Por JESÚS GONZÁLEZ PAZOS*
Chorar pela Palestina é o que o mundo deveria fazer até que as lágrimas cresçam tanto que afoguem os assassinos e os seus cúmplices, os genocidas diretos e indiretos
A situação na Palestina foi analisada de quase todos os pontos de vista possíveis; alguns por consciência e seriedade, a maioria por cumplicidade e estupidez. Portanto, não se pretende aqui uma nova análise política aprofundada para convencer quem não quer ser convencido. Afinal, os posicionamentos estão bem definidos. E entre eles, cada vez mais pessoas no mundo, digam o que digam as pretensas análises, ou o que falem a mídia e os governantes, concluímos que o que está acontecendo na Palestina é um genocídio inegável por parte do sionismo israelense. Que, aliás, há que se repetir mil vezes, é uma doutrina supremacista, racista e de extrema direita. Assim todos saberão o que defendem e justificam.
Contudo, para além de olharmos para a dureza da situação a partir da geopolítica internacional, simplesmente choramos e gritamos pela Palestina. São milhares de pessoas assassinadas, feridas, famintas, órfãs, sem abrigo, vagando pelo maior campo de concentração que a humanidade já viu, simplesmente esperando o momento em que cairá a bomba que lhes tirará a vida. Desde os primeiros dias ouvimos declarações de famílias em que a sua grande preocupação não era como sair daquele inferno.
Entenderam que não era possível, que todas as rotas de fuga estavam fechadas e que tinham sido abandonadas pela chamada “comunidade internacional”. Por isso a dúvida deles era se deviam ficar juntos e morrer de uma vez, ou tentar passar os dias espalhados por aquele campo de concentração na ilusão de que a bomba levaria embora uma parte da família, mas a outra sobreviveria.
Podemos pensar mil vezes nessa decisão e estaremos errados mil vezes, e nem uma vez conseguiremos nos colocar no lugar deles. Nunca conseguiremos compreender o que pode sentir uma mãe ou um pai nessa situação, que deve tomar essa decisão: morrer juntos ou dispersar para que, talvez, alguém da família possa sobreviver alguns dias mais.
Em Gaza, os sionistas brincam com os palestinos, fazendo-os fugir das suas casas, obrigando-os a se deslocarem alguns quilômetros para sul, para que mantenham a esperança de que é assim que viverão. Ao mesmo tempo, estão destruindo tudo, estreitando o cerco, enquanto se mantêm na incerteza de tomar aquela decisão: juntos ou dispersos. E faz você se odiar quando a decisão foi se dispersar e você descobrir que aquela parte da família que não estava com você não sobreviveu ao último bombardeio. E agora, você é o único que vagueia de escombros em escombros aguardando, até mesmo desejando, que oxalá uma nova bomba ou tiro chegue em breve para que, de acordo com suas crenças, você possa se reunir com aqueles que foram anteriormente assassinados.
Chorar pela Palestina é o que o mundo deveria fazer até que as lágrimas cresçam tanto que afoguem os assassinos e os seus cúmplices, os genocidas diretos e indiretos. Porque o outro lado desta mesma moeda é o dos governantes norte-americanos e europeus (a autoproclamada comunidade internacional) que não só olham para o outro lado ante o sofrimento do povo palestino, mas também o encorajam. Continuam a vender as suas armas (maldito negócio!), seguem comprando os produtos israelenses, continuam a partilhar a mesma mesa em festas de gala, festivais e competições; continuam a dizer que Israel tem o direito de matar dezenas de milhares de palestinos com absoluta impunidade, como se aplaudissem o rótulo que o sionismo lhes deu de subumanos e, portanto, sem direitos.
Falarão sobre justiça e direito de defesa; eles irão nos contar, uma vez mais, sobre o sofrimento do povo judeu há oitenta anos, ignorando o sofrimento dos palestinos hoje e durante os últimos 75 anos. São os mesmos governantes que um dia se tornaram defensores do mundo livre e dos direitos humanos. São os mesmos que condenaram outros por violarem repetidamente os direitos humanos e hoje os descobrimos como os hipócritas que quase sempre intuímos que poderiam ser.
Eles pisoteiam os direitos dos homens e mulheres da Palestina e encorajam Israel a continuar com a sua carnificina particular. Mesmo que alguém se atreva a levar este país aos tribunais internacionais de justiça, rapidamente saem em sua defesa e argumentam e contra-argumentam contra a acusação de genocídio. O mesmo que o mundo vê na televisão e sobre o qual já não tem dúvidas: tentar aniquilar um povo inteiro e consegui-lo com o assassinato de várias dezenas de milhares é genocídio, quer diga ou não o tribunal internacional de justiça ou os livros sagrados de todas as religiões. Pouco importa o que os homens escreveram; é simples questão de bom senso, é simples questão de humanidade.
E no auge da hipocrisia, embora não considerem que existam argumentos suficientes sobre o genocídio que o mundo vê e mantenham o seu apoio militar, diplomático e de propaganda a favor de Israel, suspendem fundos à UNRWA para que esta organização humanitária deixe de cobrir necessidades básicas mínimas da população refugiada palestina. E nos vendem a história israelense de o motivo ser o de que entre 30 mil trabalhadores desta organização internacional, dez ou doze participaram nos ataques de 7 de outubro. Mesmo que isso fosse verdade, seria motivo para suspender toda a ajuda, que, aliás, era uma ninharia, a dois milhões de pessoas? Então, o que deveria ser feito diante das evidências do caráter criminoso de guerra e do perfil de toda a liderança do comando político e militar sionista.
Confrontados com esta realidade brutal, alguns tratam de mostrar-se como governantes sensíveis ao sofrimento do povo palestino e falam periodicamente da solução de dois Estados. O problema é que um deles, o israelense, é reconhecido, endossado e apoiado por esses mesmos governantes desde 1948. Entretanto, o outro, o palestino, tem vindo a perder o seu território desde essa mesma data até ser hoje quase inviável. Agora, os governantes europeus e norte-americanos continuam a inundar o debate e a arrastar os pés na direção dessa solução. Parece que esperam que o povo palestino seja aniquilado para se livrar do problema.
Chorar pela Palestina é o que o mundo deveria fazer até que as lágrimas cresçam tanto que afoguem os assassinos e os seus cúmplices, os genocidas diretos e indiretos.
*Jesús Gonzáles Pazos é antropólogo. Autor de Medios de comunicación: al servicio de quién? (Icaria editorial)
Tradução: Ricardo Kobayaski.
Publicado originalmente no portal El Salto.
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