Elizabeth II

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Por JULIAN RODRIGUES*

A monarquia é parte do arsenal do poder simbólico, é arma do “soft power” inglês

“God save the Queen\ She’s not a human being\ and there’s no future\ in England’s dreaming” (Sex Pistols)

A mídia mundial lançou a bomba na tarde do último 8 de setembro: morreu a rainha. Really? Um amigo enviou-me zap: “ela agora abriu o portal e tudo pode acontecer”. Meda. Se até nossa monarca maior – que acreditávamos “imorrível” – a velhinha fofa Elizabeth II – decidiu abandonar esse barco o que vai ser agora da gente, uns meros plebeus latino-americanos sem dinheiro no banco nem parentes importantes?

Os EUA até hoje conservam creio eu um certo ranço. Sentimento de inferioridade, invejinha, despeito. Por mais que tratem os ingleses como meros aliados subalternos sabem lá no fundinho que mesmo esbanjando toda riqueza do mundo ainda lhes falta charme e estilo. Talvez sintam que nunca terão a classe, altivez, verve ou elegância dos britânicos. Jamais jactar-se-ão de ser a pátria de Shakespeare. Se ainda ao menos falassem com aquele sotaque charmoso-pretensioso – a marca registrada de seus ex-colonizadores – agora súditos de Charles III.

Fiz toda essa digressão com único objetivo: jogar na cara dos norte-americanos e lembrar para nós mesmos: um presidente jamais será um rei. Nem adianta tentar criar narrativas épicas ao redor de seus founding fathers. A monarquia é parte do arsenal do poder simbólico é arma do soft power inglês.

 

Rainhas e roqueiros

Desde muito jovem atraiu-me o mise-em-scène monárquico justamente no lar dos – Beatles e Rolling Stones. Matrimônio de príncipe transmitido ao vivo para o planeta todo – tipo final de Copa do Mundo? By the way, como alguém poder cogitar fazer troça de dos esportes estranhíssimos de quem nos presenteou com a invenção do futebol?

Rainhas, reis, príncipes, princesas, duques, castelos, caçadas, raposas fugindo de cães. Desfile de carruagens, rúgbi, golfe, cricket.

A meu gosto a verdadeira soberana britânica foi a espetacular mestra do crime – Agatha Christie. Tá bom, tá bom. Ingleses tem também Mr. Doyle, senhor de prosa chatinha que veio a criar o detetive mais famoso e icônico de todos – um certo fumador de ópio residente em Baker Street.

Fonte inesgotável das melhores fofocas recheadas de infidelidades, maledicências, figurinos bafônicos, festas elegantes, rancores diversos, raivas. paixões. Não seria a família real funcionária de luxo da mídia – contratada com a tarefa de regularmente produzir entretenimento para milhões de proletários de todo o mundo? Tão pop quanto o papa os membros da realeza são os únicos capazes de rivalizar em popularidade com as celebrities roliudianas.

 

Monarquia para quem precisa

Qual real sentido de um regime monárquico no século XXI? Por quê? Para quê? Qual a serventia de uma rainha cercada por batalhão de acólitos dedicados full time a servi-la? E aquele monte de herdeiros paparicados por burocratas – num dolce far niente custeado pelo erário público?

Certo senso comum acredita que a rainha (ou rei) detém apenas papel simbólico numa nação vista como paradigma de democracia. Nós aprendemos que na Inglaterra foi onde surgiu a primeira Constituição ocidental – base de tudo. A famosa magna carta promulgada em 1215. Mas o que está de fato escrito lá?

Diferentemente dos manifestos da revolução francesa (conhecidos amplamente) é raro encontrar quem tenha lido (nem mesmo na diagonal) – o texto canônico que teria servido de base para o futuro Estado.

Britânicos vivem propagandeando serem os primeiros a instituir um parlamento que limitava os poderes do rei – cem anos antes da revolução francesa!? Outro motivo de orgulho para muitos deles: o capitalismo também teria nascido nessa gloriosa ilhota. Então como explicar o fato de a quase sempre vanguardista Inglaterra arrastar ainda enormes penduricalhos?

