Lunáticos e charlatões

Red square - Kazimir Malevich
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Ruy Fausto*

Leia um trecho da última conversa pública do filósofo recém-falecido

A situação em que estamos hoje é uma herança de uma sucessão de erros coletivos: erro dos que não quiseram optar entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro; erro dos que insistiram numa candidatura que praticamente não dava certo, abandonando seu candidato que poderia ter ido mais longe e outras coisas, como não ter atacado de saída o Bolsonaro; outros esperando a eleição de 2022 como se até lá nada de sério pudesse acontecer.

Enfim, chegamos à situação atual que é a de um país dominado por um governo “sublunático”, digamos assim, até encontrarmos um termo para organizar o que está acontecendo, e ainda sofrendo as consequências de uma pandemia terrível.

Mas, para falar sobre a conjuntura mais imediata, diria que estamos diante de um fato realmente incrível. O personagem que ocupa a presidência se nega admitir que haja realmente um problema sério de saúde, não aceita as medidas que se aceitaram no mundo, propõe o jejum como saída e vai por aí afora. Estamos assim diante de um fato absolutamente inédito.

Mesmo Donald Trump teve uma atitude de autodefesa e, no último momento, deu marcha ré, depois de ter dito que tudo seria resolvido na Páscoa; e bem ou mal, começou a tomar uma série de medidas. Pois este nosso personagem não tomou medida nenhuma. Em matéria de governos “transloucados”, como se dizia antigamente, somos os melhores do mundo! É uma coisa absolutamente inédita e terrível.

Mas, ao interpretar isso aí, em minha opinião, o mais provável é que ele tenha chegado ao seu limite. Ele chegou num ponto em que vai se enfraquecer. Ele ganhou alguns apoios em setores modestos, mas, a meu ver, ele não irá conseguir ir muito longe com isso.

O que aconteceu com a pandemia? Colocou-se o problema da ciência. Esses grupos são essencialmente obscurantistas, inimigos da verdade, inimigos das luzes. Diante da pandemia, colocou-se o problema da busca da cura, da importância da ciência, da verdade, das medidas racionais que se deve tomar.

O obscurantismo dessa gente é tão profundo, que eles não acordam. Eles continuam batendo na tecla de que não é nada, e se dispõem talvez a ocasionar a morte de 300 mil pessoas ou algo dessa ordem. Se não houver o isolamento total, ao invés de morrer 45.000 vão morrer 500 mil.

Então, apareceu o problema da razão e curiosamente a reação não é tão negativa. As luzes têm certo peso, mesmo num país atrasado como o nosso; muita gente reage bem mesmo por querer salvar a própria pele. Mas em outras situações, mesmo querendo salvar a pele, as reações obscurantistas foram mais fortes. Desse modo, esses grupos se revelaram a muita gente o que eles são: charlatães, lunáticos – dispostos a muito mais do que isto – e neoliberais, o que significa neofascistas institucionalmente, dispostos a sacrificar muitas vidas no Brasil em troca de um projeto transloucado.

Chegou um momento de verdade – e não vamos saudar isso, pois significa o sacrifício de muita gente –, em que eles não vão poder ir adiante. Nestas condições, abre-se uma brecha para uma intervenção oposta; os ratos estão abandonando o navio. Até pouco tempo atrás estávamos sob uma ofensiva brutal; agora abre-se a possibilidade de uma intervenção noutra direção.

*Ruy Fausto (1935-2020) foi Professor Emérito da FFLCH-USP e autor, entre outros livros, de Marx: Lógica e Política (Editora 34).

Transcrição de parte de sua fala no lançamento da Revista Rosa. (https://youtu.be/8sfwHPQdbkc)

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES