muitas são as variáveis em jogo, e, apesar de no momento atual o bolsonarismo aparentar ter atingido um teto, nada garante que essa tendência seja irreversível e que não possa ser alterada. O segundo turno pode, sim, ser uma nova eleição. É ilusório fazer projeções estáticas em uma conjuntura instável e movediça. Não está dado, por exemplo, que Jair Bolsonaro não possa recolher os dividendos dos benefícios sociais que só passaram a ser distribuídos em agosto. Apesar de não parecer ser o cenário mais provável nas condições de hoje, não pode ser simplesmente descartado.

Em terceiro lugar, porque, além do bolsonarismo, o segundo turno interessa às forças que relutam em aderir à candidatura Lula, representadas na “terceira via”. A tendência é que, indo para o segundo turno, Lula tenha que fazer mais concessões em seu programa para atrair e consolidar setores ainda hesitantes em apoiá-lo. Um rebaixamento programático ainda maior do que o atual apresenta graves riscos para o futuro, limitando sensivelmente as margens de manobra do governo eleito e podendo frustrar as massas que o elegeram com expectativas de mudanças. As experiências recentes no Peru, na Argentina e no Chile tem algo a ensinar nesse sentido: governos eleitos pela esquerda que, uma vez no poder, aplicam um neoliberalismo moderado, perdem apoio social e se veem emparedados pela oposição. Esse cenário pode ser ainda mais trágico diante de uma oposição abertamente golpista e com apoio de massas.

Além destes, outros argumentos podem ser listados, como o possível desânimo da militância progressista e uma provável escalada da intimidação e da violência política, entre o primeiro e o segundo turno.

Ou seja, a vitória no primeiro turno não oferece garantias, mas sem ela será muito mais difícil conter o avanço do golpismo. Por esse motivo, para todos aqueles e aquelas conscientes dos riscos que o bolsonarismo representa, deve ser considerado o voto útil em Lula já no primeiro turno.

*André Flores é doutorando em ciência política na Unicamp e militante da Consulta Popular.

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES