Nova Canudos?

Imagem_Oto Vale
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CHRISTIAN LYNCH*

Com suas dezenas de milhares de mortos, a pandemia parece ser o novo Canudos do Exército brasileiro

Os romanos, quando queriam aludir à rapidez com que se ia da glória à miséria, falavam que fulano teria ido “do Capitólio à Rocha Tarpeia”. O Capitólio era centro de poder de Roma, de onde os deuses teriam criado a civilização. A rocha tarpeia ficava um pouco atrás, e era de lá que eram arremessados os condenados à morte.

A metáfora me vem à cabeça para pensar a rapidez com que as expectativas do público bolsonarista foram desmentidas desde a eleição do capitão há menos de dois anos. Desde a presidência Collor de Mello, nunca as expectativas eleitorais de um mandatário se esfarelaram tão rapidamente. Mas a desilusão dos próprios integrantes do poder não foi gerada só pela pandemia, mas pela miragem que os movia na sua fantasia antissistêmica.

Os radicais reacionários acreditavam que, no poder, promoveriam uma cruzada redentora da moral e dos bons costumes que levaria o Brasil de volta à idade do ouro. Os neoliberais achavam que, se desfazendo do Estado e dos servidores, produziriam crescimento econômico miraculoso. Os militares acreditavam que redimiriam o regime militar, revelando toda a sua capacidade administrativa e tirocínio político. No final, todavia, acabou tudo onde sempre acaba: no centrão.

O desalento dos reacionários radicais já é conhecido. Mas o que anda na pauta é o desalento do exército. Esperava-se que o governo Bolsonaro representasse a redenção do regime militar, ou seja, o triunfo público do patriotismo revelado pelas forças armadas teria salvo o Brasil do comunismo. Todas as habilidades dos militares – intelectuais, cívicas, logísticas, estratégicas- ficariam novamente em evidência. Mas não é isso que vem acontecendo, como se percebe da tensão em torno de sua associação com o alegado “genocídio” patrocinado pelo presidente Bolsonaro na pandemia.

No começo da República, como se sabe, os militares ocuparam a presidência nos primeiros quatro anos e depois resistiram a ceder lugar de volta aos civis. O fator decisivo para sua desmoralização e retirada foi o desastre de Canudos. Os radicais da época, que apoiavam os militares, tentaram emparedar o moderado Presidente Prudente de Morais, acusado de frouxo na repressão ao movimento. Prudente mandou os militares para lá, e ao invés de consagrar o exército, o desastre da campanha demonstrou suas insuficiências e liquidou suas veleidades políticas. Com suas dezenas de milhares de mortos, a pandemia parece ser o novo Canudos do Exército brasileiro.

*Christian Edward Cyril Lynch é pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa e professor de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ.

Publicado originalmente no portal Disparada [https://portaldisparada.com.br/politica-e-poder/pandemia-canudos-exercito-brasil/]

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Eleonora Albano João Paulo Ayub Fonseca Antonino Infranca Marcelo Guimarães Lima Marcos Aurélio da Silva João Sette Whitaker Ferreira Tales Ab'Sáber Francisco Pereira de Farias Mariarosaria Fabris Marilia Pacheco Fiorillo Atilio A. Boron Daniel Costa João Carlos Salles Rodrigo de Faria Érico Andrade Michael Löwy Eliziário Andrade Luiz Bernardo Pericás José Raimundo Trindade Luis Felipe Miguel Airton Paschoa Renato Dagnino João Lanari Bo Claudio Katz Luís Fernando Vitagliano Paulo Sérgio Pinheiro Vinício Carrilho Martinez Thomas Piketty Rubens Pinto Lyra Otaviano Helene Luiz Roberto Alves Marcos Silva Juarez Guimarães Sergio Amadeu da Silveira Benicio Viero Schmidt Luiz Eduardo Soares Bernardo Ricupero Celso Favaretto Ronald León Núñez Annateresa Fabris Mário Maestri Luiz Marques José Micaelson Lacerda Morais Ricardo Fabbrini André Singer Ricardo Abramovay Celso Frederico Eleutério F. S. Prado Alexandre Aragão de Albuquerque Dennis Oliveira Alexandre de Freitas Barbosa Luiz Renato Martins Ladislau Dowbor Luiz Werneck Vianna Slavoj Žižek Bruno Fabricio Alcebino da Silva Elias Jabbour Michael Roberts Chico Alencar Gabriel Cohn José Geraldo Couto Gilberto Maringoni Bento Prado Jr. Fábio Konder Comparato Leonardo Sacramento Osvaldo Coggiola Tadeu Valadares Dênis de Moraes Samuel Kilsztajn José Machado Moita Neto Daniel Afonso da Silva Gerson Almeida Walnice Nogueira Galvão Fernão Pessoa Ramos Ronaldo Tadeu de Souza Leda Maria Paulani Andrés del Río Ronald Rocha Denilson Cordeiro Armando Boito Flávio R. Kothe João Adolfo Hansen Paulo Fernandes Silveira João Feres Júnior Lucas Fiaschetti Estevez Antônio Sales Rios Neto Eugênio Bucci Vladimir Safatle José Costa Júnior José Luís Fiori Valerio Arcary Boaventura de Sousa Santos Priscila Figueiredo Tarso Genro Kátia Gerab Baggio Plínio de Arruda Sampaio Jr. Carla Teixeira Lorenzo Vitral Paulo Nogueira Batista Jr Maria Rita Kehl Andrew Korybko Matheus Silveira de Souza Jorge Luiz Souto Maior Marcelo Módolo Lincoln Secco Everaldo de Oliveira Andrade Jean Marc Von Der Weid Remy José Fontana Fernando Nogueira da Costa Berenice Bento Marcus Ianoni Afrânio Catani Ricardo Antunes Jean Pierre Chauvin Francisco de Oliveira Barros Júnior Paulo Martins Carlos Tautz Henry Burnett Flávio Aguiar Alexandre de Lima Castro Tranjan André Márcio Neves Soares Henri Acselrad Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Alysson Leandro Mascaro Manchetômetro Leonardo Boff Milton Pinheiro Bruno Machado Jorge Branco Luciano Nascimento Eugênio Trivinho Leonardo Avritzer Salem Nasser Yuri Martins-Fontes Eduardo Borges Julian Rodrigues Anselm Jappe Ricardo Musse Paulo Capel Narvai Francisco Fernandes Ladeira Antonio Martins José Dirceu João Carlos Loebens Valerio Arcary Ari Marcelo Solon Marjorie C. Marona Manuel Domingos Neto Chico Whitaker Daniel Brazil Liszt Vieira Caio Bugiato Rafael R. Ioris Marilena Chauí Vanderlei Tenório Gilberto Lopes Michel Goulart da Silva Heraldo Campos Luiz Carlos Bresser-Pereira Igor Felippe Santos Sandra Bitencourt

NOVAS PUBLICAÇÕES