Mísseis sobre Israel

Imagem: Shuaizhi Tian
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Por MÁRIO MAESTRI*

Uma chuva de cintilantes mísseis iranianos cortando os céus de Israel, passando pelo mítico Domo de Ferro, como a farinha por peneira

A população mundial assistiu estarrecida o inimaginável. Uma chuva de cintilantes mísseis iranianos cortando os céus de Israel, passando pelo mítico Domo de Ferro, como a farinha por peneira, para ferir os objetivos definidos, com destaque para a periferia de Tel Aviv, a mais populosa cidade israelense.

Em um passe de mágica, em um vapt-vupt, borrou-se o arrasador efeito psicológico do fantástico ataque, de Israel, em 17 de setembro, aos pagers de militantes do “Partido de Deus”. Seguido, no dia 27, do assassinato, nas profundezas de um bunker, de Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah libanês, criado à sombra da República Islâmica do Irã. Dois ataques de natureza terrorista, com a morte de dezenas de civis.

O ataque missilístico a Israel não revelou nada de novo. Ele impactou sobretudo pela poderosa plasticidade virtual. O Irã já revelara, em forma comedida, sua capacidade balística, quando do ataque aos campos militares ianques, de Al Asad e Erbil, no Iraque, em 8 de janeiro de 2020, com em torno de cem marines feridos, e, sobretudo, durante o bombardeio a Israel, em 13 de abril do presente ano.

Nos dois casos, Teerã anunciou a data e o local que atacaria, preocupando-se em não causar vítimas fatais e danos mais sérios. Procurou, com contenção, revelar a Israel e ao bloco imperialista ianque possuir mísseis capazes de atingir, precisos e certeiros, quaisquer pontos no Oriente Médio. Mas por que, então, essa mensagem foi ignorada por Israel?

Tacão imperialista

Com a vitória da contra-revolução mundial em fins dos anos 1980, assinalada pela dissolução da URSS, abriram-se as portas do inferno sobre o Oriente Médio, com os Estados Unidos impondo, desenfreados, sua hegemonia monopolar sobre a região.

A formatação imperialista do Oriente Médio deu-se, sobremaneira, através das guerras contra o Iraque, em 1990-1991 e 2003-2011. Após a submissão e destruição do Estado iraquiano, e da OLP de Yasser Arafat, que preferiu não abandonar o velho aliado Saddam Hussein em seu calvário, apenas a Síria e o Irã resistiam ao domínio imperialista-sionista.

O Irã era mantido, desde 1979, em isolamento, radicalizado em 1995. Em 2011, o bloco imperialista lançou-se contra a nação e o Estado sírios, que sobreviveram, semi-destruídos, in punto di morte, graças ao apoio da Federação Russa, da República Islâmica, do Hezbollah e de outras milícias libanesas.

Israel surfou alegremente no novo cenário. Já em 1979, fora reconhecido pelo Egito, que recebeu em troca a devolução da península de Sinai e cala-boca anual dos USA para seus oficiais militares. Em 1993, a OLP dobrou o joelho, transformando-se na polícia informal israelense da Cisjordânia, engolida aos pedaços pelas colônias sionistas.

Israel deita e rola

Em 2020, abriu-se a porteira, começou a passar toda a boiada. Israel foi reconhecido pelos Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, todos chorando lágrimas de crocodilos pela triste sorte dos palestinos. Paradoxalmente, em 25 de janeiro de 2006, o Hamas venceu as eleições na Faixa de Gaza, apoiado por Israel, interessado em debilitar ainda mais a OLP.

Em 2023, preparava-se o ajantarado final sionista-estadunidense, tendo como principal prato os palestinos, com o reconhecimento, com data marcada, de Israel pela rica Arábia Saudita, por um lado, e pela poderosa Turquia, por outro. Recep Tayyip Erdogan, fortalecido internacionalmente, concluía os acertos finais para construção conjunta com Tel Aviv de duto energético levando o gás israelense à Europa, enfraquecendo a Federação Russa e o Irã.

Em setembro de 2023, na sede da ONU, em Nova Iorque, Benjamin Netanyahu e Erdogan foram fotografados confraternizando diante de uma garrafa de água mineral. Tudo estava pronto para que a pax israelo-ianque se estabelecesse no Novo Oriente Médio, radicalizando o isolamento iraniano. Mas, se o homem propõe, deus dispõe.

