SUS: uma reforma revolucionária

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Por PAULO CAPEL NARVAI*

Apresentação do autor ao livro recém-lançado

Este livro foi escrito para quem quer saber um pouco mais sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e entender por que necessitamos de um sistema universal de saúde no Brasil. É dirigido a qualquer pessoa que se interesse pelo assunto, desde profissionais de saúde de qualquer nível de formação, conselheiros de saúde, estudantes de graduação e pós-graduação, gestores de políticas públicas, secretários de saúde, autoridades públicas e dirigentes políticos até especialistas familiarizados com as dezenas de temas relacionados com saúde, saúde pública e os problemas cotidianos derivados da ousadia de criar e manter, num país como o Brasil, um sistema público de saúde com a missão de assegurar o direito à saúde para mais de 212 milhões de pessoas.

Esta é uma obra cientificamente rigorosa quanto à fidelidade aos fatos, dados e fontes, mas não é um livro estritamente acadêmico, cujo texto só é compreensível a iniciados. Ao contrário, foi escrito com a intenção de ser acessível a leitores com diferentes formações. Almejo que cada leitor possa extrair, de cada um de seus vinte capítulos, significados e conclusões de acordo com seus próprios conhecimentos sobre os temas tratados.

Os conteúdos podem ser consultados separadamente, por capítulo, como se faz com um manual. Mas eu recomendo que a primeira leitura seja sequencial, pois há um fio condutor no livro que leva o leitor ao longo do texto e que marca a originalidade da obra. Este não é, portanto, apenas mais um livro sobre o SUS, mas contém a minha visão sobre ele.

Em vários momentos, desde que o SUS foi criado naquela terça-feira, 17 de maio de 1988, interlocutores me perguntaram sobre diferentes aspectos do SUS ou relacionados com ele. Algo como “Por que saúde tem de ser um direito assegurado pelo Estado? Não é melhor que cada um tenha um plano de saúde e deixar o Estado fora disso?” ou “De onde veio essa ideia de criar um sistema público de saúde no Brasil?” ou, ainda, “O que você pensa do SUS? Não academicamente, mas na prática? Você acredita mesmo, pra valer, que o SUS é viável?”.

Eu nunca deixei de responder a cada uma dessas pessoas, mas o que me deixava perplexo – e segue deixando – é que, por vezes, essas perguntas vinham e vêm de pessoas bem-informadas, as quais, eu supunha, compreenderiam o que o SUS significa e até poderiam dar boas respostas para as perguntas que me faziam. Porém, a cada experiência desse tipo, aumentava em mim a vontade de escrever um livro sobre o SUS. Mas escrevê-lo em linguagem coloquial, como quem conversa informalmente sobre os diferentes assuntos relacionados ao SUS. Nunca pensei, nunca quis escrever um tratado acadêmico, cheio de citações e com um linguajar hermético. É possível, eu creio, tratar de temas aparentemente áridos e próprios de especialistas de modo acessível, mas rigoroso, para que qualquer pessoa os compreenda. Por isso, deliberadamente evitei a inserção no texto de tabelas, gráficos, quadros, fotografias e ilustrações. Ficaram apenas as palavras, suficientes, a meu ver, para que se compreenda o valor do nosso sistema universal de saúde, suas conquistas, fragilidades, fortalezas e os desafios com os quais se depara todos os dias.

Foi sob esta perspectiva que escrevi este livro, atendendo ao convite da editora Autêntica, que partiu do professor Ricardo Musse, meu colega na Universidade de São Paulo (USP) que orientou, generosamente, o desenvolvimento deste trabalho. Aproveito para tornar meu público o meu profundo agradecimento a ele.

Mas eu quis atender, também, o leitor mais exigente, que encontrará aqui muitos fundamentos teóricos e aspectos conceituais que estão no jargão de profissionais da saúde pública e do SUS e que, embora muito utilizados, nem sempre são bem compreendidos por todos – inclusive por muitos que os utilizam. Apresento, também, alguns choques entre ciência e senso comum decorrentes de explicações baseadas no bom senso sobre saúde e saúde pública, mostrando ao leitor os fundamentos científicos subjacentes a muitas decisões nessa área, mas que nem sempre são aceitos pelas pessoas, pois contrariam esse senso comum.

É provável que, para muitas pessoas, não seja coerente a abordagem populacional ao invés do enfoque de alto risco para decidir onde e como investir recursos públicos. Frequentemente, o conflito entre universalizar ou focalizar intervenções de saúde pública é resolvido optando-se por focalizar as ações em indivíduos e grupos de alto risco. Mas isto pode agravar, ao invés de resolver, a situação que se pretende solucionar. Muitas pessoas, inclusive profissionais de saúde, têm dificuldades para compreender como e por que isso acontece, pois desconhecem os fundamentos de alguns paradoxos da saúde, como os da profilaxia, da prevenção e do cuidado inverso.

Outros me perguntam, também com grande frequência, sobre qual a diferença entre atenção básica e atenção primária em saúde, ou entre saúde pública e saúde coletiva, assistência e atenção à saúde, necessidades de saúde e necessidades em saúde, isolamento e quarentena, gestão, gerência e governança da saúde, municipalização e “prefeiturização” da saúde. O que é um problema de saúde pública e como eleger prioridades em saúde pública? O que significam as siglas INAMPS, CONASP, AIS, SUDS? Há também quem considere o SUS uma experiência revolucionária e se desaponte quando ouve ou lê a expressão “reforma sanitária”. O que você diria sobre a expressão “controle social”? Pois saiba que há, no contexto brasileiro, diferentes conotações para ela.

O que Hipócrates diria sobre uma pajelança? O que foram a Revolta da Vacina e o Massacre de Manguinhos? Como Cortés e Pizarro se valeram não apenas de pólvora e espada, mas do que hoje denominamos de guerra biológica para enfrentar e vencer astecas e incas? Entre Iaras e Sacis, Anhanguera fazia rios arderem em chamas em busca de esmeraldas, mas o que ele e Borba Gato deixaram nos sertões para os nativos além de vilas e sífilis? O que a revolução chinesa tem a ver com o programa brasileiro de agentes comunitários de saúde? O que são higienismo e campanhismo? Por que, quarenta anos depois, a Declaração de Astana-2018, da Organização Mundial da Saúde (OMS), é um retrocesso quando comparada à Declaração de Alma-Ata-1978? Por que Fidel Castro e Barack Obama não se entenderiam se fossem convidados a opinar sobre o SUS? O que o capitalismo e a democracia têm a ver com a saúde e o SUS? Por que o símbolo do SUS é ocultado nas unidades de saúde, nos hospitais e nas ambulâncias do SUS? O que você sabe sobre o símbolo do SUS? Por que os chamados “planos de saúde” não dizem respeito nem a planos nem, muito menos, à saúde?

O leitor encontrará neste livro não a “explicação correta” sobre esses, dentre outros, temas, mas a minha visão sobre eles. É por esse motivo que este não é apenas mais um livro sobre o SUS, quando há tantos e de boa qualidade em nosso meio. Convido o leitor e me acompanhar pelas páginas a seguir para conhecer essa visão – que é a minha, mas, como não estou só, é também a visão de muitos sobre o nosso SUS, essa reforma revolucionária que estamos empreendendo nesta parte do mundo em defesa da vida.

*Paulo Capel Narvai é professor titular sênior de Saúde Pública na USP.

Referência


Paulo Capel Narvai. SUS: uma reforma revolucionária – para defender a vida. Belo Horizonte, Autêntica, 2022, 270 págs. [https://amzn.to/3wJcdCh]

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