Por JOSÉ MAURÍCIO DOMINGUES*
Comentário sobre o livro A ascensão da extrema direita e o freio de emergência
I
A ascensão global da extrema direita e como enfrentá-la tem sido objeto de inúmeros autores e agentes políticos. Urgência e precisão se impõem. É exatamente nesse registro que se insere o pequeno livro de Roberto Robaina, A ascensão da extrema direita e o freio de emergência (Movimento, 2025). Que não nos enganemos, porém: se se trata de um volume compacto, os problemas de que se ocupa são extremamente complexos. Primeiramente, Robaina se debruça sobre o fenômeno da extrema direita global e busca um diagnóstico exato sobre ele, de modo a se instrumentalizar para enfrentá-la politicamente, o que inclui uma exploração das teorias da personalidade e da psicanálise que a analisaram. Finalmente, sua resposta política e estratégica retoma debates antigos e contemporâneos sobre o que envolve organizar frentes políticas que a confrontem e derrotem. O autor é dirigente do PSOL e do Movimento de Esquerda Revolucionária (MES), o que implica consequências práticas relevantes para seu esforço intelectual.
II
Será hoje a extrema direita que ascendeu desde o início do milênio o mesmo que o fascismo clássico? Seria uma espécie de neofascismo ou pós-fascismo ou, ainda, de maneira mais ampla, uma extrema direita simplesmente neoliberal e autoritária? A resposta de Robaina segue duas vertentes, uma delas mais analítica, a outra mais diretamente política.
A primeira dessas vertentes se vincula à análise de alguns autores relevantes internacionalmente no debate atual, principalmente Cas Mudde e Enzo Traverso, assim como algumas de algumas discussões clássicas, incluindo Theodor Adorno. De Mudde ele retira sobretudo elementos descritivos sobre o que este autor define como a “quarta onda” internacional da extrema direita, com sua “desmarginalização”, que também lhe permitem situar essa ascensão da partir dos atentados terroristas de 11 de setembro em diante, da recessão de 2008 e da “dita” crise da imigração nos anos 2010. Com Traverso seu confronto é mais conceitual e político, uma vez que este autor aceita analogias entre a extrema direita atual sem supor uma homologia direta com o fascismo dos anos 1920-1930. Ou seja, Traverso entende que há muitos elementos em comum entre ambos, mas prefere falar em pós-fascismo, uma vez que não há propriamente um movimento fascista em evolução e como base de sustentação a governos de extrema direita, embora haja em ambos os fenômenos polarização social e política, bem como a busca de bodes expiatórios.
De Adorno Robaina retém basicamente as ideias de que o fascismo anterior resulta dos processos de concentração do capital, com a consequente desclassificação e decorrente desamparo de setores importantes das massas; de que tem ideologia frouxa e eclética, que abusa da “mentira tosca”, cultiva um pedantismo pseudocientífico e inclui uma personalidade de base fixada na autoridade, assim como apela exclusivamente às emoções, descartando a inteligência. Além disso, Robaina explora a vasta literatura da psicologia e filosofia dos anos 1920-1930 que buscou entender que mecanismos intrapsíquicos subjazem ao apoio de massas ao fascismo (ou seja, as obras do próprio Adorno e de Sigmund Freud, Georg Bataille, Gustave Le Bon e Wilhelm Reich). A entrega ao “homem providencia”, tal qual destacada por Antonio Gramsci, completa o rol dos diagnósticos.
Enfim, se não há movimento de massa, nem em contrapartida um movimento revolucionário pujante, ao contrário do que ocorria nos anos 1920-1920, um Estado ainda mais poderoso repressivamente está disponível para essa extrema direita. Ademais, aqueles elementos de cunho analógico estão presentes e a austeridade, ontem e hoje, são parte do ideário fascista, variações não obstante. Reprimir e disciplinar a classe dos trabalhadores se acha no centro da agenda dessas forças. Elas devem ser, por essas razões, definidas como neofascistas. Na verdade, Robaina acredita que já se formularam as ideias fundamentais desde o século passado para entender o fascismo –
Mas há uma segunda vertente argumentativa que dá sustentação à argumentação de que, como diz Robaina ao abrir as 15 teses que concluem o livro, “a extrema direita é o neofascismo”: ela é política. A “analogia” aqui é “recomendável” porque existe, a despeito de sua dificuldade em aprender historicamente, uma “memória” das massas sobre os horrores produzidos pelo fascismo, o que facilita sua mobilização, em particular de seus setores “mais ilustrados”, como a juventude estudantil. Ora, Robaina não quer simplesmente entender a extrema direita de nossos dias, mas combatê-la. É o que veremos em seguida.
