Investimento induzido e ciclos de negócios

James Ensor, As máscaras e a morte
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Comentário sobre o livro de Hyman Minsky

Induction investment and business cycles é o título da tese de doutorado defendida na Harvard University por Hyman Minsky (1919-1996), o teórico financista mais influente na corrente heterodoxa na segunda metade do século XX. Seria orientada por Joseph Schumpeter (1883-1950), considerado um dos primeiros teóricos a considerar as inovações tecnológicas como motor do desenvolvimento capitalista. Por causa de sua morte, a tese foi concluída sob a supervisão de Wassily Leontief (1906-1999), notável por pesquisas sobre como as mudanças em um único setor da economia afetam os demais.

O tema original de sua tese era explorar as relações entre a estrutura de mercado corporativo e os bancos. O projeto foi definido para ser uma investigação macroeconômica, envolvendo o funcionamento das forças conjuntas dos mercados e da demanda agregada e mostrando como a volatilidade da demanda leva a flutuações econômicas, ou seja, ciclo de negócios.

Entretanto, a tese parte de uma análise microeconômica do comportamento das empresas, abrangendo os vários processos de tomada de decisões quanto à entrada e saída de caixa, estrutura de mercado, expansão, vulnerabilidade e sobrevivência. Descarta, de início, o modelo centralizador, onde se consolida o Estado como o agente principal, sendo denominado “de cima para baixo” [top-down].

Adota, então, outro modelo, cujo foco se enquadra nos agentes implementadores e seu poder de discricionariedade na efetivação (ou não) de políticas públicas e, por esta razão, é chamado “de baixo para cima” [bottom-up]. Hyman Minsky descreve seu objetivo como a formulação de um modelo de mercados de produtos específicos, o qual estabelecerá a base da análise agregada, permitindo-lhe considerar uma série de políticas públicas relevantes para a elaboração de uma teoria de ciclo dos negócios.

Em termos de métodos de análise econômica, eu diria ele ter partido do individualismo metodológico ao focar a iteração (repetição) em decisões microeconômicas, mas suas interações provocam resultantes macroeconômicas em configurações dinâmicas incertas. Ao concluir com a apresentação dos mecanismos de transmissão sistêmica, permite o holismo metodológico, ou seja, a visão do todo pelos analistas.

Para Hyman Minsky, o fator dominante na vida econômica é a interdependência de todas as unidades institucionais e/ou agentes econômicos. Na minha leitura, são as interconexões das finanças pessoais, corporativa, públicas, bancárias e internacionais, as quais propiciam a emergência de um sistema complexo, cujo desafio intelectual é os economistas-financistas decifrarem e ponderarem seus componentes-chaves.

Mas ele, inicialmente, abstrai o Estado e o resto do mundo. Como era praxe, antes da abertura externa diante da globalização do comércio, trabalhou com uma economia fechada. Revisou os modelos convencionais para descrever com precisão a trajetória da economia em conjunto e fornecer alternativas de política fiscal no enfrentamento da “estagnação secular” ou da “inflação contínua”.

No nível microeconômico de uma empresa, colocou seu investimento como resultante de mudanças na renda interna e agregada. No entanto, padeceu ainda de um “psicologismo, a doença infantil dos piscologistas” (soma de psicólogos e economistas) ao anunciar a estrutura de seu balanço patrimonial e das contas de resultados (lucros e perdas) refletir “a atitude psicológica em relação à tomada de riscos”.

O individualismo metodológico levou à essa exacerbação das “expectativas” psicológicas de tomadores de decisões na história recente do pensamento econômico. Afinal, quantos tomam as decisões coletivas aprovadas em comitês, diretorias e conselhos de administração? Seus comportamentos heterogêneos podem ser reduzidos à uma expectativa, tipo binária: “otimista” ou “pessimista”. Menos, menos…

Demanda de investimento “induzida” é função de decisões de investimento alteradas por mudanças de mercado, associadas a mudanças na renda agregada. Por extensão, quaisquer mudanças de investimento seriam a causa dos ciclos de negócios.

As mudanças de suas fases (ou conjunturas) incluem tanto mudanças na estrutura do mercado quanto o novo contexto resultante da interação incipiente de firmas não homogêneas. Seriam capazes de levar à alteração do investimento.

O “modelo do acelerador”, em economia, considera o investimento dependente da alteração da produção (renda) e/ou da variação do consumo e da relação capital-produto. O modelo minskyano do ciclo econômico estabelece o coeficiente do acelerador ser pró-cíclico.

Esse modelo ajuda a entender como choques iniciais na economia, sejam eles positivos ou negativos, podem se propagar e amplificar por meio de interações entre os multiplicadores e aceleradores. Combina esses dois conceitos: um aumento autônomo nos gastos de investimentos leva a um aumento na produção, esgotando a capacidade produtiva, leva a mais investimentos (efeito acelerador) e, assim por diante, com o efeito multiplicador amplificando o ciclo de expansão nos gastos. Ao contrário, uma diminuição nos gastos autônomos também pode levar a um ciclo de contração.

Empiricamente, esse modelo de multiplicador recebe, entre outras, as seguintes críticas:

(i) simplificações excessivas: não refletem a complexidade real da economia, como a suposição de todos os aumentos de gastos resultarem em aumentos lineares de produção; (ii) inobservância dos efeitos de longo prazo: o modelo tende a se concentrar em efeitos de curto prazo, negligenciando as dinâmicas de longo prazo influentes na resposta da economia aos choques de gastos; (iii) rigidez de preços e salários: o modelo assume ajustes instantâneos nos preços e salários, entretanto, muitos são rígidos e não se ajustam rapidamente a mudanças na demanda; (iv) efeito do déficit orçamentário: aumento nos gastos do governo leva a preocupações sobre dívida pública e sustentabilidade fiscal, afetando a confiança dos investidores.

(v) Dependência de circunstâncias acima da trajetória: os efeitos multiplicadores podem variar a depender do contexto macroeconômico, da fase do ciclo econômico e da composição dos gastos, tornando impreciso o impacto do multiplicador; (vi) propensões a consumir e expectativas: se forem pessimistas, os efeitos do multiplicador podem ser atenuados pela forma como consumidores, empresas e governo interpretam e respondem aos choques de gastos; (vii) vazamento via importações: parte dos gastos pode destinar para outros países na forma de importações, reduzindo assim o impacto multiplicador na economia doméstica; (viii) limitações em economias abertas: os efeitos do multiplicador são afetados por fatores externos, como taxas de câmbio e fluxos de comércio, modificar a relação entre gastos e produção.

Portanto, o modelo de multiplicador keynesiano possui limitações e deve ser interpretado com cuidado, considerando as complexidades do mundo real e as múltiplas variáveis ao longo do tempo futuro. Nos anos 1950s, Hyman Minsky focalizou a estrutura de custo da empresa, operando por meio de salários, conforme mudam, devido às flutuações no emprego e ao grau de atividade de investimento.

No entanto, Hyman Minsky se torna vanguarda ao destacar: as posições de capital previamente criadas devem ser financiadas. A disposição e a capacidade de uma empresa de absorver perdas incorridas por seus passivos dependem dos fluxos de caixa atuais e futuros e das posições dos balanços. Estas são uma função da demanda passada, presente e futura.

Como a estrutura do mercado muda ao longo do tempo, também mudam as condições de financiamento de uma empresa, ditadas por sua estrutura de balanço particular. Determina o grau de sua vulnerabilidade e, em última análise, sua sobrevivência.

Recursos para investimento podem ser obtidos de três fontes: capital próprio, lucros retidos em reservas e crédito. Juntamente com seus usos, descrevem a estrutura do balanço patrimonial (passivos e ativos) da empresa.

A teoria econômica usual ignora as finanças corporativas e assume um princípio de comportamento único para todas as empresas: a maximização do lucro. Ora, em uma economia de endividamento bancário, a minimização das perdas é mais sustentável…

O distinto do tratamento de Hyman Minsky do ciclo de negócios, diante da teoria tradicional, é a determinação do coeficiente do acelerador de investimento não apenas pelos fatos estilizados da interação renda-demanda, mas também pelos efeitos das condições de financiamento de uma empresa. Esta distinção é, sem dúvida, a origem da originalidade do pensamento de Hyman Minsky ao levantar sua famosa “hipótese da fragilidade financeira”.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

Referência


Hyman Minsky. Induction investment and business cycles. Cheltenham, Edward Elgar Publishing, 2005, 288 págs (https://amzn.to/3RiuXkv).


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