O golpe do empréstimo consignado da Caixa

Magnus Thierfelder Tzotzis, 2019, Instalação com água
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Por CHICO WHITAKER*

Este golpe vai deixar muita gente desesperada com a dívida que dele resultará, quando pararem de receber o Auxílio Brasil

Estamos todos quase acostumados, no Brasil, a nos defender de centenas de modalidades de pequenos e grandes golpes – pela internet ou sequestrados para esvaziar nossas contas num terminal bancário. É um processo de invenção continua, por espertinhos e grandes espertalhões organizados, às vezes com técnicas extremamente sofisticadas, de novas modalidades para tirar dinheiro dos incautos, a cada dia que passa. Somos continuamente surpreendidos por pedidos de atenção com novos golpes – quem não recebe avisos da polícia e até de bancos, e não desconfia que também esses avisos são novos golpes? Não é, portanto, de estranhar que de repente tenha tomado forma um tremendo golpe dado pelo próprio governo!

Falando então com as vítimas do espertalhão-mor de nosso país: quem avisa amigo é. Muita gente nos diz que este golpe vai deixar muita gente desesperada com a dívida que dele resultará, quando pararem de receber o Auxílio Brasil. Mas dizem também que o objetivo do Presidente e seus cúmplices neste golpe é vergonhosamente imediato: fazer com que os que se considerem beneficiados tenham a gratidão de reeleger, dia 30 de outubro, o atual Presidente da República. Se tiver resultado, terá sido o mais gigantesco estelionato eleitoral que já vimos por aqui!

Muitos seguramente receberam com alegria a notícia da concessão, pela Caixa Econômica Federal, de “empréstimo consignado” aos beneficiados pelo Auxilio Brasil – aliás também impunemente antecipado. Segundo a Caixa, o aplicativo para recebê-lo teve entre os dias 11 e 20 de outubro 206 milhões de acessos! Ela teve até que suspendê-los no dia 21, “para manutenção do sistema”, totalmente afogado… E também porque naturalmente, em terra de golpes, um chama outro, e começaram a se multiplicar as reclamações pela cobrança de taxas não esperadas e vendas casadas.

Quem entrou nas filas que se formaram certamente ficou feliz com a perspectiva de receber dinheiro (até 2.582 reais!), para saldar dívidas, comprar coisas que esperavam a vez, e até a comida que já estava faltando. Mas parece que nem todos perceberam que não se tratava de um auxilio sem contrapartida, mas de um empréstimo, que poderá ser de até 3.840 reais. Ou seja, algo pesado a reembolsar. Pelo que terão pago para quitá-lo (em 24 parcelas de 15 a 160 reais), também 1.259 de juros. Tudo com um pequeno detalhe: essas parcelas serão descontadas automaticamente do Auxílio Brasil. Mas a distribuição deste auxílio está previsto de agosto a dezembro deste ano. Isto é, depois, sem esse auxílio a partir de janeiro de 2023, a quitação deverá sair, evidentemente, do bolso do “beneficiado” (dados da Folha de São Paulo de 22/10/2022).

Será que estamos todos no Brasil tão carentes da capacidade de indignação – dos que estão assim claramente vitimados por essa “operação eleitoral” ainda em curso aos que se pretendem acima de sofrimentos como o desemprego e a fome, e se ocupam com a necessária defesa da democracia – que já não somos capazes de denunciar esse golpe a todo o país e votar em massa dia 30 de outubro contra a continuidade no poder de uma verdadeira quadrilha?

Sem precisar ir tão fundo como condenar o atual Presidente e seus comparsas pela política de mentira, violência, morte e ódio que instauraram em nossa terra (que neste último domingo foi claramente demonstrada por um de seus asseclas mais furiosos), será que não vemos mais como punir pelo menos pelo voto os crimes do Presidente frente à pandemia, ou a multiplicação de golpes de toda a sua família como ao acumular dinheiro para comprar 150 imóveis? Será que nos deixamos dominar pela banalização do inaceitável, e já não temos força para gritar um estrondoso Basta!

*Chico Whitaker é arquiteto e ativista social. Foi vereador em São Paulo. Atualmente é consultor da Comissão Brasileira Justiça e Paz.

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