Antes disso, vale sublinhar que os riscos que nos impõe a extrema direita neofascista se agudizam uma vez que a crise climática, que se anuncia devastadora, potencia seus impactos negativos. Robaina crê que nenhum avanço científico é capaz de, por si, superá-la: não é possível resolver essa crise sem acabar com o capitalismo. Por sua vez, a extrema direita é o baluarte ao menos potencial, senão de fato já em muitos lugares ou parcialmente em outros, dos capitalistas, em um momento claro de crise e decadência do capitalismo, o que inclui o declínio dos Estados Unidos. Assim, é preciso “acionar o freio de emergência”, como disse Walter Benjamin há um século, para o que a derrota do fascismo é essencial.
III
Há, crê Robaina, obstáculos dados ao progresso da extrema direita, tais como sua aplicação de políticas neoliberais, que decepcionam seus apoiadores, e a importância massiva de pessoas com vínculos com a imigração. Afinal, apoiando-se em texto de Luciana Genro, Robaina afirma que não é possível construir um “capitalismo com rosto humano”. Por outro lado, mudanças na “morfologia do mundo do trabalho” complicam o projeto antifascista e anticapitalista. No frigir dos ovos, o que importa mesmo é como se articula a política da esquerda. E é então que Robaina vai buscar insumos na história da Terceira Internacional – Comunista –, sobretudo com Leon Trotsky – para articular uma estratégia contemporânea, seja no Brasil, seja no mundo de modo geral.
Robaina faz então um rasante nas históricas discussões sobre como combater o fascismo que tiveram lugar naquela organização. Trata-se de debate extremamente intrincado, o qual não podemos aprofundar aqui. Ele busca em Trotsky aquele que teria formulado adequadamente a política de “frente única” operária – mas, curiosamente, o faz com referência sobretudo a suas propostas anteriores à ascensão do fascismo e em especial do nazismo alemão. Ora, nos argumentos iniciais de Trotsky (“Sobre a frente única”, de 1922) sobre a política de frente única tratava-se sobretudo de ganhar a base socialdemocrata para posições avançadas, movendo-se de modo a respeitar sua maneira de ver a conjuntura e sua aceitação do reformismo da Socialdemocracia, principalmente na Alemanha, sem, deve-se acrescentar, realmente, abrir espaço para o crescimento da contrarrevolução. Será posteriormente que a questão da frente única contra o fascismo se colocará, defendida por Trotsky a partir de 1930 (com A virada na Internacional Comunista e a situação alemã), em um momento em que, já defenestrado ele da Internacional e expulso da União Soviética. Naquele momento o stalinismo dominava aquela organização e sustentava uma visão que culminou em 1928 na política de “classe contra classe”, denunciando a socialdemocracia de forma ensandecida como “social fascismo”, apenas outra forma de domínio burguês, no fundo semelhante ao fascismo. Sim, foi de fato após a ascensão do nazismo que a Terceira Internacional, sob a liderança de Giorgi Dimitrov (com seu Informe ao VII Congresso de 1935) antes que de Stalin nesse sentido, adotou a política de “frentes populares”, estendendo-a a setores democráticos liberais burgueses, o que inclui da Frente Popular francesa com o governo de Leo Blum em 1936 aos governos de coalizão que se seguiram a libertação da Europa do jugo do fascismo, mas também muitas outras vezes no futuro.
Robaina critica inclusive Leandro Konder – intelectual destacado do Partido Comunista Brasileiro durante os anos 1960-1980 – por defender a extensão da política de frente aos liberais burgueses ao mesmo tempo que criticava Trotsky por recusar essa estratégia – ou tática, dependendo de como se a vê. A discussão é intrincada e as políticas de Trotsky deixaram uma marca forte na evolução do trotskismo, com muitas vezes grande sectarismo mútuo na relação com os partidos comunistas stalinistas e pós-stalinistas, inclusive quando convertidos ao eurocomunismo, mas também face a forças socialistas e liberal-democráticas. Para Robaina, por outro lado, com a situação de Trotsky e a conjuntura da época, a política do líder dos sovietes de 1905 não pode se provar. De qualquer modo, vale sublinhar que Trotsky (assim como Ernest Mandel, que Robaina cita posteriormente) sempre defendeu que as forças comunistas por assim dizer “puro sangue” se mantivessem independentes em relação a essas frentes, quaisquer que fossem, para manterem-se também capazes de fazer a classe em seu conjunto avançar.
Obviamente, seria interessante explorar a perspectiva do PCB durante os anos da ditadura militar, em suas limitações e em seu êxito, na constituição de uma “ampla frente democrática” com “base de massa”, frente ao “regime burocrático autoritário” (para usar a definição precisa de Guillermo O’Donnell, embora o epíteto de “fascista” tivesse muito mais produtividade política). Seria interessante, enfim, confrontá-la com as estratégias da Quarta Internacional, fundada por Trotsky e colaboradores em 1938, naquela quadra histórica brasileira também, com ademais suas divisões posteriores e várias correntes. Contudo, não é isso que me ocupará aqui, inclusive por limitações de espaço, mas sim como Robaina vê as tarefas de uma esquerda revolucionária na atual conjuntura.
Correta e cuidadosamente, Robaina repete mais de uma vez a frase célebre de Lenin: “o marxismo é a análise concreta da situação concreta”. Não há “fórmulas prontas”, argumenta, sem que se deva desprezar a “experiência histórica”. É preciso, sim, manter um polo próprio dos revolucionários, mas seria simplesmente aventureirismo atacar governos democráticos em um momento de ascensão do neofascismo, ainda mais em uma situação de baixa atividade das massas. A esquerda deve ter um programa de transição adequado a suas reivindicações concretas, imediatas, e a seu nível de consciência – e a própria ascensão contemporânea da extrema direita, a despeito de fortes resistências, revela que essas massas são ainda bastante atrasadas. Em suma, nem se deve permitir o que houve com o Partido Comunista Italiano (PCI), que se autodissolveu e não foi capaz de aproveitar a crise do sistema político do país, afundado na corrupção, ao contrário, apostando na ação e na mobilização de modo a desenvolver a consciência dessas massas, nem cabe sucumbir ao adesismo a governos democráticos que não sejam capazes de avançar de forma consequente com uma agenda popular (e muito menos ainda aceitar medidas que vão contra os interesses dos trabalhadores). É a luta que desenvolve a consciência e a confiança das massas. Não cabe, portanto, participar de governos da burguesia ou de partidos de trabalhadores que não sejam dela independentes, sem que isso signifique desprezar a unidade de ação com essas forças na medida em que se batem contra o fascismo.
Segundo Robaina, essa é a linha do MES-PSOL hoje, ao adotar uma política de frente que parte da “análise concreta da situação concreta” do Brasil. A postura que se deve ter frente à atuação do Supremo Tribunal Federal é nesse sentido um exemplo muito expressivo. O STF tem sido, com o ministro Alexandre de Moraes, decisivo na luta contra o bolsonarismo e a tentativa de golpe da extrema direita, defendendo a democracia liberal que também ao menos em larga medida serve aos trabalhadores. Nisso deve ser apoiado. Por outro lado, o STF tem votado sempre contra o interesse dos trabalhadores, consolidando assim as reformas trabalhistas neoliberais. Aí tem que ser criticado e devemos a ele nos opor. Além disso, uma eleição que se joga em dois turnos para os cargos executivos, como é o caso do Brasil, permite manter um polo mais à esquerda claro e garantir a unidade das forças antifascistas em um segundo turno, dependendo a tática a ser empregada no primeiro da situação específica de cada eleição. Enfim, se e quando se deve passar dessa postura defensiva na luta contra o fascismo a uma postura ofensiva anticapitalista tampouco está dado: é a evolução da correlação de forças eu deve orientar a esquerda revolucionaria. Não estamos de forma alguma em uma situação revolucionária, ao contrário dos anos 1930 na França, por exemplo. Em contrapartida, não se deve supor que a relação entre, por assim dizer, objetivos de curto e médio prazo e aqueles de longo prazo, ou seja, a revolução, se deixam enquadrar por uma perspectiva “etapista”. É a evolução da “luta” que decidirá seus desdobramentos, conclui Robaina.
IV
Gostaria agora de debater essas duas dimensões da reflexão de Robaina – seu diagnóstico sobre a extrema direita contemporânea e sua visão estratégica e tática. Creio que já em alguns momentos deixei entrever minhas concordâncias e divergências com as suas formulações. Vou detalhá-las a seguir.
Em primeiro lugar, deve-se diferenciar movimentos fascistas de regimes fascistas – e até certo ponto também de governos compostos ou dominados por fascistas. Movimentos fascistas tradicionais não existem com grande força hoje. Por isso Traverso – e de certo modo também Robaina – identificam analogias – não homologias – entre o fascismo histórico e o atual (Robaina inclusive reconhece que os mecanismos da “personalidade autoritária”, como aqueles ligados à repressão da sexualidade, já não operam). Curiosamente, ele não se refere às redes sociais, nas quais algo como a mensagem e propaganda neofascistas junto às grandes massas se difundem, ainda que se conte mais com dinheiro do que propriamente militância, que funciona sobretudo na ponta, de forma frouxa. Evidentemente, a polarização, o irracionalismo, as mentiras e a busca de bodes expiatórios – os imigrantes no presente, os judeus no século passado, mas que podem voltar a sê-lo no futuro – são elementos comuns às extremas direitas de ontem e hoje. Vale observar, finalmente, que é sempre quando a esquerda é derrotada, em boa medida por seus erros políticos, que o espaço se abre para a ascensão da extrema direita. O caso brasileiro é, sob esse aspecto, exemplar, porém apenas um entre outros.
Do ponto de vista dos governos atuais de extrema direita, embora sejam todos inclinados ao autoritarismo, em nenhum lugar em que chegaram ao poder houve mudança do regime democrático liberal representativo para um regime realmente autocrático, para não dizer fascista. A autocracia russa de Vladmir Putin é diferente, uma vez que não se pode dizer que em algum momento houve por lá aquele tipo de democracia. De qualquer forma, trata-se de um regime que não dispensa uma fachada democrática mínima. A Hungria e a Turquia são mais autoritárias, de fato. De forma geral, porém, é mais uma espécie de oligarquia liberal avançada, com veleidades representativas e mais repressão, com traços autocráticos mais ou menos fortes e muita personificação do poder, o que encontramos nesses países. Os Estados Unidos mudarão de regime, em uma direção autocrática, para não dizer fascista, sob Donald Trump e quem venha a lhe seguir? É muito cedo para dizer, embora a constituição liberal do país esteja sendo lida de forma mais autoritária e a extrema direita que ocupa posições-chave no governo projete um regime no mínimo mais duro. Javier Milei na Argentina é intrinsicamente autoritário, mas nada indica que seja capaz de mudar o regime político argentino e a italiana Giorgia Meloni parece mais uma política conservadora tradicional. ao passo que Jair Bolsonaro tentou um golpe anacrônico em busca de um regime burocrático autoritário (o qual seria, todavia, sangrento, se levado à frente, até ser derrotado). Isto posto, não há razão para excluir a possibilidade de que grupos de extrema direita ao chegarem ao poder resolvam e possam ir mais longe do que até hoje foram.
Isso em si justifica os esforços para derrotar essas correntes de extrema direita que abrigam em si elementos do neofascismo ou sejam abertamente autoritários. No caso brasileiro, em particular, a “análise concreta da situação concreta” nos aconselha a realmente persistir na mobilização de uma ampla frente democrática. Em nenhum lugar do mundo uma corrente ou presidente tão de direita como o bolsonarismo chegou ao poder. E, se bem que derrotado em sua tentativa de golpe, além de insistir em desperdiçar capital político – seja na maneira com que tratou a pandemia do COVID-19, seja ao aliar-se a Trump para tentar se defender, atuando contra a soberania nacional –, o bolsonarismo e a extrema direita seguem incrivelmente vivos na sociedade e no sistema político. Constitui uma espécie de neofascismo, no estilo brasileiro estatal, todavia com mais base de massa do que outrora. Pode sem dúvida reemergir, agora ou em futuro próximo, até com força inesperada.
Mas modular essa ideia de frente democrática é realmente necessário. O liberalismo assumiu ao final do século XIX e durante grande parte do XX um movimento expansivo, em direção democrática e com relação à ampliação de direitos, calcado em forte expansão econômica. A própria socialdemocracia foi parte desse momento de expansão do liberalismo. Será possível retomar isso? As indicações são negativas. Assim, é imperativo que a democracia e as políticas sociais, para não falar da mudança climática que preocupa justamente a Robaina, sejam capitaneadas, defendidas e expandidas forças à esquerda, à frente socialistas de várias estirpes, embora o mundo possa seguir girando, com seus problemas e soluções subótimas, se não reacionárias, caso isso não ocorra.
