Guiomar Novaes

Richard Smith, Piano, 1963
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Por MÁRIO DE ANDRADE*

Dois artigos publicados, em 1922, na revista Klaxon; resgatados na coletânea “Inda bebo no copo dos outros”

Pianista romântica

A grande e jovem escola de piano de São Paulo produziu já duas artistas admiráveis que podemos, sem temor, colocar à mesma altura de qualquer virtuose estrangeiro atual: a senhora Rudge Miller e a senhorinha Guiomar Novaes.

Agradável e fácil seria um paralelo entre ambas. Nada menos trabalhoso do que salientar a antítese violenta que entre elas existe. Uma: caráter severo, tipo clássico, diríamos cerebral; e, por todas essas qualidades dominantes, intérprete exata dos clássicos ou dos pós-românticos. Outra: pianista romântica na mais total significação do termo, vibratibilidade impressionável à mais fina cambiante da sensação.

Infelizmente Antonieta Rudge Miller não pôde continuar como representante das nossas possibilidades artísticas no estrangeiro. Mais infelizmente ainda nem aqui se faz ouvir. Grande pena! A extraordinária intérprete, com a continuação dos seus concertos, seria dum benefício eficaz para o desenvolvimento do espírito musical paulista.

Estamos ainda em pleno romantismo sonoro; e Chopin é o soluçante ideal de todas as nossas pianeiras. A senhora Rudge Miller seria o único mestre possível desse auditório; capaz de impor-lhe Debussy e Ravel – músicos que já representam um passado na Europa e que inda mal são percebidos pela nossa ignara gente.

Guiomar Novaes – certamente maior como genialidade – não preenche essa falta. Artista já universal, não pode imobilizar-se neste polo norte artístico que é o Brasil; e, caracteristicamente romântica, não representaria com eficácia esse papel de mestre que educa.

Insisto em chamar a senhorinha Novaes de pianista romântica.

Combarieu, procurando na Itália musical os influxos do romantismo alemão, eslavo e francês, salienta a figura de Paganini, a quem denomina: “violinista romântico”. Mas, para mim, o que induziu o célebre historiador a essa classificação foi muito mais a lembrança da vida do endiabrado gênio que o espírito de sua obra e os seus meios expressivos. O grande italiano, afinal, nada mais faz do que continuar, no violino, as tradições do bel-canto, já então desnaturado com a decadência da escola napolitana.

Paganini transporta para seu instrumento, exagerando-a porventura (e nisso há realmente romantismo) a virtuosidade suntuosa dos alunos de Caffaro ou de Porpora. O próprio Liszt, moço, com ouvir Paganini, transforma apenas sua técnica pianística. Chopin, e principalmente Berlioz é que darão ao autor de Mazeppa o endereço espiritual do romantismo.

A Guiomar Novaes cabe, com muito mais exatidão, o epíteto de “pianista romântica”. Encarna, até mesmo sob o ponto de vista da liberdade às vezes desnorteante com que se observa a si mesma (no Prelúdio, Coral e Fuga, no Carnaval, em Minstrels, em Scarlatt) toda a estesia do romantismo.

Não cabe agora uma explicação em regra do que entendo por romantismo. Palavras elásticas estas: classicismo e romantismo! É meu dever porém explicar por que considero a senhorinha Novaes uma pianista romântica.

Em primeiro lugar: não é necessário provar a decisiva simpatia que ela dedica aos compositores românticos. Chopin, Schumann e Liszt formam o núcleo dos seus programas. Inda mais: nestes músicos a grande intérprete sente-se à vontade. É sempre maravilhosa, sempre perfeita. Já o mesmo não se dá quando executa clássicos ou modernos. Falo dos que são espiritualmente modernos. Sem dúvida nestes Guiomar Novaes é sempre interessante. Por mais que uma interpretação sua contraste com o espírito dum autor ou dum trecho, ela interessa sempre, atrai e encanta. Mas não comove nem entusiasma como quando executa a Barcarola ou a Dança dos Duendes. A esse prodígio de graça que é a Pastoral de Scarlatti, por exemplo, ela consegue dar um dinamismo perfeito, mas não uma interpretação integral. Falta-lhe o senso do equilíbrio e da medida a que os românticos deram uma elasticidade incompatível com o espírito dançante e protocolar do século XVIII.

