Por RENATO PEIXOTO DAGNINO*
Um debate que possa conduzir a um processo de elaboração de política que aumente a eficácia da Nova Indústria Brasil
O objetivo é, tomando como referência as propostas da reindustrialização empresarial e da reindustrialização solidária, identificar as convergências que possam contribuir para aumentar a eficácia do Nova Indústria Brasil (NIB).
A primeira formulação do conceito de reindustrialização solidária foi apresentada em seminário promovido pelo Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Economia Solidária da Fundação Perseu Abramo (NAPP), na Câmara Federal, em março de 2022.
Falando em termos sociotécnicos, a reindustrialização solidária possui três conhecidas referências históricas.
No plano econômico-social, o conceito de “Industrious revolution” sistematizado por Vries (2009) para denotar processos virtuosos que precederam aqueles com implicações socioeconomicamente disruptivas associados à Revolução Industrial.
No plano econômico-produtivo, as experiências seminais de organização do processo de trabalho de modo autogestionário por coletivos de trabalhadores em momentos de crise do capitalismo.
Na realidade brasileira, a trajetória em curso há mais de três décadas de consolidação da Economia solidária, baseada na solidariedade, na propriedade coletiva dos meios de produção e na autogestão.
Desde então, continuando o trabalho iniciado dois anos antes, a equipe do NAPP produziu documentos evidenciando as diferenças e complementariedades com a proposta que então se formulava em outros âmbitos; e que ela denominava reindustrialização empresarial.
A partir da publicação pelo Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio, em fevereiro de 2024, da Nova Indústria Brasil, que em várias dimensões encarnava aquela proposta, suas diferenças e complementariedades em relação à reindustrialização solidária foram tratadas em artigos que apareceram da mídia de esquerda.
O debate tem como pressuposto a percepção de que para que a Nova Indústria Brasil seja capaz de enfrentar os desafios da nossa reindustrialização, e cumprir com seu papel de nuclear as políticas públicas, é necessário identificar as convergências entre aquelas duas propostas.
A figura ilustra o conteúdo do debate que se espera realizar.
Para servir de âncora para os participantes foi preparada um quadro comparativo que permite a caracterização de cada uma delas em função de alguns atributos.
Reindustrialização Empresarial (RE) | Reindustrialização Solidária (RS) | |
Objetivo macroeconômico | Geração de emprego e salário na empresa à capitalismo inclusivo | Geração de trabalho e renda em arranjos alternativos à Ecosol |
“Inspiração macroeconômica” | Trajetórias recentes de catch up asiáticas | Experiências contra-hegemônicas de trabalho associado |
Objetivo microeconômico | Produção de bens e serviços intensivos em “tecnologias emergentes” no mercado global em empresas privadas | Produção de bens e serviços de natureza industrial intensivos em “tecnociência solidária” em Redes de Ecosol |
“Inspiração microeconômica” | Empresa competitiva promove distribuição de renda e “tecnologias emergentes” possibilitam as “transições” (clima, energia etc.) | Ecosol promove produção autossustentada e “tecnociência solidária” garante “sustentabilidades” às “transições” |
“Inspiração societária” | Competição ente empresas e pessoas alavanca competitividade, igualdade e bem-estar | Solidariedade, propriedade coletiva dos meios de produção e autogestão alavancam o Bem Viver |
Foco | Programas orientados por missão explorados por empresas | Oportunidades abertas pela compra pública, e potencial ocioso da Ecosol |
Apoio e subsídio estatal | Renúncia fiscal, crédito, apoio à P&D, estímulo à exportação | Apoio à capacitação da Ecosol, P&D e reorientação da compra estatal |
Realocação da compra pública (18% do PIB) | Favorecimento de setores “estratégicos” e intensivos em tecnologias emergentes | Crescente participação (hoje ínfima) da Ecosol; “com 0,5% do PIB do BF foi possível tirar 30 milhões da miséria…” |
Resultado nas contas públicas | Diminuição do imposto sonegado (10% do PIB) e da corrupção | Menores escalas e maior transparência aumentam eficiência e eficácia |
Implicações na ocupação da força de trabalho | Aumento dos empregados, protegidos pela CLT (45 milhões), no total da PIA (150 milhões) | Absorção dos 80 milhões que nunca tiveram ou terão emprego e dos 50 que querem o que a CLT faculta |
Implicações do gasto social | Diminuição do custo da força de trabalho aumenta competitividade e transborda bem-estar | Atua diretamente na inclusão, promove desmercantilização de bens e serviços, evita privatização |
Sinergia do gasto social | Trabalhadores mais qualificados e mais bem pagos alavancam competitividade e crescimento | “O próximo Minha Casa Minha Vida deve ter janelas de alumínio produzidas via RS” |
Curso de ação produtiva visando convergência | Identificar no âmbito das missões da NIB o que pode ser feito via RS Identificar empresas falidas que possam ser recuperadas | Identificar o quê, de quem, por quanto, e como o Estado compra Identificar quais delas podem ser recuperadas pelos seus trabalhadores |
Curso de ação burocrático-legal | Identificar elementos do marco legal que podem de ser empregados na RS | Mapear o “entulho burocrático-legal” que inibe o agente público a comprar da Ecosol |
Apoio político | Deslocamento do poder do capital financeiro para o produtivo | Deslocamento do poder da classe proprietária para a classe trabalhadora |
Governabilidade | Cooptação da classe alta e média aumenta governabilidade | Conscientização, mobilização, organização, participação e empoderamento da classe trabalhadora aumenta governabilidade |
A expectativa é que o debate ilustrado pela figura anterior, possa conduzir a um processo de elaboração de política que aumente a eficácia da Nova Indústria Brasil.
P. S. Um debate sobre esse assunto será realizado nessa sexta-feira, 08 de novembro, no Auditório da Reitoria da UnB, com a participação, entre outras pessoas, de Olgamir Amancia, Ricardo Neder, Renato Dagnino, José Dirceu, Ricardo Capelli, Gustavo Alves e José Luis Oreiro.
*Renato Dagnino é professor titular no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Tecnociência Solidária, um manual estratégico (Lutas anticapital).
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