Mas também em relação ao socialismo revolucionário as indicações são no mínimo problemáticas, incluindo as mudanças fragmentadoras no mundo do trabalho e as justas reivindicações de autonomia política e horizontalidade democrática (que os sovietes russos tampouco souberam solucionar ao ater-se a ideia de que bastava mudar a classe social dominante para que o poder político deixasse de ser dominação, com consequências trágicas). Um outro socialismo, que desponta aqui e ali, com Die Linke, na Alemanha, e alguns agentes como Zohran Mandami, candidato a prefeito de Nova York, se mostra igualmente necessário, recuperando e atualizando a agenda histórica da esquerda, sem que se saiba onde essa renovação vai finalmente desembocar, e sem que haja garantias de que triunfará. É de nossa vontade e ação – e imaginação! – que isso depende.
Sem dúvida, não há contradição entre lutar pela democracia e por um projeto transformador radical, ainda que não haja já um desenho claro do que isso significa, afora que queremos uma liberdade igualitária para muito além do liberalismo, para todos, e solidariedade forte e estendida, democracia radical e uma mudança de rumos no que toca a nosso trato com a “natureza”, com certeza para a esta altura minimizar o câmbio climático e nos adaptar ao inevitável Antropoceno, porém também tratar nosso “meio-ambiente” de forma mais comedida e amigável de modo mais geral, para além do capitalismo. Passar a uma sociedade socialista dificilmente ocorrerá, contudo, antes de um processo de longo prazo, com uma construção de hegemonia, reformas parciais, muita mobilização e democratização plebeia radical. É preciso em particular dar atenção à política e evitar uma tentativa de hegemonização a todo custo que afaste aliados e bloqueie alianças, como se vê com tanta frequência na história das esquerdas.
Em particular, a temporalidade dilatada da transformação social radical implica, consequentemente, que, se temos que enfrentar a mudança do clima, sobretudo o aquecimento global, abandonando os combustíveis fósseis com a máxima urgência, teremos de fazê-lo, inevitavelmente, dentro capitalismo e com políticas de aliança com setores liberais racionalistas. Pode-se e deve-se mesmo entender a luta contra a mudança climática como parte de uma luta transformadora mais geral, implicando, por outro lado, ao mesmo tempo politicas incisivas, que vão mais além dos desejos e interesses dos capitalistas, e alianças amplas, bem como uma visão de longo prazo do processo. Projetos como os Green New Deals liberais podem e devem ser parte da construção de um “bloco histórico”, como sugeria Gramsci, com desdobramentos orientados eventualmente para o socialismo (incluindo alguma espécie de ecossocialismo que afaste perspectivas ascéticas para as grandes massas). Não podemos acionar o freio de emergência somente se e quando uma agenda revolucionária, em sentido amplo, estiver em questão. É imperativo começar, rápida e radicalmente, a implementá-la hoje.
Seja como for, a elaboração de Robaina cumpre papel fundamental na atualização de aspectos fundamentais da perspectiva teórica e política da esquerda revolucionária de filiação trotskista. A valorização da democracia foi fenômeno crucial na esquerda internacional e especialmente no Brasil na virada dos anos 1970 para os 1980. Com a derrota das manifestações de Junho de 2013, seguidas pelo golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff e pela ascensão da extrema direita, esse legado tem sido com frequência desconsiderado em nosso país e, por razões mais amplas, internacionalmente. Acertando na recusa de ligar a luta pela democracia, e em certa medida ao menos, uma “etapa” específica, Robaina, à sua maneira recupera aquele legado, buscando, em sua visão estratégica e em seus movimentos táticos, mais uma vez conectá-lo ao socialismo. Não temos como pensá-los, ambos, senão de forma inovadora e aberta.
O quadro se completaria se Robaina procedesse, ademais, a uma reflexão sobre as estruturas dos partidos políticos, em particular em sua versão leninista, vertical, e sua relação com movimentos e organizações sociais (e das estruturas destes a destas também, aliás). Elas se mostram muito desatualizadas frente às transformações sociais contemporâneas e em particular à autonomia política dos cidadãos, que evidenciam grande ojeriza plebeia no que se refere a estruturas verticais e com frequência oligarquizadas. É o que se tem observado nas mobilizações sociais mundo afora. Pode-se esperar que Robaina o faça em outro momento?
*José Maurício Domingues é professor no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. Autor, entre outros livros, de Uma esquerda para o século XXI. Horizontes, estratégias e Identidades (Mauad). [https://amzn.to/4nVnBjN]
Referência

Roberto Robaina. A ascenção da extrema direita e o freio de emergência. Ed.Revista Movimento, junho 2025. 147 Pgs. [https://amzn.to/4pIRbda]
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