Aluvião palestino

Em 7 de outubro de 2023, a ofensiva geral silenciosa israelo-estadunidense em direção das petro-monarquias e estados conservadores da região tropeçou, no meio do caminho, não com uma simples pedra, mas com o Aluvião palestino de Al-Aqsa. A população de Israel e mundial não acreditavam no que sucedia.

Não apenas combatentes do Hamas irromperam às centenas em territórios ocupados da Palestina, destruindo tropas e aprisionando soldados sionistas e mais de duzentos reféns, antes de se retirarem.

As propostas de onisciência do Mossad, o serviço de informação israelense, e de invencibilidade, dos exércitos de Israel, terminaram no brejo, de braços dados. Mais uma vez, comprovava-se que, na história, com o avanço da luta de classes, tudo o que é sólido pode terminar se desmanchando no ar.

Solução final para a Palestina

O sacrilégio exigia inolvidável banho de sangue como sacrifício expiatório. O Estado sionista, apoiado pela imensa maioria da sua população, retomou a prática hitlerista de tentar sufocação de resistência nacional armada massacrando, exemplarmente, a população civil desarmada. Do mesmo modo que as tropas nazista procederam, durante a II Guerra, não apenas na Polônia, na Ucrânia e na URSS.

O tratamento genocidiário da Faixa de Gaza, com mais de quarenta mil mortos, com destaque para crianças, velhos e mulheres, levantou maré de indignação popular no Oriente Médio e no mundo. Ela obrigou as petro-monarquias e estados conservadores médio-orientais a lançarem Netanyahu pela borda, ao menos por um bom tempo.

Os governos europeus proferiram muxoxos diante do crime histórico, seguiram mantendo as relações com o Estado assassino, quando não o apoiaram, proibindo e reprimindo as manifestações de solidariedade com as populações palestinas massacradas. Paradoxalmente, na linha de frente do apoio de fato ao genocídio israelense se encontra o governo alemão, hoje totalmente desacreditado por sua população.

“Do rio até o mar”

Em 7 de outubro de 2020, entrava em crise a ofensiva israelo-ianque de controle hegemônico do Oriente Médio com o isolamento do Irã; domesticação da resistência palestina; aliança entre Israel, a Turquia e as petro-monarquias e nações reacionárias da Região.

O Estado e a população de Israel, dirigidos por Benjamin Netanyahu, chefe da extrema-direita israelense, lutando também pela sobrevivência política, optou por servir-se dos sucessos do dia 1 de outubro para acelerar os objetivos perseguidos desde sempre pelo sionismo: a construção do “Grande Israel”, engolindo toda a Palestina, parte do Líbano, uma porção da Síria.

Operação já em curso, com a prevista aceleração da expulsão dos palestinos da Cisjordânia, pela radicalização da violência contra eles, acompanhada da implantação incessante de colônias sionistas. E, em Gaza, pelo massacre físico da população e destruição das infraestruturas da região, com o objetivo de tornar ainda mais invivíveis do que atualmente esse imenso campo de concentração a céu aberto.

Estado de Israel e a guerra

Uma vitória militar geral permitiria, esperam, a conclusão, nos anos próximos, dessa operação de limpeza étnica, lançada, com sucesso ininterrupto, desde os momentos anteriores à fundação, pelo Ocidente imperialista, do Estado de Israel, na Palestina, em 1948. Iniciativa e propósito sionista que conta com o apoio do bloco imperialista estadunidense, que desejaria, a mais, apenas, a fundação de um Estado palestino simbólico, faz-de-conta, uma semi-colônia de Israel, a grande fortaleza ocidental no coração da terra do petróleo e do gás.

Entretanto, a atual ofensiva militar geral em curso violenta a própria natureza da nação e do Estado de Israel, que se adaptam mal a guerras prolongadas, nas quais jamais se envolveram. As razões desse handicap negativo estrutural são muitas e claras.

População escassa

Israel possui população escassa e singular, que supera de pouco os sete milhões de hebreus, vivendo no território nacional israelense. Ela é superada dez vezes pela população do Irã, quatro vezes pela do Iraque e duas vezes pela da Síria.

A reprodução vegetativa judaica em Israel deve-se aos judeus ortodoxos, que se negam a prestar o serviço militar. E, entre eles, os judeus ortodoxos Eda Haredit são antissionistas e se solidarizam corajosamente com as dores palestinas. E fazem filhos sem parar, mais ainda do que os palestinos radicados em Israel.

Uma enorme parte da população israelense nasceu ou tem raízes recentes no exterior, mormente nos Estados Unidos, na Europa, na Federação Russa, no Oriente Médio. Possuem dupla nacionalidade e, habitualmente, dois passaportes. É tradicional a migração de israelenses para os Estados Unidos e para o Canadá, motivados pela vida mais e mais difícil e cara em Israel.

Vim viver, e não morrer

Desde o início do conflito, em outubro de 2023, seiscentos mil moradores de Israel abandonaram o país. Mais ou menos a capacidade média de mobilização militar do exército israelense. E se prevê que muitos não voltarão e, não poucos, seguirão o mesmo caminho, com a continuidade da guerra e suas sequelas, diretas e indiretas.

A economia israelense depende, e muito, da exploração dura de cem mil trabalhadores palestinos, morando na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. E, desde fevereiro de 2023, as portas de Israel fecharam-se para todos eles. A construção civil foi golpeada fortemente, já que depende sobremaneira desta mão-de-obra.

O Estado de Israel tem incentivado a imigração temporária de trabalhadores não-palestinos e, se possível, não-muçulmanos, sobretudo da Índia, do Sri Lanka, do Uzbequistão. O que coloca não poucos problemas: aumenta o custo da força de trabalho, já que eles, ao contrário dos palestinos, devem ser alojados, apreender a língua; pressionam pela vinda de familiares, etc.

Pagar as contas

O exército profissional israelense não é grande. Possuindo em torno de 150 mil homens, apoia-se essencialmente em trezentos mil reservistas, chamados periodicamente para treinamento, muito relaxado, nos últimos anos, com a paz relativa vivida pelo país. Os períodos de convocação não podem alongar-se, sem prejuízo, não raro, irreparáveis, para a economia do país. Sobretudo quanto ao pequeno e médio empreendedorismo.

 É difícil manter o moral alto no combate, sabendo que no retorno te espera o descalabro de tua vida profissional. A convocação de reservistas tem variado em torno de trezentos mil, todos jovens em plena idade produtiva. No início do ataque a Gaza, afluíram reservistas que se encontravam, não poucos, radicados no exterior, impulsionados pelo ardor sionista. Com a dureza dos combates, com os mortos, os amputados, os feridos graves, tem caído fortemente a disposição bélica, com pedidos crescentes de dispensa, de retorno aos países de origem, etc.

Cresceu muito o número dos que se negam a prestar serviço sob a justificativa de depressão e doenças mentais. Reservistas mantidos em serviço por longo tempo, embebidos nas visões supremacistas e racistas israelenses, se filmam roubando, torturando, violando, massacrando civis palestinos, sem que os oficiais punam o reprimam esses atos desonrosos e criminosos. Os casos de insubordinação aumentam, do mesmo modo.

A guerra custa caro

O esforço bélico de longo alento, põe sob tensão a economia e as finanças israelenses, com a convocação de trabalhadores ativos, o pagamento de soldos, os gastos com armamentos, etc. Talvez cem mil israelenses abandonaram o norte de Israel, temporariamente, devido ao fogo de artilharia do Hezbollah, em resposta aos ataques sionistas. Boa parte dessa população deve ser sustentada pelo Estado.

A economia e as finanças de Israel vivem grandes dificuldades. Em 2024, agências internacionais de classificação de risco têm desclassificado a nota de Israel. Com a continuação da guerra, preveem déficits orçamentários, fugas de capital, investimentos decrescentes.

Israel conhece forte desigualdade social e pauperização crescente da própria população judaica, o que tende também a impulsionar o abandono e a restringir o ingresso ao país. A visão em consolidação de Israel como uma nação pária, responsável por atos genocidas, fere a mística construída pelo sionismo de nação excepcional, aos olhos dos homens e de deus. Fenômeno de consequência difícil de se prever.

Fuga adiante

O governo Netanyahu e as forças armadas israelense encontram-se empantanadas na Faixa de Gaza, reduzida a escombros, sem alcançar o prometido fim do Hamas e a libertação dos reféns. Mesmo duramente golpeada, a resistência e o Hamas se reorganizam em Gaza, aproveitando a transferência local das tropas sionistas para outras frentes. Para controlar a região, seriam necessários dezenas de milhares de soldados estacionados permanentemente.

Os assassinatos seletivos e sucessivos de altas lideranças do Hezbollah e do Hamas, com destaque para a morte de seu secretário-geral, não objetivavam apenas causar trauma psicológico à resistência e massagear o amor-próprio da população de Israel.

O amplo uso do arsenal missilístico central do Hezbollah depende de licença expressa da sua alta cúpula. Com a morte de Hassan Nasrallah, esta última perdeu momentaneamente agilidade. A explosão dos pagers desmoralizou os quadros médios do movimento, matando alguns poucos e ferindo um grande número. As duas operações buscavam confundir a direção e as tropas do Hezbollah antes da invasão do sul do Líbano.

Preparados para a festa

Com as operações exemplares, o governo Netanyahu reconquistou apoio e reaqueceu o furor genocida da população. O anúncio da invasão do sul do Líbano foi apoiado pelas dezenas de milhares de israelenses obrigados a abandonar suas casas no norte do país, ao igual que milhões de palestinos. Sobretudo, com ofensiva contra o Líbano e o Hezbollah, Israel almejava -e almeja- criar as condições para arrastar os Estados Unidos a uma intervenção direta, no caso do ingresso do Irã em defesa de seu aliado libanês.

Um conflito geral da região, com a participação direta estadunidense, permitiria ao governo de Netanyahu criar as melhores condições para acelerar a construção do sonhado Grande Israel, como guarda pretoriana do imperialismo ocidental, e reinar soberano sobre o Novo Oriente Médio, com o Irã e a Síria submetidos para sempre.

E, no caso de uma não resposta substancial do Irã, que se mostrava reticente em replicar às agressões sofridas, uma ofensiva geral, ainda que limitada, com destruição do sul do Líbano semelhante à praticado em Gaza, permitiria ao governo Netanyahu retomar a iniciativa, atemorizando e pressionando as petro-monarquias e governos conservadores regionais, sobretudo os de filiação sunita.

Choveram mísseis

Com o acúmulo de tropas e brindados no norte de Israel, previa-se retomar, agora com sucesso, a invasão e a ocupação fracassadas do sul do Líbano, em 2006, quando da vergonhosa derrota diante do Hezbollah. Para o espanto geral, no momento em que as tropas sinonistas acendiam suas fogueiras para iniciar o assado, abateu-se sobre elas inesperada chuva grossa de mísseis iranianos.

Em 1° de outubro, diante dos olhos surpresos do mundo, choveram mísseis sobre Tel Aviv, registrando o fiasco do Domo de Ferro e a capacidade do Irã de atingir Israel, quando e onde pretender. Os duzentos ou mais mísseis, disparados do distante Irã, embaralharam as cartas, indiscutivelmente em desfavor de Israel e do imperialismo.

Tidos como brutos e rústicos, submetidos há décadas de isolamento forçado, os iranianos revelaram, nos fatos, a performance de seus mísseis hipersônicos Fattah-2, “O Vitorioso”, com um alcance de uns 1.400 km, velocidade entre cinco e oito mil km hora, voando a baixa altitude, o que dificulta medidas contra-aéreas. O Fattah-2 levaria uns dez minutos para alcançar Israel.

Por que a contenção?

O sentido profundo da operação iraniana tem escapado à compreensão geral. Como nos dois casos anteriores, o Irã voltou a demonstrar o poderio de seus mísseis. Desta vez, sem pré-aviso e em forma potenciada, diante dos olhos do mundo. E repetiu a moderação no ataque, em indiscutível diálogo não verbal com o imperialismo ianque.

O Irã tem se comportado com estrema contenção, procurando não se envolver na espiral desejada pelos sionistas, que o levaria a um confronto geral com Israel e os Estados Unidos, apoiado por seus principais aliados-súditos. O Irã sabe que não está, ainda, militarmente preparado, considerando-se a superioridade militar de Israel, que está sendo reduzida, em forma rápida, nos últimos anos.

Estima-se que Israel possua de quarenta a duzentas bombas atômicas, possíveis de serem lançadas de aviões, mísseis e submarinos. Como dissuasivo, o Irã se construiu um aparato missilístico de talvez quarenta mil mísseis de longo alcance, capazes de destruir enorme parte da infraestrutura israelense. Osmísseis hipersônicos mais modernos driblaram facilmente o Domo de Ferro, que já se mostrou impotente diante de uma saturação de projéteis menos avançados, de trajetórias previsíveis.

Falta ainda para chegar lá

 O Irã avançou igualmente no relativo às baterias anti-aviões e antimísseis, de curto, médio e longo alcance, produzindo, nacionalmente, estações, a partir de antigo armamento soviético, apoiado na engenharia reversa, na qual seus engenheiros são habilíssimos. Nos últimos tempos, a Federação Russa entregou algumas estações do poderoso S-400 e de outros complexos anti-aéreos modernos ao seu aliado. Novos S-400 foram enviados ao Irã, agora, no contexto da presente crise.

Os houthis abateram mais de dez drones estadunidenses MQ-9, de trinta milhões de dólares a cabeça, possivelmente com mísseis terra-ar iranianos. As forças armadas iranianas investiram grandes recursos na guerra eletrônica, tendo desviado, capturado e reproduzido drones estadunidenses. Em 1° de outubro, houve igualmente ataque informático às defesas de Israel.

Devido ao longo bloqueio determinado pela ONU, sob imposição dos Estados Unidos, o Irã praticamente não tem aviação militar moderna. Entretanto, o país tem treinado pilotos, recebeu aviões de treinamento avançados e encomendou, à Federação Russa, aviões e helicópteros de última geração a serem entregues a médio e longo prazo. Em 5 de outubro, delegação de alto nível iraniana está pedindo à Federação Russa que ceda imediatamente aviões Sukhoi SU-35, com alcance de três mil quilômetros.

Não quer briga séria

Teerã tem urânio enriquecido, lançadores poderosos, coloca satélites em órbita, possui tecnologia básica para produzir armas nucleares. Entretanto, acredita-se que lhe falte o último passo para tal. Ou seja, miniaturizar a ogiva atômica para poder ser transportada por um míssil de longo alcance. Não serve muito ter uma arma atômica e não poder lançá-la sobre a cabeça do inimigo.

Especula-se que lhe faltariam ainda dois anos para produzir de quatro a oito bombas nucleares, nos seus abrigos subterrâneo afundados em diversas montanhas no interior do país. Nos fatos, de certo e indiscutível, pouco se sabe, podendo até mesmo que já tenha montado, precariamente, alguma ogiva nuclear.

Preocupa igualmente o governo iraniano sua fragilidade interna, devido a anos de políticas econômicas liberalizantes, que empobreceram a população e fortaleceram uma classe média e burguesia pró-ocidental; ao fundamentalismo religioso, que restringe os direitos políticos e os concentra nas mãos de clérigos que se locupletam com boa parte dos recursos do país; às sanções internacionais, que fragilizam a economia do Irã.

Morrendo por um hijab

Em 16 de setembro de 2022, a morte de Mahsa Amini, uma jovem curdo-iraniana, presa por negar-se a portar corretamente o hijab, e maltratada pela polícia, causou forte surto de oposição popular.

O país foi estremecido por manifestações reivindicando direitos democrático, como a liberdade religiosa, que o imperialismo logicamente procurou instrumentalizar. Na Síria, convivem muçulmanos, cristãos, judeus, não crentes, sem qualquer contradição. E o povo sírio lutou com denodo para mentar a independência nacional do país.

O presidente Masoud Pezeshkian, recentemente eleito, não se destaca pelo comprometimento com a resistência anti-imperialista e pró-palestina. Segundo parece, estava dificultando e atrasando a resposta militar do Irã a Israel. Teria sido o guia supremo Ali Khamenei que determinou diretamente o ataque a Israel, sem que ele fosse informado.

Mostrou o que pode fazer

Com o ataque de 1 de outubro, Benjamin Netanyahu ficou parado, sozinho, no meio da sala de baile, enquanto a orquestra mudava a música. Ao ser filmado, no seu bunker, esbravejando ameaças ao Irã, com a voz embargada e as mãos tremendo, registrou o seu isolamento e de seu governo, ainda que relativo e momentâneo.