O mesmo se dá com o misticismo de César Franck. Guiomar Novaes, estou certo disso, interpretaria genialmente os trechos religiosos de Liszt; mas no Prelúdio, coral e fuga não é perfeita. Entre o misticismo do abade Liszt e o misticismo de Franck há uma distinção cabal que explica perfeitamente o romantismo da nossa grande artista. Liszt é um religioso dos sentidos. Franck, um católico intelectual. Liszt sofre e reza. Franck pensa e prega. Não creio que por isso se possa dizer que Liszt seja mais humano; mas podemos verificar que ele é mais sentimento, ou melhor: mais sentidos. A sensibilidade finíssima de Guiomar Novaes, a sua impetuosidade apaixonada levam-na a melhor realizar a mesma impetuosidade, a mesma dor sem controle que o misticismo romântico realizou.

E o que digo do misticismo, poderia glosar para todas as demais paixões.

Todos os artistas afinal (excetuados aqueles que, por um preconceito infecundo, procuraram abafar o próprio eu) uns mais discretos, outros mais derramados, todos os artistas expressaram sua sensibilidade e fizeram refletir nas suas obras as circunstâncias passageiras em que existiram Bach, Beethoven, Verdi como Schumann, exprimiram, antes de mais nada, sua maneira de sentir. A afinidade de Guiomar Novaes e dos românticos não está em procurarem estes e aquela expressar a sensibilidade que possuem. É mais sutil do que isso. Os românticos, entregues ao delírio de viver pelos sentidos, traduziram, mais do que o próprio eu interior, um eu de sentidos, se me poderei assim explicar, um eu livre de controle. Vejo neles uma realização toda sensual, toda exterior. Para esses artistas de 1830 o julgamento da inteligência, na criação da obra de arte, realizava-se tão somente sob o ponto de vista da beleza formal.

A senhorinha Novaes apresenta, quer interprete Scarlatti, quer Rachmaninoff, as mesmas tendências românticas que acima demonstrei. E, embora admirável num estudo de Scriabine, embora atraente numa fuga de Bach, é sempre em Schumann, Liszt e especialmente Chopin que atinge sua maior força de expressão. Foi por isso que, antes de mais pormenorizadamente estuda-la como intérprete e virtuose (o que farei num segundo artigo) insisti em proclamar a senhorinha Guiomar Novaes uma pianista romântica.

[Publicado na revista Klaxon no. 2, 15 de junho de 1922]

 

A virtuose

A senhorinha Guiomar Novaes não é perfeita como técnica. Aliás, acredito que a perfeição não seja deste mundo… Além disso: Friedmann, por exemplo, duma habilidade técnica fenomenal, como intérprete era inferior: Deslumbrou os tolos dos paulistas por atacar um estudo de Chopin numa velocidade de 300 quilômetros por hora. Não reparam que essa correria não só contrariava o andamento relativo ao pathos do trecho, como não permitia ao executor a realização dinâmica necessária… Muito brilho, exatidão de máquina; pouca vibratilidade, às vezes mesmo falta de compreensão. Friedmann gostava do aplauso público, e constantemente malabaristava.

Admiro os malabaristas. Mas o malabarista de circo: ágil, belo de formas. Neste há uma coragem convencida, proveniente da consciência da força. Num salto de trapézio, a 12 metros da altura, vejo o sorriso irônico dum ser que pensa. O malabarista é atraente, não porque se ria da monte, mas porque sabe o que pode fazer e tem confiança nos seus músculos. Nunca ultrapassa as possibilidades de seus membros. Jamais prejudica a beleza dum salto pela vaidade de ir além dos outros. Friedmann, lançando seus dedos numa rapidez de luz, não é um corajoso: é um temerário, um sentimental que abandona a inteligência e a crítica, esquece-se da vida da obra, para satisfazer uma vaidade, Ruim vaidade.

A snha. Novaes não possui essa habilidade: é muito mais musical porém. E é possível que essa menor habilidade tenha influído na sua arte; pois creio ver na pianista (mais uma característica romântica) uma predileção pelo efeito. A prova está em certas peças, que lhe vão maravilhosamente para os dedos, e que repete incansavelmente em seus concertos. Não lembrarei o Hino Nacional porque tenho certeza que esse fogo de artifício de festa do Divino repugna a consciência artística da grande virtuose. É a estupidez patriótica de parte do seu auditório que a obriga a repetir ainda e cada vez pior (justifico calorosamente essa decadência) a famigerada pirotecnia.

Quando porém disse que a snha. Novaes não tem técnica perfeita, não quis de modo algum adiantar que esta fosse insuficiente. Oh, não! Falta-lhe força, falta-lhe muitas vezes nitidez… Em compensação que elasticidade, que firmeza, que qualidade de som! Não terá o perolado de Viana da Morta, nem o planíssimo de Risler; mas que pedalização exata, que cantante!

Mas a técnica é coisa de pouco interesse sob o ponto de vista crítico. Ter ou não ter técnica é questão de trabalho, questão de professor e dotes físicos pessoais. Tudo o que faz lembrar cozinha do ofício contraria a comoção do ouvinte. A técnica é um melo que importa ao executante adquirir, mas indiferente para o espectador.

A snha. Novaes possui uma técnica mais que suficiente. Se não tem o forte relativo necessário para os largos ambientes, consegue todavia ascensões dinâmicas impressionantes e é extraordinária nas notas ásperas (lº tempo, op. 35, Chopin). Se nas passagens excessivamente harmonizadas é por vezes confusa, consegue como ninguém as sextas da Barcarola, as oitavas da Jongleuse.

Verificada pois a abastança técnica da ilustre pianista, considero-a imediatamente como intérprete.

Como tal dois aspectos especiais apresenta: a transborda em excessos sentimentais. Não transborda em excessos, sentimentais. Não aponto defeitos. Verifico tendências. Uma tendência pode não ser atual, isso não implica ser defeituosa.

A snha. Novaes ou é duma fantasia adorável ou duma sensibilidade sem peias. O que não lhe vai bem para o temperamento é a discrição comovida mas serena dos clássicos e o impressionismo intelectual dos modernistas. (E para o Brasil Debussy ainda é um modernista, helas!). Nestes como naqueles, não encontrando campo largo para sua sensibilidade exaltada, encara-os como se fosse cada qual um outro Liszt de rapsódias em que tudo está em procurar o efeito. É engano. Inegável: interpreta primorosamente certos trechos de Bach ou a Soirée dans grenade. Mas estas obras não saem vividas dos seus dedos. São pretextos para efeito e não padrões em que se limite uma sensibilidade conduzida por uma altíssima sabedoria. A ironia de Minsrels então passou-lhe despercebida… E a snha. Novaes que tanto se sensibilizara com a caçoada feita a Chopin no primeiro Sarau da Semana de Arte Moderna não deveria incluir num dos seus programas a caricatura, feita por Debussy, desses ingênuos menestréis medievais, cujo cantar trovadoresco é o primeiro vagido dá música sensível.

Os românticos legítimos, nascidos no decênio que vai de 1803 a 1813, apresentam duas tendências que se tornaram as características inconfundíveis do grupo: a fantasia exaltada e a sensibilidade sem controle intelectual. Será pois o maior intérprete desses mestres quem melhormente caracterizar-lhes essas duas tendências. A snha. Novaes tendo, num máximo impressionante, esse poder é, a meu ver, de todos os pianistas que ouvi, a melhor intérprete do romantismo musical.

Chopin, Schumann e Liszt eis o campo em que é excelsa.

O próprio Liszt, cujo valor musical é pequeno, consegue ser ouvido com agrado quando ela o executa. É que a virtuose percebeu a inexistência às vezes total de sentimento no qualquerismo sonoro do abade, mas compreendeu-lhe a imensa fantasia. Só mesmo a snha. Novaes ainda tem direito de executar essas gastas rapsódias onde uma falsa saudade se espevita mascarada (é ler o que diz Bartok sobre os temas nacionais húngaros corretos e aumentados por Liszt) entre histerismos de cadências flautísticas, trinados, tiros insultantes no grave e outras coisas de inda menor valia. A 10ª Rapsódia é rojão que só tem direito de existir quando a célebre virtuose se incumbe de lhe realizar os glissandos. Mas onde a fantasia da intérprete permite-lhe uma legítima e total criação é na Dança dos Duendes. Eu vi os elfos saírem em girândolas esverdinhadas do negro Steinway. Formaram em torno da pianista uma ronda vertiginosa em que posou, furtivo, um raio de luar… Sempre desejara conhecer esses elfos pequeninos… Aconselharam-me a leitura de Leconte… Saí da lição como Jacobus Tournebroche da experiência do Senhor D’Astarac, contada por Anatólio France: incrédulo como entrara. Um dia, ao ler Shakespeare, sentira duendes em redor de mim… Mas quando a snha. Novaes executou o trecho de Liszt eu vi os entezinhos translúcidos. A ilustre pianista, pelo poder de sua fantasia, criara o inexistente. Devo-lhe esta comoção linda de minha vida.

No Carnaval reúnem-se em igual potência a fantasia e a sensibilidade. Considero esse monumento o trecho mais descabeladamente romântico da música. Infelizmente não me foi possível assistir ao recente concerto em que a snha Novaes tornou a executar a op. 9. E, dada a variação constante de suas interpretações (outra característica romântica), causou-me verdadeira dor essa privação. Mas me é inesquecível a execução anterior do Carnaval… A snha. Novais partia para os Estados Unidos. Concerto de despedida.

Eu estava no galinheiro. Suava, ensardinhado numa comparsaria boquiaberta, eterna e incondicionalmente entusiasmada ante qualquer interpretação, boa ou má, que saísse das mãos da grande artista. Sensação de mal-estar e desprezo. Mas Guiomar sacudira os ritmos iniciais da peça com uma energia, uma convicção, uma verdade inexcedíveis… O que ri! O que ouvi! A virtuose, sob o ponto de vista escolar, dava-nos a interpretação mais falsa, mais exagerada possível. Que rubatos frenéticos! Que planíssimos espasmódicos! Que dinamismos fraseológicos estranhos! Mas foi simplesmente sublime. Acredito que duas vezes não terei com essa peça a mesma comoção. Eu deposito na glória da snha. Novaes a lágrima que nessa noite chorei. É o presente dum homem que não tem pela intérprete nem simpatia, nem antipatia. Um homem insensível à glória que a acompanha. Um homem isento de patriotadas que não se orgulha da snha. Novaes ser brasileira porque considera os grandes artistas, quer criadores, quer intérpretes, seres de que não importa conhecer a nacionalidade, mas aos quais todos nos humanos, devemos ser reconhecidos. Na minha lágrima vai a homenagem dum ser, não sem preconceitos (é coisa extra-humana) mas o mais livre possível de prejuízos sentimentais.

Realizara pois o Carnaval o mais romanticamente que é dado imaginar-se… Haverá nisso um erro? Não. É costume de criticalhos repetir o seguinte lugar-comum, com mais deficiência de estilo porém: “O Snr. Tal interpretou Chopin sem os exageros a que nos acostumaram certos pianistas de importação. A sua execução sóbria deu-nos o verdadeiro Chopin… etc.” Que estupidez!

Qual o verdadeiro Chopin? Se é o que a tradição nos conservou dum homem que em Viena foi apelidado “pianista de mulheres”, que tinha terrores e alucinações junto da materna amante em Maiorca, que morreu tísico… Dum homem que espantou, pela sua liberdade interpretativa, ao próprio Berlioz…

Qual o verdadeiro Schumann? Se o que a tradição nos conta como um ser fantástico, vário, desigual, arrebatando a mão por exagero de estudo, escrevendo peças noturnas porque sente, de longe, que um ser querido lhe morre, Carnavais e Kreislerianas por excessos de entusiasmo e de ódio e acaba louco… Pois a legítima compreensão desses homens estará em corrigi-los e transportá-los para a serenidade clássica que não tiveram a energia a serenidade clássica que não dito está a exatidão das interpretações da snha. Novaes. Dá-nos Schumann, Chopin, não encurralados numa certa fôrma interpretativa, nem mesmo como existiram no espaço e no tempo… Vai mais além: Dá-nos o “animal” Schumann o “animal” Chopin como teriam existido (realidades ideais) se não houvessem essas famosas circunstâncias que Taine fez a tolice de descobrir, e mais preconceitos de métricas musicais e rés-maiores.

E a respeito de Chopin… Outro lugar-comum engraçadíssimo dos críticos consiste em dizer, a cada novo pianista que pisa estas abençoadas e ignaras plagas de Pauliceia, que esse é o insigne intérprete de Chopin. Nada mais errado. Rubinstein, a não ser na valsa póstuma, numa ou noutra mazurca, assassinava o polaco. Talvez questão de ódio de raça… Risler? Ruinzinho, bem ruinzinho mesmo. Ainda me lembro com arrepios da execução do noturno em fá sustenido… Friedmann compreendia Chopin como uma cadência de concerto, em que tudo consistia em brilhar… Só me satisfizeram no romântico: Paderewski, a snra. Carreras e a snha. Novaes.

E esta mais que nenhum outro. Por quê? Chopin, sabemos, trabalhava como um La Fontaine, um Da Vinci, um Beethoven da última fase. Sempre incontentado e incansável no corgir. No entanto: nada mais desnorteante que o estilo de Chopin. Baladas como Berceuse ou Barcarola, noturnos como sonatas, prelúdios como estudos apresentam um caráter de inteira improvisação, em que, no entanto, o mestre deixou qualquer coisa de seu, inconfundível, mesmo sob o ponto de vista da construção. A forma de Chopin é inatingível. Imitam-se-lhe certos processos técnicos, o arpejado, os melismas. Toda gente pode ser livre no desenvolvimento construtivo dum prelúdio, como Chopin o foi…

Mas ninguém consegue imitá-lo, tal o cunho de personalidade que imprimiu às formas musicais de que se apossou. A snha. Novaes é justamente notável no autor da Berceuse porque cria Chopin. Ela é Chopin. Suas interpretações, acredito que cuidadosamente preparadas, assumem um tal caráter de inspiração, de impulsão lírica, de laissez-aller, que se tem a impressão duma obra nova, formidável. Como que improvisa Chopin. E o faz como nenhum outro intérprete que tenha passado por nós. Ora, na música imitativa (empregado o termo no sentido aristotélico) essa improvisação é, não só necessária, mas imprescindível para que a obra de arte corresponda psicologicamente ao que pretende representar. Daí assumirem as interpretações de Chopin pela snha. Novaes essa força de realidade, essa veemência comotiva poucas vezes por outrem atingida.

E é tão integral a sua compreensão do mestre que, sendo geralmente rebuscadora de efeitos particulares (indo às vezes mesmo a mudar a música escrita, alongando notas, contrariando interpretações determinadas pelo autor) a snha. Novaes desdenha, ao executar Chopin, particularidades e efeitos que boquiabram seus adoradores, para atacar diretamente a realização de conjunto desses recontos musicais que o doloroso músico deixou. Por isso escrevi atrás que “a snha. Novaes cria Chopin”.

E termino. Sigo com admiração e curiosidade a carreira da grande artista. À medida que suas forças se concentram ela se torna mais profunda e mais pessoal. Varia e cresce de concerto para concerto. Talvez seja mesmo uma certa ânsia de fazer melhor que a leve a repetir e repetir as mesmas peças. É um erro. A snha. Novaes, mesmo no círculo de seus autores preferidos, podia, devia variar mais seus programas.

E na linda evolução que segue acendra cada vez mais as propensões românticas que apontei. Infelizmente para a opinião Klaxista… Mas é verdade que por elas se tornou a intérprete genial de Schumann e de Chopin.

[Publicado na revista Klaxon no. 3, 15 de julho de 1922]

*Mário de Andrade (1893-1945) foi poeta, romancista, musicólogo, historiador da arte, crítico e fotógrafo. Autor, entre outros livros, de Macunaíma.

 

Referência


Mário de Andrade. Inda bebo no copo dos outros: por uma estética modernista. Organização: Yussef Campus. Belo Horizonte, Autêntica, 2022, 222 págs.

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