Vacinas, 5G e tutela

Imagem: Anderson Antonangelo
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JORGE ALMEIDA*

Indefinições quanto à internet 5G são marcadas por disputas e interesses dentro e fora do governo

Diante do impasse para a chegada das vacinas, Jair M. Bolsonaro nomeou uma comissão para negociações com o embaixador da China, composta pela Ministra da Agricultura, o das Comunicações e o da Saúde.

Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, ficou fora por não ser considerado qualificado para representar o Brasil, muito menos para recompor o diálogo com embaixador da China, com quem teve vários atritos públicos.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, representa os latifundiários do agronegócio e os capitalistas de sua cadeia produtiva, que são bem favoráveis a boas relações comerciais, investimentos e financiamentos chineses.

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, está diretamente ligado ao certame da Internet 5G, cujo edital é esperado para março e o leilão em junho.

Bolsonaro gostaria de vetar a chinesa Huawei e o relator do leilão, Carlos Baigorri, chegou a declarar que o 5G “exige fornecedores confiáveis e transparentes” na “parte financeira, na governança e na estrutura societária”, o que são indiretas contra à Huawei, que é acusada de espionagem, mas é a empresa que tem a melhor e mais barata proposta. Eduardo Bolsonaro, respaldado por Ernesto Araújo, também tem atacado sistematicamente o 5G da Huawei e a China.

Mas o lobby a favor das relações com a China é fortíssimo no Brasil, especialmente no empresariado dos setores primário exportador e de comunicações, assim como numa rede de influência no parlamento, judiciário, entre militares, nos meios acadêmicos, na grande mídia e dentro do próprio governo federal, incluindo o vice-presidente General Mourão.

Providenciando as Vacinas e o 5G

Antes da reunião da comissão de negociação com o embaixador, Bolsonaro tinha procurado, pela terceira vez em seu governo, o presidente chinês para pedir favores.

Da primeira vez, em novembro de 2019, pediu, de última hora, durante reunião presencial com Xi Jinping, que a China investisse no leilão de petróleo do Pré-Sal, pois nenhum investidor estrangeiro estava interessado. O presidente chinês atendeu o pedido e uma estatal chinesa entrou no leilão.

A segunda, foi para apagar um incêndio depois da primeira onda de ataques de seu filho Zero Dois à China, em março de 2020, quando Xi Jinping o deixou esperando o retorno de um pedido de telefonema por alguns dias.

Agora, Xi Jinping não atendeu. E dificilmente atenderá antes que os termos da conversa e as questões em jogo sejam previamente definidos.

Assim, a escolha dos ministros da comissão foi uma demonstração de boa vontade do governo brasileiro diante das escaramuças sobre o 5G e para facilitar a importação de insumos para as vacinas.

Tutelado de vários lados, Bolsonaro é guiado pelos chamados “militares do governo”, que conseguiram reduzir sua verborragia e orientam as decisões governamentais que mais importam ao grande capital, à própria corporação militar e à sobrevivência do Presidente. Não por acaso, dois dos grandes articuladores dos acordos com o Centrão foram os generais Ramos e Braga. E, fora do governo, está cercado pelo Congresso Nacional, o STF, setores do MPF e a maior parte da grande mídia comercial e do grande capital.

Enfim, o grande empresariado já disse a Bolsonaro que quer a vacinação em massa e o 5G. E que está com pressa. Ele relutou, mas está providenciando. Enquanto isso, os chineses negociam.

A elite política e o empresariado chineses são bem preparados, têm interesses claros, atuam estrategicamente e são pragmáticos. Não importa o regime político ou a ideologia de governantes ou empresários.

O que importa é o que eles chamam de “win-win”, o “ganha-ganha”, quando todos ganham em termos imediatos, na lógica do mercado capitalista. Mas, eles ganham também estrategicamente, como no caso do 5G, e vão avançando como potência capitalista na disputa tecnológica e geopolítica mundial.

No meio da competição interimperialista entre EUA e China pela vanguarda tecnológica do capitalismo mundial, o Brasil não tem um projeto nacional. Apenas assiste a disputa como um consumidor comum escolhe entre a Amazon e a Alibaba.

O fato é que, depois da reunião da comissão dos ministros com o embaixador chinês, as coisas destravaram. Os insumos começaram a chegar e o processo do leilão começou a andar sem ferir os interesses dos chineses.

Mas ainda existem alguns mistérios a serem decifrados.

Mistérios a serem decifrados

No final da semana passada (29/02), foram divulgados o relatório de Baigorri para a Anatel e uma portaria do MCom que convergem em não criar vetos à Huawei. Mas trazem uma série de condições para as operadoras, como uma rede específica para o governo (operada pela Telebrás), supostamente para garantir a segurança dos dados, e uma série de outras especificações que encarecem e atrasam a implantação do 5G. Também diminuem a arrecadação da outorga para cerca de zero e, ao impedir o uso das redes de 4G já existentes, reduzem as vantagens competitivas da Huawei, que forneceu a maior parte da infraestrutura do 4G no Brasil.

Há muitas pressões e lobbies das operadoras contra estas exigências. Além disso, o ministro Paulo Guedes também estaria contra estas exigências da portaria, pois isto levaria a um fortalecimento da Telebrás, colocando dificuldades para sua privatização.

Por isso, no meio da reunião da Anatel (1º fevereiro) que iria aprovar o edital, e depois de já haver uma maioria de três votos favoráveis ao relatório de Baigorri, o presidente da Agência pediu vistas ao processo, adiando a decisão para o dia 24. Este pedido de vistas foi respaldado pela Conexis Brasil Digital, que é a associação das grandes empresas operadoras de telecomunicação, e por Paulo Guedes, que quer evitar um reforço da Telebrás. Então, ainda há mistérios não desvendados.

Outro mistério é o futuro dos Ministérios de Pazuello e Ernesto Araújo. Ao contrário do que Bolsonaro divulga nas mídias, ambos não tiveram nenhum protagonismo na questão das vacinas e do 5G.

Araújo parecia em queda, depois de tantos atritos com os chineses, outras trapalhadas e a derrota de Trump, de quem é ardoroso adepto. Bolsonaro teria, inclusive, sondado Temer para a função. Mas este não teria aceitado, porque prefere sua função atual de lobista da Chinesa Huawei.

Mas, depois de uma declaração imprudente de Mourão à imprensa insinuando saída de Araújo, Bolsonaro não quer dar o braço a torcer. Até quando?

Quanto a Pazuello, o Centrão tá de olho nisso, “talquei”?

*Jorge Almeida é professor do Departamento de Ciência Política da UFBA.

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES