Por MANECO MAGNESIO GUIMARÃES*
As fotografias não registram o vazio, mas a presença forçada daqueles para quem o “fique em casa” era uma ironia cruel; cada imagem é o testemunho de um plano de morte que transformou o direito à vida em negociação com o patrão
Quando eu saí para as ruas em 2020 para fotografar o isolamento social, eu não sabia bem o que ia encontrar. Imaginava as ruas de São Paulo mais vazias, num cenário como os de filmes, ou talvez como se via nas notícias dos países europeus. Mas a realidade no Brasil foi muito mais dura. As ruas não estavam vazias, mas cheias daquelas pessoas para quem o isolamento social não foi uma opção.

Enquanto o governo federal dizia que era “só uma gripezinha” e não deu condições reais de isolamento para muitos trabalhadores, as pessoas tiveram que “negociar com o patrão” e se expor ao vírus para evitar um problema ainda mais certeiro, a fome. O governo de Jair Bolsonaro foi, afinal de contas, o governo da fila do osso.

A gente costuma dizer que a Covid parou o mundo, mas as ruas de São Paulo jamais pararam. Enquanto a gente se preocupava em lavar cada item que trazia do supermercado para casa, centenas de trabalhadores tinham que sair às ruas todos os dias para que os chamados serviços essenciais (e outros nem tanto) continuassem funcionando.

Enquanto quem pôde se manteve em casa, nas ruas era vida que segue. E seguiu a despeito dos riscos, porque o governo buscava uma imunidade de rebanho, o que deixa claro que, para eles, os trabalhadores não valem mais que gado. Mas muitas vidas não puderam seguir: mais de 600 mil pessoas faleceram em decorrência da Covid-19 no Brasil entre 2020 e 2022.

Em 2023, algumas das fotografias que eu tirei nessa época viraram a exposição Vida que Segue, juntando imagens das ruas, poesias e textos que falam de resistência. Agora, cinco anos depois do início da pandemia, eu estou transformando esse material em livro, juntando com matérias de jornal que escancaram o descaso do governo de Jair Bolsonaro.
Porque é preciso olhar criticamente para essa época. É preciso lembrar dos que se foram, lembrar que cada uma das mortes fez parte de um plano de governo que deixou cada cidadão à própria sorte. É preciso lembrar para podermos cobrar justiça e reparação pelas mortes causadas pela covid-19 no Brasil.

O projeto do livro Vida que Segue está sendo financiado através de uma campanha no Catarse (https://www.catarse.me/vidaquesegue).

*Maneco Magnesio Guimarães é fotojornalista independente e ativista dos Direitos Humanos.
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