História do PCB

Ivor Abrahams, Suite Jardim III, 1970
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Por LINCOLN SECCO & LUIZ BERNARDO PERICÁS*

Apresentação dos organizadores ao livro récem-publicado

O Partido Comunista teve papel destacado em diversos momentos da história contemporânea brasileira, tanto para a direita (já que ele foi o objeto preferencial do anticomunismo por décadas, embora o discurso contra o comunismo seja anterior à fundação do partido e à própria Revolução Russa, persistindo até hoje), como para a esquerda, sendo inegável a importância política do PCB, que pautou o debate no campo progressista ao longo de alguns decênios. Quase todas as correntes ideológicas se relacionaram com ele: anarquistas, trotskistas, maoístas, trabalhistas, petistas, além de militantes feministas, sindicalistas e dos movimentos negro, LGBT, ambientalista, estudantil etc.

A periodização é sempre um tema polêmico. Em 1919, no ano da fundação da Internacional Comunista, surgiu um Partido Comunista do Brasil com caráter mais anarquista do que marxista, que durou poucos meses e que logo desapareceu. Todavia, há amplo consenso de que foi em 1922 que, de fato, se fundou a organização que logrou continuidade histórica sob o nome de Partido Comunista do Brasil (PCB) e, desde 1961, Partido Comunista Brasileiro (mantendo a mesma sigla).

A agremiação foi desarticulada no final da década de 1930; começou a se recompor a partir de 1942; cresceu bastante até o encerramento do Estado Novo; em seguida, conseguiu eleger um senador e vários deputados federais (que, após a cassação do registro do partido, perderam seus mandatos); passou por longos momentos de ilegalidade e mudanças programáticas; resistiu à ditadura militar; continuou no período da redemocratização e da Nova República; e chegou até 1992 (logo após a dissolução da União Soviética), quando então houve uma cisão que levou à construção de dois grupos bastante distintos.

Um deles abandonou de vez a legenda, o nome, o programa, os princípios e a própria teoria marxista, resultando no surgimento do PPS (depois Cidadania), que se situa no espectro da “centro-direita”, que defende um programa neoliberal e “democrático”, e que mantém em suas mãos a Fundação Astrojildo Pereira. Já o outro, o Movimento Nacional em Defesa do PCB, se reorganizou à esquerda e preservou a sigla e os princípios marxista-leninistas. O Instituto Astrojildo Pereira (IAP), por sua vez, continua a ser administrado por comunistas e intelectuais marxistas (com ou sem filiação partidária).

A partir daí transcorre uma história que não é objeto desta obra. Hoje, diferentes agremiações disputam o legado do comunismo no Brasil, incluindo o PCdoB, que desde 1962 se reivindica o legítimo herdeiro do partido fundado em 1922 e é retratado num dos artigos desta antologia. Esta legenda nos anos 1980 contava com cerca de cinquenta mil filiados e elegeu uma bancada constituinte de seis deputados.

Este livro procura retomar alguns debates já clássicos sobre a história do comunismo em nosso país, seus momentos decisivos, cisões e disputas e, ao mesmo tempo, revelar novas linhas de pesquisa. Dessa forma, esta coletânea foi organizada com a máxima abrangência temática, envolvendo autores conhecidos e jovens acadêmicos. Cada colaborador teve liberdade para estabelecer sua leitura mais ou menos crítica da trajetória dos comunistas brasileiros, da sua incidência na vida política e cultural e das suas relações internacionais. Por isso mesmo, contradições entre as abordagens, divergências teóricas e superposições de períodos analisados são esperados.

Temos certeza de que se trata de obra única, ao historiar os principais momentos do Partido Comunista sob diversos pontos de vista e com amplitude temática, incluindo a juventude, mulheres, negros, artistas, gráficos, editores, militares etc.

*Lincoln Secco é professor do Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de História do PT (Ateliê).

*Luiz Bernardo Pericás é professor no Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de Caio Prado Júnior: uma biografia política (Boitempo).

Referência


Lincoln Secco & Luiz Bernardo Pericás (orgs.). História do PCB. Cotia, Ateliê Editorial, 2022, 432 págs (https://amzn.to/3sdAKNF).

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