A grande mídia imperialista procura neutralizar o duro golpe iraniano, noticiando que ele não matou ninguém nem destruiu nada de importante. A própria imprensa israelense noticiou, discretamente, em sentido contrário, que o Irã bombardeou as bases aéreas de Tal Nof, Hatzerim e de Nevatim, na periferia de Tel Aviv, mirando sobretudo nos alojamentos, edifícios administrativos e hangares de manutenção. Foram atacados, também, a sede do Mossad, uma estação marítima de extração de gás, alguns radares e concentração de blindados.

Direcionaram-se os mísseis com a preocupação em não matar ninguém ou destruir instalações vitais. O aiatolá Khomeini acaba de lembrar que muçulmanos fazem a guerra cuidando-se de não ferir e massacrar civil, como Israel. O ataque foi um tapa na cara, diante de um enorme auditório, que fez muito barulho, mas não deixou nenhuma ferida, apenas arranhando o rosto do desafiado.

O ataque destinava-se a mostrar, como proposto, em forma inequívoca, a capacidade de atingir, o que quisesse, quando quisesse, em Israel. Lançou-se a bola para o campo do imperialismo estadunidense, que tem se desdobrado, nos últimos tempos, em pedido quase desesperados de moderação para o Irã e Israel. E, se agora embarca no trem sionista, o faz por questões circunstanciais, e não estratégicas.

Mais uma guerra dura?

Este não parece ser o melhor momento para os Estados Unidos se envolverer em um combate duro no Oriente Médio, nascido de uma resposta desproporcionada e raivosa de Israel ao Irã. Ou participar mesmo indiretamente em um longo e duro confronto com o Hezbollah, no Líbano, que lhe exigirá, no mínimo, apoio material e econômico ao afilhado sionista, que grita muito, mas pode muito menos.

 O Hezbollah possui em torno de 120.000 soldados permanentes, reservistas, tropas auxiliares locais. E conta com o apoio de milícias menores de outras devoções. Seria necessária uma força de trezentos mil soldados para desalojá-los plenamente, com perdas enormes.

Estamos a um mês das eleições nos Estados Unidos, que determinarão fortemente o futuro não apenas da terra dos Pais Fundadores. Kamala Harris tem perdido o seu riso compulsivo ao passar seu tempo referindo-se à espinhosa guerra na Ucrânia, que vai de mal a pior, despencando; aos conflitos em Gaza, na Cisjordânia e, agora, no Líbano.

A candidatura democrata pediria paz, até as eleições. Porém, para alguns falcões ensandecidos, um ataque ianque-israelense duro ao Irã, semanas ou dias antes do pleito, pode inflar o patriotismo estadunidense, como sempre ocorre ao entrarem em uma guerra, não importa contra quem. O que favoreceria os democratas. Uma reflexão, como veremos, não de todo descabida.

Com que roupa eu vou?

Uma aposta perigosa, com Donald Trump, que não iniciou qualquer conflito quando presidente, com a boca no trombone, se propondo o “paladino da paz”, e acusando a democrata de “senhora da guerra”. Falando, não sem razão, que os democratas podem empurrar o mundo a uma guerra mundial.   Entretanto, vergando-se ao poderíssimo lobby judeu-israelense, ele tem apoiado sem restrições um ataque, agora, ao Irã.

O governo dos Estados Unidos não parecia desejar confronto direto de Israel com o Irã, e guerra prolongada no Líbano, ao menos agora, quando se encontra empantanados na Ucrânia, onde a vitória da Federação Russa sobre a ofensiva da Otan torna-se, cada vez, mais previsível. Washington parece desejar livrar-se desse conflito, sem as pesadas perdas que uma vitória de Moscou significaria, para se preparar a um confronto direto ou indireto com a China, definida por seus estrategas como seu inimigo existencial, já que lhe questiona a hegemonia mundial.

Uma China que vem penetrando fundo no Oriente Médio, agitando a bandeira da concórdia entra as nações, aproximando o Irã e a Arábia Saudita, apoiando o retorno da Síria à Liga Árabe, abençoando o ingresso da Arábia Saudita, do Egito, dos Emirados Árabes Unidos e do Irã no Brics, ao arrepio dos Estados Unidos, que vem essa sigla se transformar na nova OPEP, deixando na sombra o G7 e o G20.

