Raça, classe e Revolução

Imagem: Vasco Prado
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por SEAN PURDY*

Comentário acerca do livro recém-lançado, coletânea sobre “a luta pelo Poder Popular nos Estados Unidos”.

Essa coleção de textos de revolucionários norte-americanos dos anos 1960-1970 sobre raça, classe e revolução, organizada por Jones Manoel e Gabriel Landi, faz uma importante contribuição à História dos Estados Unidos no Brasil. Traduz para português e reúne numerosos artigos do jornal dos Panteras Negras, O Pantera Negra, um artigo recente sobre a Coalizão Arco-Íris (uma aliança entre os Panteras, os movimento latinos e trabalhadores brancos), seis contribuições do movimento chicano e porto-riquenho, três documentos do movimento de americanos asiáticos, um panfleto, artigo e recente entrevista sobre os Jovens Patriotas (militantes trabalhadores brancos) e dois textos do movimento indígena. Fornece um bom panorama das posições dos diversos movimentos da época em relação às questões de raça e classe. As notas de rodapé explicam termos, pessoas e eventos desconhecidos para leitores brasileiros. O livro será bastante útil para militantes da esquerda e professores de História dos Estados Unidos no Brasil.

O que deixa a desejar na coleção é o enorme prefácio de 70 páginas de Manoel e Landi. O que se espera numa apresentação de uma coleção desse tipo é uma introdução aos textos, os situando no contexto da época e na literatura existente sobre esses movimentos. Afinal, já existe uma literatura muito ampla, especialmente sobre a luta negra, que discute as origens desses movimentos, suas ideias, debates na esquerda, discussões internas e os problemas que enfrentaram.

Porém, ao invés disso, os organizadores ficam fixados em seus projetos políticos atuais, especialmente os debates em torno do liberalismo e a crítica de Hannah Arendt por Domenico Losurdo. Esse assunto pode até ser discutido – Arendt escreveu uns textos racistas sobre negros nos Estados Unidos –, mas isto acaba dominando o texto. Há 19 citações de Losurdo e 25 de Arendt nas notas de rodapé no prefácio, mas só seis de W.E.B. Du Bois e uma de Angela Davis sem falar da ausência total de especialistas sobre o período e os movimentos como Manning Marable, Peniel Joseph, Joshua Bloom, Waldo E. Martin Jr., Ahmed Shawki e Keeanga-Yamahtta Taylor, para mencionar só alguns estudiosos. O que pauta a historiografia desses movimentos sociais na década de 1960 nos Estados Unidos não é o liberalismo de Hannah Arendt, mas questões mais amplas sobre marxismo, economia política, estratégia e tática nos movimentos e a esquerda como um todo – questões que os autores acima tratam em detalhe.

Interessantemente, também não há textos da League of Revolutionary Black Workers, uma organização independente de base entre trabalhadores negros das fábricas automobilísticas de Detroit que organizou várias greves bem sucedidas em 1968-1969. Além da influência do chamado marxismo-leninismo (maoismo e comunismo stalinista) na League, houve também na organização correntes de pensamento do Pan-Africanismo de CLR James e do marxismo humanista de Raya Dunayevskaya, Grace Lee Boggs e James Boggs (todos moradores de Detroit).

Finalmente, não há nenhuma referência aos estudos e traduções para português já feitos nos últimos anos por brasileiros sobre esses movimentos.

Combinado com uma leitura mais ampla de fontes secundárias, porém, essa coleção é mais que bem-vinda. Isto é particularmente importante no momento atual como surgimento de Black Lives Matter nos Estados Unidos e a atuação central de movimentos antirracistas e sociais no Brasil.

*Sean Purdy é professor de história dos Estados Unidos no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).

Referência


Jones Manoel e Gabriel Landi (orgs.) Raça, Classe e Revolução: A Luta pelo Poder Popular nos Estados Unidos. São Paulo, Autonomia Literária, 2020.

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
Ideologias mobilizadoras
Por PERRY ANDERSON: Hoje ainda estamos em uma situação onde uma única ideologia dominante governa a maior parte do mundo. Resistência e dissidência estão longe de mortas, mas continuam a carecer de articulação sistemática e intransigente
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
Maria José Lourenço (1945/2025)
Por VALERIO ARCARY: Na hora mais triste da vida, que é a hora do adeus, Zezé está sendo lembrada por muitos
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES