Por LUÍS FERNANDO VITAGLIANO*
Acordo político é quando se está na arena da política. Não existe acordo político com a ilegalidade e o terrorismo
Três palavras importantes precisam ser aplicadas no caso de Brasília no 08 de janeiro. Apuração, responsabilização e punição. Não são atos políticos. São atos de ruptura da política. Saiu a negociação e entrou a guerra. Para a ruptura democrática as leis, assim como a forma de atuação são especificas.
Como a atual oposição bolsonarista não venceu pelas regras do jogo, quer vencer pela força. Isso é uma clara ruptura do processo democrático e não cabe mais nenhuma mediação política ao caso. Daqui pra frente é caso que deve ser tratado na esfera do direito penal e não na mediação da política. Por isso, não cabe mediação pelo Congresso Nacional; que também foi vítima das ações e pode acionar a justiça contra os agressores – inclusive contra os agressores que são também políticos, mas que deixaram a política de lado para usar a ilegalidade.
Por parte do governo, cabe agir dentro das ferramentas que a legalidade lhe confere. E são muitas. Para isso temos a constituição, as leis estaduais e nacionais, os códigos, e a própria lei antiterrorista. Não deveria descartar nenhuma assim como a avaliação dos atos não deveria ser política. Agir dentro da legalidade constitucional sim, mas não politicamente, mas juridicamente.
Acordo político é quando se está na arena da política. Não existe acordo político com a ilegalidade e o terrorismo.
O que de fato aconteceu em Brasília não pode ser tratado pelo Congresso, isso é um crime contra a segurança nacional e devemos incluir nisso autoridades que demostram e têm demonstrado insubordinação ao Estado democrático de direito. Sem acordos, sem mediação e sem tolerância.
Nada de aceitar desculpas, acordos ou composições. Aplica-se a lei. Não sejamos ingênuos: sem exonerações e penas jurídicas, nada vai mudar. Pelo contrário, a escalada antidemocrática tende a aumentar com impunidade. Dentro das regras e das atribuições das autoridades, tudo pode ser devidamente apurado e punido. Portanto, precisa ser decidido provocar o judiciário, buscar as instituições responsáveis, cobrar responsáveis e manter-se atento aos desvios de conduta de autoridades públicas.
A respeito dos funcionários públicos envolvidos, cabe responsabilização do poder executivo, quando está subordinado a suas estruturas. Nas redes sociais existe, por exemplo, um capitão do exército tirando foto com a esposa na frente da esplanada em crime flagrante. Não há mediação possível a tal postura de um funcionário público.
Fato concreto. Brasília sofreu um ataque a democracia. Com a participação do governador do Distrito Federal, que deve ser acionado pela responsabilidade por crime contra a segurança nacional. Ele não é ingênuo. Não é incompetente. É parte do processo. Colocou todos os três poderes em risco: as sedes do legislativo, executivo e judiciário com as autoridades máximas do país foram colocadas em risco.
O governo federal então deve ter um olhar para dentro e um olhar para fora. Quando está subordinado ao cumprimento das suas atribuições, cabe exigir que funcionário públicos que cometeram crimes sejam tratados como criminosos e exonerados. Quando couber, acionar externamente outros servidores e autoridades sem mediações. Aquilo que não compete ao governo federal, ele mesmo deve acionar medidas que possam certificar sua segurança via Judiciário. A Câmara dos deputados pode fazer o mesmo. Mas, que fique claro que isso não é um processo de negociação política entre legislativo e executivo. Ambos sofreram um golpe que fracassou e devem buscar a punição dos responsáveis para que não volte a acontecer.
Obviamente, existe muita gente disposta a ideologizar o processo e o processo é complexo porque também temos àqueles que vão querer tumultuar; como foi o caso do juiz plantonista Wauner Batista Ferreira Machado, que autorizou o retorno das barracas na frente dos quartéis do exército em Belo Horizonte (numa nítida ação de insubordinação e desafio ao STF). Esse servidor público precisa ser acionado para que se defenda juridicamente na responsabilização da sua ação na gravidade do seu ato.
O governo do DF teve tempo suficiente para prender a grande maioria dos presentes. Mas, como vão ser enquadrados os terroristas presos? A polícia do DF vai indiciá-los como? Vandalismo? Pois que se nacionalize a questão e que sejam enquadrados na lei antiterrorista. Vamos esperar mais uma conivência da política para atuar e permitir a impunidade aos aliados do golpismo?
A situação é tão grave que podemos considerar que parte desses atos é indiretamente financiada dentro do próprio governo, na medida em que ocupantes de cargos públicos querem sabotar o resultado das urnas.
Nada de aposentadoria compulsória. Nada de afastamentos de cargos. Ou os responsáveis são tratados com o rigor necessário, sem passar pano ou aliviar, ou a escalada dos perdedores vai impossibilitar o governo democraticamente eleito. A federalização do caso e a ação da legislação sobre segurança nacional com apoio da lei antiterrorista e não a mediação política deve subsidiar as ações de governo a partir de agora. Isso implica em exonerações, afastamentos e perda de cargos. Os elos devem ser buscados e qualquer um que esteja envolvido com o processo deve ser acionado pelo governo Federal.
Sabemos que as sindicâncias internas acabam por amenizar em favor do corporativismo. Processos administrativos internos devem ser trazidos para a e esfera da segurança nacional porque é disso que o caso trata. Em plena sexta feira, em São Paulo, na Avenida Paulista e adjacências, bolsonaristas em carreata – não muito mais que uma centena – estava escoltada pela polícia militar que parava o trânsito para que eles pudessem fazer seu ato, que era um misto de molecagem com demonstração de força. Não é possível dizer que toda a PM de São Paulo é conivente com isso. Mas, a ordem de escolta surgiu de algum lugar. O deslocamento do efetivo foi ordenado por algum oficial. A disposição de carros e motos não foi ato disperso do efetivo. Esses funcionários cancerígenos à democracia devem ser encontrados e responsabilizados. Ou paramos com a hipocrisia e o deixa disso, ou isso pode se agravar.
A resposta à crise deve, em primeiro lugar, exigir a responsabilização do governador do Estado. O discurso de que as manifestações pacíficas e democráticas azedou – não cabe mais. O movimento deu claro sinal de golpismo e ruptura institucional. Qualquer ato que confabule com isso, daqui pra frente é ação de adesão ao golpe.
Veja por contraste, um fato relevante que as instituições foram firmes no cumprimento da lei. Quando foi expedido o mandado de prisão de Lula em 2018 era próximo das 18h de uma sexta feira. Cirúrgico para que as formas de reação ficaram escanteadas pelo fim de semana. Lula que foi para o sindicato dos metalúrgicos aguardava as negociações para cumprir o mandato. Prontamente, as tropas da polícia militar juntamente com o choque se deslocaram para a região. O então governador de São Paulo, Márcio França, não se sensibilizou com o cordão humano de mais de 30 mil pessoas que defendia o local. E ameaçou usar o Batalhão de Choque para fazer valer a vontade daquelas pessoas em impedir a prisão de Lula. Márcio França deixou muito claro que a ordem seria cumprida.
Não se trata exclusivamente do terrorismo do 08 de janeiro. É o conjunto da obra que tem Brasília como foco. Para quem não aceita o Estado democrático de direito, cumpra-se a lei e quem não consegue fazer cumprir a lei não deve exercer cargo público.
A operacionalização, por incrível que possa parecer, é simples desde que a decisão de usar todos os elementos legais disponíveis sem mediação política seja tomada. Com uma planilha de Excel de três colunas é possível dimensionar e acompanhar o problema. Coluna 01: Onde está concentrado o grupo terrorista? Que autoridade civil ou militar é responsável por desmobilizá-lo? Qual seu prazo? – Acompanhar o resultado fica simples: Cumpriu o prazo? Permanece no cargo. Não cumpriu o prazo? Troca o comando. Não é muito difícil que isso seja mapeado e responsabilizado.
No Brasil, geralmente o deixa disso é aliado da impunidade naqueles que são corporativistas. Isso porque, além daqueles que invadiram e aterrorizaram as instituições na praça três poder, existem casos de omissão e de insubordinação em várias ocasiões que já extrapolaram todos os limites democráticos. O país precisa virar essa página e essas pessoas que estão em crise com a democracia devem deixar seu cargo público – por bem ou pela força da lei.
A respeito da pergunta que dá título a esse artigo. Como cidadão que cumpre as regras sociais estabelecidas pelo estado de direito nesse país, quero ver respondida nos próximos dias. Do governo federal, exijo que não seja feito nenhum acordo ou leniência. Que o judiciário seja capaz de julgar e punir os responsáveis, pois esse não é uma situação que cabe a político, é um caso de um fato concreto de violação da norma e de ruptura democrática em que funcionários públicos estão estimulando e até mesmo participando. E que o Brasil possa seguir com desafios e problemas novos para caminhar.
*Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário.
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