Micro-história em tempos de pandemia

Imagem: Ciro Saurius
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CLEBER VINICIUS DO AMARAL FELIPE*

Estão disponíveis conferências, com conteúdo inédito, que abordam a micro-história

É surpreendente a eficácia com a qual alguns disparates circulam pelas redes sociais/digitais/virtuais sem despertar a menor suspeita. Não fossem a ignorância e/ou a malícia, talvez encontrassem obstáculos mais efetivos pela frente. Dizer que professores universitários usufruem de férias prolongadas e remuneradas durante a pandemia, por exemplo, é um clichê com evidente propósito político que o leitor, possivelmente, leu/ouviu em algum lugar/momento. Nada mais distante da verdade, pois continuam a lecionar, desempenhar atividades administrativas, conduzir projetos de extensão, escrever artigos e livros, organizar palestras e mesas redondas, orientar alunos da graduação e da pós-graduação, compor comissões e colegiados, corrigir provas e trabalhos, preencher diários, preparar disciplinas, participar de reuniões, administrar atividades síncronas e assíncronas. A atual situação extraordinária demandou atividades de outro quilate, para muitos, quase extraterrestre: dominar recursos virtuais e plataformas digitais, manusear novos expedientes didáticos e metodológicos, protagonizar outras formas de interação e comunicação, adaptar-se à (con)fusão entre o serviço público e a vida privada.

Resta acrescentar que, depois do COVID-19, uma série de medidas foram tomadas na universidade, como a suspensão das aulas presenciais e, em seguida, a promoção do ensino remoto. Para respeitar os protocolos de segurança, docentes e alunos buscaram na tecnologia uma maneira de possibilitar o magistério, mesmo diante da ampla falta de habilidade no manuseio dos recursos virtuais. De forma repentina, nossa imagem foi convertida em megapixels e as vozes passaram a repercutir abafadas, entrecortadas e/ou metálicas, em fones de ouvido e caixas de som. A eficácia didática passou a depender da velocidade da internet, da qualidade do sinal de Wi-Fi e da tecnologia que docentes e discentes têm à sua disposição. Definitivamente, a projeção espectral não substitui a presença física, pois não elimina a ausência e impede certos afetos e sensibilidades pouco ou nada condizentes com o aparato digital. Ainda assim, não fossem os mecanismos de que dispomos, não teríamos condições de continuar a promover a cultura, os (des)encontros e a produção de material capaz de proporcionar pesquisas e aprendizado.

Gostaria de mencionar e propalar um projeto, em particular: nos últimos quatro meses, com regularidade semanal, o coordenador do Laboratório de História do Trabalho, da Educação e da Violência (LAHTEV) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), prof. Dr. Deivy Ferreira Carneiro, entrevistou historiadores/pesquisadores que leciona(ra)m em universidades italianas, francesas, norte-americanas, brasileiras e que, ao longo da carreira, aderiram e/ou recorreram aos métodos e abordagens da micro-história. As entrevistas indagam sobre a formação, o lugar institucional e as pesquisas dos docentes Carlo Ginzburg, Maurizio Gribaudi, Simona Cerutti, Giovanni Levi, Angelo Torre, Marcos Bretas, Adriano Prosperi, Luís Augusto Farinatti, Jonas Vargas, Maíra Vendrame, Cláudia Viscardi, Osvaldo Raggio, João Fragoso, Sabina Loriga e Francesca Trivellato. Transmitidas em italiano, francês, espanhol, inglês e português, as conferências, com duração variada e conteúdo inédito, recompõem e entrelaçam trajetórias, delegam memórias e apresentam um contributo àqueles que se interessam pela abordagem, originalmente italiana, da micro-história, termo muito controvertido ou pouco explorado em universidades brasileiras. Não fossem a projeção de pixels, as plataformas digitais e os mecanismos de divulgação, não teríamos a satisfação de encontrar todos esses pesquisadores num mesmo locus, a falarem de temas comuns. A despeito da ausência corpórea, ao suprimir distâncias e repercutir espectros da cultura, tal empreitada demanda aplausos e problematização, afinal, o documento (nesse caso, oral/digital) torna-se fonte tão somente quando encontra quem possa indagá-lo.

*Cleber Vinicius do Amaral Felipe é professor do Instituto de História da UFU.

 

Referência


As entrevistas estão disponíveis encontradas em: www.youtube.com/c/lahtevufu.

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A canção de Belchiorbelchior 25/10/2024 Por GUILHERME RODRIGUES: A luta da voz rouca de Belchior contra a ordem melódica dos outros instrumentos traz um espírito do “Coração selvagem” do artista
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Deus cuida de Caetano Veloso?louvor 03/11/2024 Por ANDRÉ CASTRO: Caetano parece ver que há algo mais profundo na experiência religiosa evangélica do que a imagem de “encabrestados” pelos pastores dominadores e maldosos
  • Empresa estatal no BrasilJose-Raimundo-Trindade2 10/11/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: Imperialismo e empresa estatal no capitalismo dependente brasileiro
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • Quero estar acordado quando morrerPalestina Livre 06/11/2024 Por MILTON HATOUM: Discurso no evento de inauguração do “Centro de Estudos Palestinos” da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
  • Não existe alternativa?lâmpadas 23/06/2023 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
  • Van Gogh por metro quadradocultura Van Gogh 30/10/2024 Por SAMUEL KILSZTAJN: Comentário sobre o pintor holandes
  • Donald Trump e o fantasma do identitarismolgbt 09/11/2024 Por FLÁVIA BIROLI & LUCIANA TATAGIBA: Uma falsa explicação, que opera seletivamente com as informações e transforma em alvo quem contribui para a construção de projetos de democracia inclusivos

PESQUISAR

Search

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES