Quanto custa um aquífero contaminado?

Imagem: Josh Marks
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Por HERALDO CAMPOS*

Um país que tenha suprimento seguro de água deve cuidar de suas reservas com tanta atenção quanto aqueles que sofreram conflitos devido à falta desse recurso

As águas subterrâneas são consideradas bens de domínio público dos Estados da Federação por força do Artigo 26, Inciso I, da Constituição Federal e compete aos Estados a sua gestão.

Nesse contexto, para colaborar nos procedimentos de gestão das águas subterrâneas, principalmente no tocante a sua contaminação pelas atividades humanas, este artigo propõe uma formulação para a valoração do dano ambiental de um aquífero contaminado. Essa formulação contemplaria os valores das técnicas de remediação do reservatório subterrâneo e os valores da sua não utilização temporária, por causa da qualidade e quantidade (volumes) da água perdida/comprometida (não utilizada) ao longo do tempo.

Assim, a formulação aqui proposta seria VD = VR + VP + VIN, devendo ser considerada como uma iniciativa para solucionar o problema da valoração do dano de um aquífero contaminado ou de uma porção dele, podendo sofrer ajustes e refinamentos quando aplicada num caso real.

Dessa maneira, para se tentar dar uma resposta teórica para a valoração do dano ambiental de um aquífero contaminado, a formulação VD = VR + VP + VIN deveria conter os seguintes termos:

VD = valor do dano ambiental do aquífero ou de uma porção dele;

VR = valor (custo) da restauração do aquífero ou de uma porção dele, onde estariam contabilizados os custos com estudos hidrogeológicos, estudos de contaminação, sondagens, geofísica, remediação, amostragens e análises de água, monitoramento, modelação conceitual e modelação matemática;

VP = valor (custo) da “perda” temporária do uso do aquífero ou de uma porção dele, onde estariam contabilizados os custos com poços que poderiam ter sido construídos, tempo de bombeamento, lista declaratória de perdas das funções e serviços ecossistêmicos perdidos (custos), custos de substituição de fonte de abastecimento, custos de cancelamento de instalação de indústrias, etc., e custos da água que deixou de ser extraída e VIN = valor de indenização ou compensação do aquífero ou porção dele perdido, de acordo com o uso da água e/ou do comprometimento dos serviços ecossistêmicos do reservatório subterrâneo.

Mas afinal, quanto custa um aquífero contaminado? Mesmo que essa pergunta seja, aparentemente, de difícil resposta, entende-se que, como primeiro passo, se por acaso ocorra um acidente qualquer que possa comprometer um aquífero, a partir dessa formulação proposta, a sua contaminação poderia ser mais fácil de ser investigada e, consequentemente, valorizada. Além disso, poderia, também, materializar um valor pelo dano causado e que deve ser pago pelos seus responsáveis diretos, cabendo a esses autores do dano ambiental, ao final do processo, a restauração por completa do reservatório subterrâneo comprometido.

“A noção de abundância da água subterrânea é comum entre a população, assim como a ideia equivocada de que tais águas circulam livremente, como se fossem ‘rios’ sob o chão. Mesmo levando o grande volume armazenado nos aquíferos, é polêmico afirmar que a água de boa qualidade nunca vai acabar. A qualidade desse recurso é um fator relevante, até porque águas contaminadas por substâncias químicas ou microrganismos podem provocar algumas doenças ou transmitir outras (cólera, esquistossomose etc.) e trazer prejuízos aos ambientes naturais onde circulam.

Um país que tenha suprimento seguro de água deve cuidar de suas reservas com tanta atenção quanto aqueles que sofreram conflitos devido à falta desse recurso. Deve-se sempre combater o desperdício de água, além de proteger os aquíferos e preservar a sua qualidade. […].

O cuidado com essas reservas deve ser constante. Por ser um recurso estratégico, o uso da água doce desperta polêmicas apaixonadas, como no caso da privatização dos serviços públicos (cidades como Paris adotaram o caminho inverso – da ‘desprivatização’ – para que os serviços de água retornem ao controle público), do projeto de águas do São Francisco, no Nordeste, ou mesmo da proposta de usar o gigantesco aquífero Guarani para abastecer a cidade de São Paulo. […].

A explicação para a crise, segundo muito estudiosos, está no aumento da população humana, em práticas ambientalmente inadequadas e no estilo de vida atual. Embora a tecnologia tenha expandido a capacidade humana de captar água para seu consumo, a disponibilidade relativa tornou-se crítica, devido a vários fatores. O aumento da população mundial estimula a produção agrícola e industrial, elevando a demanda, e impõe uma crescente ocupação das terras, afetando os mananciais. Os padrões de consumo excessivo ampliaram quase de modo ilimitado a demanda. Finalmente, o lançamento de resíduos industriais e domésticos, sem controle, em águas correntes, contamina as reservas e dificulta seu aproveitamento.” [1]

Para concluir, nesses tempos difíceis que vivemos, sob a batuta de um governo federal autoritário e de extrema direita como o atual, as coisas não são nada fáceis para a população no seu dia a dia. Entretanto, não devemos desanimar e esquecer que “Somos responsáveis por aquilo que fazemos, o que não fazemos e o que impedimos de fazer.”, como bem lembrou nessa frase o filósofo franco-argelino Albert Camus. Em outras palavras, um dia a conta chega para os detentores do poder e os detonadores do meio ambiente e ela virá, sem sombra de dúvida, com juros e correção monetária.

*Heraldo Campos, geólogo, é pós-doutorado pelo Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos-USP.

Nota


[1] Carneiro, C. D. R.; Campos, H. C. N. S.; Mendonça, J. L. G. Rios subterrâneos: mito ou realidade? Ciência Hoje, Rio de Janeiro (RJ), vol. 43, nº 253, p. 18 – 25, outubro de 2008.

 

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