O anjo hegeliano

Marco Buti, ATACAMACHAÇA
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ARI MARCELO SOLON*

Comentário sobre uma nova interpretação do conceito de Walter Benjamin, o “anjo da história”.

Angelo Nuovo. La Kabbalah racconta che Dio crea ad ogni istante un numero sterminato di nuovi angeli, tutti destinati soltanto a cantare per un attimo le sue lodi davanti al suo trono prima di dissolversi nel nulla. Il mio era stato interrotto in tale compito: i suoi tratti non avevano alcuna sembianza umana.” (Adelphi, Walter Benjamin e il suo angelo).

No dia primeiro de maio, no Neue Zürcher Zeitung, o professor Luca di Blasi, da Suiça, publicou um ensaio sobre o “anjo da história” de Benjamin, com duas revelações bombásticas. A primeira: o anjo da história representa a teologia, uma horizontalização da “teologia da cruz”, de Lutero. E a segunda: o anjo de Benjamin representa um re-teologização do que Hegel chama de “Verweilen beim Negativen“, no começo da Fenomenologia do espírito, ou seja, deter-se no negativo.

Vale dizer, escondido no Angelus Novus, o quadro de Klee (1920), está Martin Luther, “o Reformador”. O autor diz que quando Benjamin comprou há 100 anos o quadro de Klee, que se transformou na alegoria de sua filosofia da história (Sobre o conceito de história, tese nº. 9, de 1940), não sabia que sobre o quadro de Klee ocultava-se a figura de Martin Luther.

O que seria, portanto, a novidade do Angelus Novus? Há 100 anos, portanto, após a Primeira Guerra Mundial e na época da Pandemia espanhola, formulava-se a pergunta: “onde está Deus?”. Essa, segundo Luca, é a teologia da cruz de Luther. Na meditação acerca da cruz, o Deus oculto se revela e o crucificado se torna o messias, o Cristo, e a história do mundo chega a seu fim.

O que era teologia em Luther torna-se, no luterano Hegel, a exigência de se encarar o negativo: “Dieses Verweilen ist die Zauberkraft, die es in das Sein umkehrt“. Este deter-se é a força mágica que ocorre no ser. Para o autor, o anjo da história de Benjamin corresponde à teologia da cruz. As vítimas da história no lugar do crucificado e do negativo.

Benjamin usa o mesmo termo (verweilen) na 9ª tese, ele poderia deter-se, não acordar os mortos e ajuntar os batidos. Em Benjamin, porém, a história parece ser mais forte do que em Hegel, pois a tempestade que nós chamamos “progresso” nos leva para o futuro, e o anjo vira as costas ao passado.

Benjamin, ao reteologizar o conceito de negação dialética hegeliano-marxista acentua um pessimismo em relação às vítimas da história que não se encontram no otimismo originário. Nesse sentido, a figura oculta de Luther parece ser inspiradora, o “luterus absconditus“.

Algumas questões o autor, com sua erudição, com certeza poderia acrescentar a esse brilhante ensaio: qual a relação entre o “verweilen” de Goethe e o deter-se de Hegel, ambos coexistentes e que surgiram na mesma época?

No ensaio de 1933, “Agesilaus Santander”, o próprio Benjamin dá uma interpretação mística do anjo da história. Na Kabbalah, diz ele, anjos são criados de modo efêmero, apenas para entoar hinos durante a labuta diária no templo, e quando terminam de entoar a música, morrem. Ou seja, anjos são “anjos da destruição”. Como Benjamin diz em relação a seu nome, “quando nasci sob o signo de Saturno [o planeta da melancolia], dois anjos foram mandados: um homem e uma mulher.” Agesilaus Santander, anagrama de Angelus Satanás, a disputa entre o diabo e Lilith.

O tema do deter-se também é objeto de um ensaio de Konrad Burdach sobre Fausto e Moisés, em que se refere à cura de Moisés antes de sua morte, que está na Epístola de Judas. Martin Heidegger cita Burdach em Sein und zeit, mas não consegue elaborar o tema da cura a partir dessas raízes angeológicas bíblicas, afinal, Martin Heidegger não era Martin Luther, que conhecia o “Hashem-Ameforash” (o nome inefável de Deus).

*Ari Marcelo Solon é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prismas).

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
João Sette Whitaker Ferreira José Costa Júnior Benicio Viero Schmidt Rubens Pinto Lyra Carlos Tautz Bernardo Ricupero Antônio Sales Rios Neto Elias Jabbour Eugênio Bucci Chico Alencar Érico Andrade Caio Bugiato João Lanari Bo João Feres Júnior Daniel Brazil João Carlos Salles Marcus Ianoni Berenice Bento Thomas Piketty Armando Boito Ari Marcelo Solon Yuri Martins-Fontes Milton Pinheiro José Dirceu Priscila Figueiredo Gerson Almeida Michael Roberts Henri Acselrad Jorge Luiz Souto Maior Bento Prado Jr. Bruno Machado Juarez Guimarães Dênis de Moraes Marcelo Guimarães Lima Gabriel Cohn Salem Nasser Marjorie C. Marona Samuel Kilsztajn Walnice Nogueira Galvão Kátia Gerab Baggio Jorge Branco Luiz Roberto Alves Osvaldo Coggiola Leonardo Sacramento Rafael R. Ioris Ronaldo Tadeu de Souza Everaldo de Oliveira Andrade Tadeu Valadares Marilia Pacheco Fiorillo Leonardo Avritzer Igor Felippe Santos Rodrigo de Faria Valerio Arcary Mariarosaria Fabris Luiz Eduardo Soares Ricardo Musse Vanderlei Tenório Henry Burnett Lorenzo Vitral Dennis Oliveira Luiz Carlos Bresser-Pereira Luciano Nascimento José Geraldo Couto Eleonora Albano Gilberto Lopes João Adolfo Hansen Matheus Silveira de Souza Francisco Fernandes Ladeira Atilio A. Boron Sergio Amadeu da Silveira Paulo Nogueira Batista Jr Leda Maria Paulani Michael Löwy Lucas Fiaschetti Estevez Celso Frederico José Machado Moita Neto José Raimundo Trindade Vinício Carrilho Martinez Luís Fernando Vitagliano Anselm Jappe Daniel Afonso da Silva José Micaelson Lacerda Morais Tarso Genro Heraldo Campos Flávio Aguiar Luiz Werneck Vianna Francisco Pereira de Farias Paulo Fernandes Silveira Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gilberto Maringoni Julian Rodrigues Ronald León Núñez Mário Maestri Slavoj Žižek Liszt Vieira Alexandre de Lima Castro Tranjan Marcelo Módolo Marilena Chauí José Luís Fiori Renato Dagnino Boaventura de Sousa Santos Marcos Aurélio da Silva Claudio Katz Remy José Fontana Jean Pierre Chauvin Airton Paschoa Maria Rita Kehl Ricardo Antunes Ronald Rocha Jean Marc Von Der Weid Eliziário Andrade Eduardo Borges Marcos Silva Luiz Renato Martins Manchetômetro João Paulo Ayub Fonseca Valerio Arcary Ladislau Dowbor Carla Teixeira Manuel Domingos Neto Luiz Bernardo Pericás Denilson Cordeiro Annateresa Fabris Vladimir Safatle Celso Favaretto Luiz Marques Andrew Korybko Ricardo Abramovay Sandra Bitencourt Fernando Nogueira da Costa Lincoln Secco Alexandre Aragão de Albuquerque Eleutério F. S. Prado Paulo Capel Narvai Paulo Sérgio Pinheiro Francisco de Oliveira Barros Júnior Andrés del Río Leonardo Boff Luis Felipe Miguel Eugênio Trivinho Otaviano Helene Bruno Fabricio Alcebino da Silva Alexandre de Freitas Barbosa Tales Ab'Sáber Flávio R. Kothe Alexandre de Oliveira Torres Carrasco João Carlos Loebens Fábio Konder Comparato André Singer Afrânio Catani Paulo Martins Antonio Martins Fernão Pessoa Ramos Alysson Leandro Mascaro Daniel Costa Ricardo Fabbrini Michel Goulart da Silva Chico Whitaker Antonino Infranca André Márcio Neves Soares

NOVAS PUBLICAÇÕES