Gargalo do mundo

Uma longa guerra no Líbano e, pior ainda, com o Irã, exigiria abastecimento de Israel e, eventualmente, das tropas estadunidenses envolvidas, com armamento e munições, tendencialmente esgotados na Ucrânia. Enquanto a China avança na construção, produção e armazenamenos de material bélico avançado. Um ataque direto, como ameaçam os sionistas, às infraestruturas petroleiras e instalações nucleares do Irã, seria respondido com destruição de pontos nodais e de tropas de Israel. Mais ainda, as forças armadas iranianas poderiam fechar o Estreito de Ormuz, por onde passa em torno de trinta por cento do abastecimento do consumo mundial do petróleo.

A interrupção, mesmo transitória, da navegação ao longo das costas do Irã causaria um aumento desenfreado do preço do ouro negro e, consequentemente, da gasolina e do óleo dísel. Aumentando os preços dos combustíveis e a inflação nos Estados Unidos. A Rússia já se pronunciou sobre a necessidade imperiosa de não tocar as instalações nucleares no Oriente Médio. E Israel possui uma usina nuclear, em expansão, exposta a ataques, no deserto de Negueve, na proximidade do mar Morto.

Vladimir Putin de cara feia

Tel Aviv e Moscou mantiveram relações cordiais, com instâncias de consulta e colaboração, mesmo quando da guerra na Síria. Os ataques ao Irã, na Síria, o genocídio praticado em Gaza, a ofensiva na Cisjordânia e a atual proposta de ofensiva contra o Líbano e ataque às instalações nucleares iranianas estão afastando e opondo Tel Aviv e Moscou.

A Federação Russa se encontra, na atual situação, envolvida na resposta ao ataque da Otan, sem condições de apoiar substancialmente o Irã, seu maior aliado no Oriente Médio, que lhe tem sustido no conflito, entregando-lhe mísseis balísticos e drones avançados.

Nesse novo contexto, por primeira vez, a Federação Russa teria abatido, recentemente, meia dúzia de mísseis sionistas lançados contra a Síria, sob a escusa de estarem se aproximando da sua base de Khomeini e do porto de Tarkus, em territórias da Síria, que ocupa por licença de Damasco.

Tempos de espera

O governo dos Estados Unidos não pressionou, em forma explicita, por uma resposta israelense comedida, após sugerir que ela se centrasse no Líbano, na Síria, no Iraque, sem atingir duramente os territórios nacionais iranianos. Uma réplica forte de Tel Aviv, com tréplica também de Teerã, poria os Estados Unidos no centro do conflito, com intervenção cada vez mais direta, como proposto.

Os estadunidenses já promovem ataques pesados, de braços dados com Israel, em associação sobretudo com os ingleses, contra os houthis iemenitas, que seguem pondo sob tensão a travessia do estreito de Bab Al-Mandab, por cargueiros pró-israelenses e pró-ocidentais, que se dirigem ao Canal de Suez.

Os russos têm ameaçado entregar armas de ponta para grupos que lutam contra estadunidenses e ingleses, logicamente com os técnicos necessários para accioná-las, caso a OTAN realize ataque em profundidade aos territórios da Federação, negando responsabilidade por serem lançados desde a Ucrânia. O que teria feito retroceder, até agora, aquela proposta em discussão na OTAN. Os houthis receberiam essas armas russas, caso já não tenham recebido.

Guerra sem fim

A invasão e ocupação do sul do País do Cedro, ao mesmo tempo que exerce o controle de Gaza e da Cisjordânia, exigiria que Israel mantenha, por meses, sob armas, talvez seiscentos mil soldados, com um número de baixas impossíveis de serem calculadas, mas certamente pesadíssima, sobretudo para uma população israelense dividida e esgotada por um ano de guerra e por um governo questionado por parte substancial da população.

Israel não tem sido feliz nas suas primeiras penetrações ditas exploratórias em território libanês. Até agora tem retrocedido em pequenos avanços ditos exploratórios, diante de emboscadas do Hezbollah. Já teria sofrido dezenas de baixas. No sul do Líbano, as tropas do “Partido de Deus” se dividem em dezenas de divisões de combate, formadas comumente por moradores locais, com total autonomia de ação.

Também no Líbano, o governo israelense está bombardeando duramente a população civil do sul do país e de Beirute, para impor o medo e o terror, procurando pressionar ela e o governo a se oporem à resistência. Mais de cem crianças libanesas já foram vitimadas pelos ataques aéreos, missilísticos e navais sionistas. O avanço israelense no sul se mostra quase como ação complementar à destruição do Líbano.

Abismo como saída

A arrogância genocida de Israel esconde o impasse em que se encontra. Nesse momento, após precisamente um ano de destruição de Gaza, é obrigado a retomar os ataques ao norte da Faixa, onde a resistência se reorganizou. Tem que manter tropas para sufocar a Cisjordânia. Iniciou conflito com as milícias do Hezbollah, em tudo superiores às do Hamas. E, em 1º. de outubro, sofreu represálias que comprovou a capacidade do Irã de atingir duramente seu território.

Israel não pode seguir mobilizando seus reservistas por mais um longo tempo, para terminar não alcançando, como ocorreu até agora, nenhum dos objetivos estratégicos que delimitou. A única tábua aparente da salvação do sionismo é envolver os Estados Unidos em um confronto com o Irã, lançando a região em um conflito geral, de desdobramentos difíceis de prever. E pode estar próximo conseguir o que pretende.

Um confronto duro com o Irã não faria parte da estratégia militar globalistas estadunidense, obrigada a gerir uma derrota histórica na Ucrânia e sem ter podido se ocupar, como gostaria, de seu inimigo estratégico, a China, que se rearma aceleradamente e segue avançando no cenário mundial manufatureiro, tecnológico, diplomático e financeiro.

Malhação do judas muçulmano

Certamente contra seus interesses estratégicos, o governo democrata já deu sinais positivos de participar na coordenação do ataque contra o Irã de Israel, que sugere pretender golpear as instalações nucleares iranianaz, motivando inevitáveis duras respostas. A decisão do governo Biden parece estar ligada, sobremaneira, às eleições.

Faltando menos de trinta dias das eleições presidenciais, a perder o impulso inicial da candidatura surpresa de Kamala Harris começa perder força. A vitória de Donald Trump volta a assombrar. Os resultados de qualquer ato tomado agora, após as eleições, deixam de ter importância, diante da necessidade imperiosa da vitória democrática para o grande capital globalizado.

Desde os últimos suspiros da década de 1970, nos Estados Unidos se procede uma campanha incessante de demonização do Estado e da nação iraniana. O estadunidense médio odeia às vísceras o Irã, comumente sem saber onde se encontra. Milhões juram que o ataque às Torres Gêmeas foi obra dos aiatolás, apesar de Bin Laden e a Al Qada serem de confissão sunita.

São as eleições, idiota!

Um arrasamento do Irã, associado a um inevitável tiroteio longo na região, até às portas das eleições, têm a possibilidade de galvanizar o patriotismo estadunidense automático, cerrando filas em torno de um Joe Biden visto, nos seus últimos estertores, como um líder duro e implacável. O que pode assegurar os votos que faltariam para a vitória de Kamala Harris. Uma operação que funcionou tradicionalmente, não apenas nos Estados Unidos.

O irônico, caso essa operação seja lançada, é que Donald Trump morreria literalmente pela boca. Ele tem pousado como o principal xupa-cabras do Irã, latindo sempre contra os aiatolás. Foi ele que ordenou o assassinato de Qassem Soleimani, um dos chefes da Guarda Revolucionária iraniana, no Iraque, em janeiro de 2020. A morte motivou resposta missilística iraniana contra bases dos Estados Unidos na região, como visto. Ele acaba de apoiar uma ação democrata enérgica contra o Irã.

Se Israel obter luz verde para lançar o Oriente Médio na fogueira, Donal Trump passaria as próximas semanas, em segundo plano, como “Papagaio de Pirata” de Biden e da candidatura Kamala Harris, aplaudindo uma verdadeira armadilha eleitoral em seu desfavor. O que manteria o Partido Democrata no poder, relançando sua política de guerra sem fim, sob a pantalha de uma presidenta chegada ninguém sabe de onde, que segue rindo dos massacres e genocídos apoiados e promovidos por sua administração.

*Mário Maestri é historiador. Autor, entre outros livros, de O despertar do dragão: nascimento e consolidação do imperialismo chinês (1949-2021) (FCM Editora).


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