Espanha, Japão, Dinamarca (governada pela musa Birgite Nyborg) Bélgica, Suécia, Noruega, Holanda, Mônaco. Um punhado de países ricos e desenvolvidos que também ainda possuem regime monárquico.  Isso para não citar as ex-colônias que tinham Elizabeth II como rainha – e acabam de ganhar um novo e orelhudo soberano: Canadá, Austrália, Jamaica, Nova Zelândia. Viva o colonialismo!

Há sondagens de opinião para todo gosto – todavia com algo em comum. A maioria delas retratam ingleses majoritariamente satisfeitos – que seguem apoiando sua monarquia constitucional de estimação.

Alternando anos tranquilos e períodos turbulentos a mais longeva das rainhas sobrevoou o mundo por sete décadas. Na maior parte desse tempo manteve bons índices de aceitação – geralmente como a figura mais popular da família real.

A fantástica Helen Mirren arrebatou o Oscar de melhor atriz no ano de 2007 por seu papel como Elizabeth II em “The Queen”, dirigido por Stephen Frears. O filme reconstitui a suposta reação da rainha ao ser informada da morte de Diana: gélida, distante, burocrática. Quando do acidente que tirou a vida da linda, carismática e mundialmente famosa princesa de Gales a rainha Elizabeth estava a passar uma temporada no campo, desfrutando das delícias de seu castelo particular. E lá mesmo permaneceu.

Consta que o recém nomeado primeiro ministro Tony Blair, aflito, viu-se compelido a telefonar implorando pelo retorno imediato de sua majestade à Londres a fim de somar-se às exéquias da princesa e confortar a nação enlutada. Não foi tarefa simples convencer a rainha da urgência de voltar à capital.

 

Serve para que mesmo?

Rainhas/reis ingleses acumulam funções de chefes de Estado, das Forças Armadas e da peculiar Igreja Anglicana. Formalmente são responsáveis por convocar e dissolver as casas legislativas – além de nomear os chefes de governo.

Realizam um dever inescapável. Quem quer seja o chefe do governo do momento é mandatório que a cada semana, impreterivelmente sigam ao encontro da soberana para atualizá-la sobre os assuntos governamentais – e também desfrutar da honra de serem por ela aconselhados.

Qualquer ser humano que vier sentir o gostinho do privilégio da coroa britânica sobre sua cabeça deverá abrir anualmente as sessões do parlamento. Representará a Inglaterra perante o mundo e firmar todas leis aprovadas na House of Commons ratificadas na Câmara dos Lordes. Decretará não só o início das guerras como também avalizará os acordos de paz.

Tudo isso em tese, claro. Coisa para brasileiro ver. A maioria dos ingleses no fundo parece feliz deleitando-se com suas extravagâncias, seus rituais pomposos, perucas ridículas e intermináveis cerimônias oficiais – que juram ser rigorosamente executadas como eram em séculos passados.

Nação capitalista moderna, ninho do neoliberalismo, país da Dama de Ferro. Nação cujas classes dominantes não abrem mão dos hábitos de ex-império.

As esquisitices inglesas ecoam como espécie de elo perdido. Resquícios de outrora grandeza – reminiscências das glorias de antanho. Business as always. A família real dá muito lucro e gera divisas. O que realmente importa no final. Patrimônio imaterial do país e produto de exportação no circuito globalizado da indústria cultural.

God save the King!

Não será fácil familiarizarmo-nos – e muito menos aprender a gostar do cônjuge da Duquesa de Cornualha, Mrs. Parker Boules. Mesmo assim me não soa prudente desdenharmos de antemão do poder encantatório duma velha e boa família real britânica.

“God save the queen
The fascist regime
They made you a moron

*Julian Rodrigues, jornalista e professor, é ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos. É doutorando no Programa de América Latina da USP.

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