Hélio Rubens

Howard Kanovitz, Quadro de anúncios de basquete, 1969
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Por AFRÂNIO CATANI*

Comentário sobre o livro “Hélio Rubens:a trajetória de um vencedor no jogo da vida”, de Hélio Rubens e Igor Ramos

1.

Nasci em 1953 e, em 1966, tinha exatos 13 anos. Nesse 1966 o time de basquete masculino do XV de Novembro de Piracicaba tornou-se vice-campeão paulista – ele havia sido campeão em 1951 e 1960 e obteve outros vice-campeonatos em 1955, 1958 e 1959.

1966 foi a última das grandes campanhas do XV de Piracicaba. Depois o five piracicabano foi se eclipsando vagarosamente e, com toda a sinceridade, não sei do que é feito dessa equipe nos dias atuais. Mas eu assisti de perto todos os jogos que ocorreram naquele 1966, e o XV, cujo treinador era Ángel Crespo, com Mindaugas, Alemão, Filetti, Emil Rached, Julinho, Zé Preto, Zé Boquinha, Braido, Aléssio e Pecente só não conseguiu superar o Corinthians, que levou o título.

Meu futuro cunhado, Julinho, fez algumas das cestas que garantiram essa brilhante campanha. Era época em que o basquete ainda não se encontrava plenamente profissionalizado, todos que se dedicavam ao esporte recebiam alguma remuneração meio camuflada, mas também tinham outras atividades, necessárias para completar os respectivos orçamentos: havia muitos bancários, policiais rodoviários ou militares, funcionários públicos alocados em secretarias de esportes, nos correios, professores de educação física, corretores de imóveis, cabeleireiros, representantes comerciais, pequenos empresários e comerciantes, estudantes universitários…

Os tempos eram meio heroicos, pois a maioria das equipes não contava com preparadores físicos, sendo que o próprio técnico ministrava alguma forma de exercício ou aquecimento antes de se iniciar o treinamento com bola. A duração das partidas, com 40 minutos, era dividida em dois tempos de 20; as tabelas, de madeira, pintadas de branco, começaram vagarosamente a serem substituídas pelas de vidro e não existiam cestas de três pontos: os lances livres valiam um e os arremessos em movimento, de qualquer parte da quadra, dois. Além disso, os 30 segundos de posse de bola eram controlados pela mesa, através de um cronômetro que não era eletrônico e não ficava visível ao público. Os jogadores possuíam compleição física bastante distinta dos atletas da NBA, verdadeiros armários com 115, 120 quilos e mais de dois metros de altura: eram magros, longilíneos, e a maioria mal passava de 1,90-1,95.

Pois bem, na série histórica referente ao campeonato paulista de basquete masculino, compreendendo o período 1932-2023, o clube da cidade de Franca, com suas várias denominações (Clube dos Bagres, Francana, AA Francana, Emmanuel Franca EC, Franca Cougar, ALL Star Sabesp Franca, Ravelli-Franca Basketball, Satierf Franca, Sesi/Franca…), tornou-se a agremiação que conquistou mais títulos, ou seja, 15 campeonatos e 14 vice-campeonatos, superando os gigantes de sempre, como Corinthians, Palmeiras, Sírio, São José, Rio Claro, Espéria.

O grande responsável por parte significativa do êxito dos francanos chama-se Hélio Rubens Garcia, conhecido como jogador e treinador por Hélio Rubens, nascido em Franca, Estado de São Paulo, em 2 de setembro de 1940.

2.

Quando tomei em mãos o livro Hélio Rubens: a trajetória de um vencedor no jogo da vida, confesso que não me animei, pois há uma apresentação de duas páginas da empresária Luiza Helena Trajano, que comanda a rede de lojas de varejo Magazine Luiza e outras empresas integradas a sua holding. Nascida em Franca, lá passando a infância e a adolescência – foi ela quem financiou a obra –, sua apresentação pouco acrescenta ao texto. Mas me alarmei em seguida quando me deparei com o prefácio de Galvão Bueno. Pensei comigo: aí já é demais! Mas me enganei, pois o narrador e jornalista escreveu duas páginas espirituosas, destacando sua admiração por Amaury Passos (1935), que iniciou a carreira como pivô e se consagrou como armador. Galvão Bueno o admirava, “principalmente aquela jogada mágica, escondendo a bola por trás das costas e fazendo-a chegar ao companheiro mais bem colocado” (p. IX). E mais: o prefaciador destacou que Hélio Rubens considerava Amaury “o maior de todos” (p. X), tendo jogado no Tietê, no Sírio e no Corinthians.

Hélio Rubens e família tinham o basquete em seus respectivos DNA: jogador do Clube dos Bagres de Franca, fundado em 1953, Hélio é filho do basqueteiro Chico Cachoeira, irmão dos também jogadores Totó e Fransérgio e pai de Helinho, ex-jogador e atualmente técnico vitorioso.

Eu acompanhei muitos jogos de Hélio Rubens: um excelente jogador, com um espírito de luta pouco comum, técnica e precisão em tudo. Dava raiva vendo-o jogar contra o XV de Piracicaba, pois quase sempre ele levava a melhor. Apesar de jogar como armador, foi um grande pontuador ao longo da carreira, com arremesso de longa distância e infiltrações. Ele arremessa com as duas mãos, o famoso jump. “Eu arremessava com as duas mãos e saltando. Não tinha muita força, então comecei a arremessar assim, mas sem sair do chão. Foi quando surgiu o jump: um salto com arremesso, só que com as duas mãos ia mais longe que os outros. para fazer aquilo, com aquele estilo de arremesso, eu me inspirei em outro jogador, o Pecente” (p. 58).

Pecente é o Pedro Vicente da Fonseca (1935), jogador de XV de Piracicaba e campeão do mundo em 1959. Jogava com o bi-campeão mundial, Wlamir Marques (1937), o “diabo loiro”. Pecente diz que se inspirou no Mineiro, o Duda, com quem jogou no Santos, em 1954, “mas o Hélio aperfeiçoou esse arremesso por cima e transformou numa marca dele com méritos. Afinal, arremessar com as duas mãos é muito mais difícil. Tem a movimentação em quadra, você recebe a bola e já tem que pôr em cima da cabeça e arremessar sem levar o corte. Difícil não se lembrar do Hélio jogador sem associá-lo ao arremesso com as duas mãos, preciso e sempre eficiente. Esse arremesso pertence a ele” (p. 59).

Há uma passagem saborosa, quando fala que ensinou o filho a arremessar. Helinho foi “vítima” e beneficiário da obsessão do pai com os arremessos. Hélio construiu uma quadra de basquete no quintal de sua casa, colocando um aro com diâmetro um pouco menor, mas nada falando para o rapaz: “Só depois de algum tempo [uns sete anos depois] é que revelei para ele o segredo, o que virou motivo de brincadeira entre nós” (p. 60).

Hélio Rubens disputou mundiais em que a seleção brasileira obteve medalha de bronze (Uruguai, 1967), prata (Iugoslávia, 1970) e bronze (Filipinas, 1978), além de medalha de ouro no Pan-Americano de Cali (1971). Participou de duas Olimpíadas e jogou 14 anos pela seleção brasileira, 10 como capitão. Defendeu o time de Franca por mais de duas décadas como jogador, outros vinte e tantos como treinador, além de treinar a seleção brasileira em dois períodos (1989-1990 e 1997-2002). Além da equipe de Franca, treinou também o Vasco da Gama e o Uberlândia. Foi o maior vencedor da história dos campeonatos brasileiros de basquete, com 14 títulos nacionais (cinco como jogador e nove como treinador) e 10 títulos paulistas (quatro como jogador e seis como treinador), dentre outras conquistas.

A agremiação de Franca venceu várias disputas contra o Vasco da Gama, levando o dirigente carioca Eurico Miranda a fazer uma proposta irrecusável a Hélio Rubens: além de treinador, seria também coordenador dos Esportes Olímpicos do Vasco. “Eu acordava às 4h30 da manhã para reuniões na Sede Náutica com os remadores. Não tinha descanso. Também me metia no futebol porque tinha liberdade do Eurico para isso” (p. 76).

O jornalista Igor Ramos e Hélio revelam os bastidores das convocações para a seleção brasileira em 1967, pelo técnico Togo Renan Soares (Kanela), para iniciar os preparativos ao certame mundial, a ocorrer na Iugoslávia. Pela primeira vez Kanela convocou três francanos, os irmãos Hélio Rubens, Fransérgio e Totó (p. 95). Revelam, igualmente, várias passagens envolvendo Amaury, Wlamir, Sucar, Victor, Rosa Branca, Ubiratan (1944-2002) – talvez o maior pivô do basquete brasileiro, aquele que mais vestiu a camisa de nossa seleção –, Edvar Simões, Mosquito etc.

A ex-jogadora Paula ressaltou que admirava a equipe de Franca, treinada por Pedro Morilla Fuentes, o Pedroca (1929-1993), dotada de um padrão de jogo que sempre a impressionou, depois cultivada por Hélio Rubens enquanto treinador: marcação, transição rápida e precisão nos arremessos (p. 154).

Helinho, por sua vez, destacou que seu pai, na parte tática, sempre procurou alternativas: “Por exemplo, se o time precisava de velocidade, ele jogava com dois armadores. Se os dois laterais se machucavam, ele jogava com três pivôs. Ele sempre buscava alternativas dentro das limitações que iam surgindo. E fazia essas adaptações sempre muito sereno, muito preciso, sabendo bem o que queria. E sempre dava certo” (p. 155).

Hélio Rubens dirigiu o Vasco da Gama de 2000 a 2003 e, do Rio de Janeiro, foi para o Uberlândia, em Minas Gerais, onde conquistou quatro títulos: o Campeonato Mineiro de 2003 e 2004, o Nacional de 2004 e a Liga Sul-Americana de 2005. Nesse mesmo ano retornou à Franca e ficou como treinador até 2012, “ano em que fiz minha derradeira despedida do clube onde joguei durante mais de duas décadas e que dirigi por outras duas” (p. 187). Na verdade, ele foi jogador ao longo de 24 anos e outros 24 foi técnico. Retornou ao Uberlândia em 2012, tendo deixado o clube no início de 2014, encerrando definitivamente a carreira (p. 193).

*Afrânio Catani é professor titular sênior aposentado da Faculdade de Educação da USP. Atualmente é professor visitante na Faculdade de Educação da UERJ, campus de Duque de Caxias.

Referência


Hélio Rubens e Igor Ramos. Hélio Rubens: a trajetória de um vencedor no jogo da vida: a carreira de sucesso de um dos maiores nomes do basquete do Brasil e os conceitos para fazer do brasileiro um campeão. São Paulo, LeYa, 2020, 244 págs. [https://amzn.to/3SsORbj]


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