Geopolítica palestina na internet

Imagem: Jhefferson Santos
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*

Mal a imprensa noticiou o “ataque dos terroristas do Hamas à Israel”, já havia nas redes sociais denúncias às manipulações midiáticas a favor do Estado sionista

No Brasil, antes da popularização da internet, a chamada “mídia alternativa” (conjunto dos veículos de comunicação que se contrapõem à “mídia hegemônica”) tinha um alcance restrito. Em geral, eram jornais estudantis, informes sindicais ou rádios comunitárias que, via de regra, no máximo, atingiam milhares de pessoas. 

Assim, os grandes grupos de comunicação do país (Rede Globo, Folha de S. Paulo e editora Abril, entre outros) tinham a prerrogativa de definir a agenda pública nacional e, dependendo da temática (como geopolítica, por exemplo), eram as únicas fontes de informação da imensa maioria da população.

Não por acaso, ao longo dos anos, foi sedimentado no imaginário coletivo estereótipos e chavões, como “o muçulmano fanático terrorista”, “o americano salvador do planeta”, “o comunista que vai roubar propriedades alheias”, “o chinês mafioso”, “o europeu civilizado” e “o africano selvagem”.

Felizmente, esta realidade mudou com o advento da internet. Não que os grandes grupos de comunicação não sejam mais influentes. Longe disso. Porém, atualmente, com inúmeras visões alternativas presentes na rede mundial de computadores sobre as principais questões geopolíticas, é cada vez mais difícil para a mídia hegemônica emplacar sua versão dos fatos, como se fosse a própria realidade.

Vejamos, por exemplo, as recentes animosidades entre palestinos e israelenses (que, obviamente, estão inseridas em um contexto histórico bem mais amplo). Na grande imprensa, conforme é de costume, prevalece a narrativa que interessa às agendas geopolíticas das potências imperialistas. Ou seja, as sete décadas de genocídio palestino por parte de Israel são ocultadas e a ação de legítima defesa do Hamas contra o Estado sionista foi vista como “ataque terrorista surpresa”.

Em outras épocas, tranquilamente, esta narrativa passaria para o grande público como a “versão oficial”, tal como ocorreu em outros acontecimentos, como o “11 de setembro”, midiaticamente rotulado como “maior atentado terrorista da história”.

No entanto, mal a imprensa noticiou o “ataque dos terroristas do Hamas à Israel”, já havia nas redes sociais quem denunciasse as manipulações midiáticas a favor do Estado sionista.

Em sua página no Instagram, com quase duzentos mil seguidores, o socioambientalista Thiago Ávila fez uma interessante análise a respeito da cobertura do Fantástico do dia 8 de outubro sobre o conflito Israel-Palestina. Conforme Thiago Ávila, o programa global dedicou quarenta minutos para esta temática; sendo que menos de quatro minutos levaram em conta a perspectiva do povo palestino; sessenta por cento da cobertura abordou o olhar de Israel e os outros trinta por cento restantes foram dedicados à perspectiva do governo dos Estados Unidos.

Ao usar o termo “territórios palestinos”, as apresentadoras do Fantástico Maju Coutinho e Poliana Abritta não reconheceram a Palestina enquanto “país” (logo, sem possibilidade de legítima defesa). Além disso, Israel foi tratada como “vítima” em guerras que o próprio Estado sionista começou (como a “Guerra dos Seis Dias”). Os palestinos, em contrapartida, foram apresentados negativamente, como potenciais terroristas.

Outro nome bastante combativo nas redes é o jornalista e fundador do site Opera Mundi, Breno Altman. No X (antigo Twitter), ele tem cobrado de partidos e movimentos sociais uma jornada de solidariedade à Palestina e denunciado as ações dos “sionistas de esquerda” (que recorrem à falsa equivalência entre Hamas e Benjamin Netanyahu para manter uma suposta posição progressista). “Quando lerem ou assistirem o noticiário, lembrem-se: o sionismo é a maior máquina de fake news da história humana, deu às mentiras e às manipulações uma escala industrial”, escreveu o jornalista em uma de suas atualizações de status no X.

Abrangente um público mais amplo do que os perfis nas redes sociais citados acima, canais e sites progressistas – como Fórum, A Terra é Redonda, Jornal GGN e Brasil 247 – não apenas noticiam fatos importantes da geopolítica palestina ocultados na mídia tradicional – sobretudo as denúncias do uso de armas de destruição em massa por parte do exército israelense em Gaza e no Líbano –, como também apresentam análises críticas de especialistas da área de relações internacionais sobre a geopolítica palestina, que, via de regra, o não encontraremos na Rede Globo, CNN , Band News, Folha de S. Paulo ou Revista Veja (onde o contraditório é previamente censurado). 

Por outro lado, as Big Techs não estão alheias às visões alternativas sobre a questão palestina. Cada vez mais, na internet, os conceitos de “liberdade de expressão” e “liberdade de informação” têm sido relativizados: parecem só valer a partir do momento em que não contradizem os interesses imperialistas.

Basta lembrar que, em fevereiro do ano passado, após o início da Guerra Rússia-Ucrânia, o YouTube suspendeu as operações dos canais digitais russos Russian Today e Sputnik News no continente europeu, alegando que estes veículos “espalham desinformação”.

Na mesma época, a Meta alterou a política de privacidade do Facebook e do Instagram para que fossem permitidas mensagens de ódio e violência contra soldados russos e liberados posts que pediam a morte de Vladimir Putin e do presidente de Belarus, Alexander Lukashenko. 

Já aqui no Brasil, páginas e canais que denunciam o genocídio palestino têm sido sistematicamente boicotados. Após abordar a questão palestina no Instagram, Thiago Ávila teve o alcance de seus vídeos limitado pela plataforma. Inclusive, muitos usuários relataram dificuldades em compartilhar os conteúdos publicados por Ávila. Já o canal Opera Mundi foi parcialmente desmonetizado pelo YouTube, em consequência de “denúncias a respeito da cobertura sobre a situação na Palestina”.

Além disso, uma simples pesquisa no Google, principal site de buscas do planeta, sobre os termos “Israel” e “Hamas”, nos mostram, na primeira página de resultados, basicamente notícias e vídeos da imprensa conservadora: G1, CNN Brasil, Folha de S. Paulo, BBC News, InfoMoney, Reuters, Terra, Estado de Minas, UOL e Veja. “Coincidentemente”, algumas das matérias em questão têm títulos no estilo: “Guerra de Israel-Hamas: tudo o que você precisa saber para entender o conflito”.

Somente três sites com visões alternativas ao status quo aparecem na primeira página da busca no Google: Carta Capital, Brasil de Fato e The Intercept.

É fato, os algoritmos são as novas armas do soft power geopolítico. Sendo assim, diante dessa realidade, cabe à esquerda se posicionar, denunciar qualquer tipo de censura e manipulação na internet e pleitear para que a população tenha amplo acesso à variedade de informações sobre o que realmente está acontecendo na Palestina, pois, no que depender da mídia tradicional e das Big Techs, ambas a serviço dos interesses imperialistas, a versão pró-Israel prevalecerá.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV). [https://amzn.to/49F468W]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES