Temos fôlego para resistir?

Imagem: Nicolas Santacruz
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Por ROBERTO HUGO BIELSCHOWSKY*

Mesmo diante de sanções e desafios impostos por potências estrangeiras, a estratégia inteligente e a união dos setores produtivos podem garantir a resistência e o crescimento sustentável de uma nação

1.

Atribuem a Xi Jinping um comentário recente, segundo o qual a China tem resistido há cinco mil anos e que certamente poderá resistir mais três anos e meio, sem problema.

A única certeza que podemos ter na geopolítica hoje é a garantia de enormes incertezas pela frente. Ainda assim, cada um tem seu achismo. Eu também.

Mesmo sabendo que, diferentemente da China, o Brasil é um país que deixou de ser colônia há coisa de dois séculos, ainda assim me arrisco a ser otimista com relação ao Brasil neste seu enfrentamento contra o autodesignado Imperador da Terra em vigor. Acho que podemos resistir pelo menos um ano e meio, até as midterms americanas, sem maiores problemas.

Temos uma pauta de exportações bem diversificada do ponto de vista geopolítico, uma política externa comercial muito antenada no multilateralismo e na abertura de novos mercados para nossos produtos e uma diplomacia mundialmente reconhecida por sua abertura e competência.

Nossas exportações para os EUA consistem de apenas 12% de toda a pauta de exportações, o que corresponde a 1,7% do PIB. Isto ainda é bastante, mexe com setores sensíveis da economia, mas Donald Trump já recuou em algo próximo a 50% dos valores somados pelos produtos importados ao Brasil, reduzindo suas tarifas a 10%. E alguns dos produtos “liberados” são dos mais difíceis para o Brasil buscar mercados alternativos e/ou socorrer os setores prejudicados com recursos estatais, sobretudo os industriais e de suco de laranja.

Restaram aço e alumínio, onde o mundo todo está taxado com 50% por Donald Trump e uma parte importante das commodities com 50% de taxação, correspondentes a algo entre 30% e 40% da nossa pauta de exportações com os EUA.

Em ordem de grandeza, metade dos produtos de exportação do Brasil para os EUA taxados com 50% e a outra metade com 10%.

Em particular, pelo que estou entendendo, o socorro às empresas que ficarão em dificuldades financeiras é uma das questões importantes colocadas no momento, a cargo de Fernando Haddad para costurar. Pelo que tenho visto Fernando Haddad e Simone Tebet sinalizarem, seriam medidas razoavelmente ajustáveis às possibilidades econômicas do Estado Brasileiro, ainda mais agora que a Embraer e os produtos com maior valor agregado, bem como maior interdependência ao sistema produtivo americano, saíram deste radar de socorro.

Estou sentindo muita firmeza na capacidade de resistência do governo brasileiro, junto com uma estratégia inteligente e bem-sucedida de articular todos os empresários do setor exportador para pressionar suas contrapartes americanas importadoras. Parece que fez efeito e, se entendi direito, as isenções conseguidas recentemente pouco dependeram de uma rodada de negociações de alto nível entre os dois países, mas se deram essencialmente de forma unilateral, via pressão dos importadores americanos e, imagino eu, de alguma avaliação de perdas e danos da equipe econômica de Donald Trump.

2.

De quebra, os Bolsonaros se desgastaram muito internamente, perderam sua principal bandeira de patriotas, irritaram boa parte das elites e de políticos aliados a eles, inclusive arrastando aí, parcialmente pelo menos, alguns dos governadores da extrema direita cacifados para a disputa eleitoral de 2026.

Enquanto isto, o governo Lula vai se fortalecendo a olhos vistos no processo e dando passos muito interessantes na direção de situar a importância de um Estado nacional organizando um projeto de desenvolvimento com justiça social e de inserção multilateral na geopolítica global.

Em especial, o governo Lula me parece estar se cacifando para responder com todo o cuidado ao que vem pela frente, fazendo tudo o que pode para trazer o governo americano para uma mesa de negociação decente, mas sem se dobrar em nenhum momento a exigências descabidas… A situação de México e Canadá com boa parte de seu PIB entrelaçado com a economia americana, por exemplo, é muito mais difícil, sem dúvida…

Ainda assim, vamos tentar pensar num cenário onde possa haver método na loucura, real ou fingida, do governo Donald Trump, ao vir escalando com sanções políticas totalmente descabidas e muito duras como foram estas tarifas de 50%. Passando pela descabida aplicação da lei Magnitsky sobre o ministro do STF, relator do processo do golpe, bem como as acusações fake, com total desrespeito à soberania nacional, nas quais são apresentadas as medidas.

Neste cenário, uma hipótese que me parece importante a se considerar é que isto passe, em primeiro lugar, por estarmos no front latino americano de sua guerra fria com a China e, na cabeça deles, servindo de ponta de lança para os Brics, justo em seu “quintal”.

Passamos a tratar deste cenário e desta hipótese, a partir daqui…

Secundariamente, mas igualmente importante, Donald Trump se mostra de olho no percentual de 21% de reservas das terras raras do planeta que o Brasil detém.

Que eles já tenham percebido que Jair Bolsonaro seja um loser na política brasileira é algo que só não acontece se eles forem tão estúpidos quanto nos fazem crer que sejam.

Numa hipótese aparentemente absurda, de que haja alguma racionalidade por ali, um cenário perfeitamente possível é que os Bolsonaros lhes sirvam apenas de bucha de canhão para a escalada de uma guerra econômica com o Brasil que, no wishful thinking deles, lhes permita enfraquecer o governo Lula e facilitar alternativas para um tertius palatável aos EUA, nas eleições de 2026.

Armas para aprofundar uma política de boicotes econômicos ao Brasil para bem além da questão das tarifas, tipo ataques especulativos ao real e sanções a algumas empresas americanas no Brasil caso não desinvestam por aqui e retornem, me parece que Donald Trump tem. Assim como também têm a CIA velha de guerra deles para espionar os passos do governo Lula e alimentar as redes do que quer que seja, em parceria com as big techs… Para isto, também, as redes bolsonaristas cairiam como uma luva, se bem azeitadas…

Meu grande receio no front terras raras é com o Congresso nacional na regulamentação de sua exploração.

Espero não estar subestimando, de forma alguma, o tamanho da encrenca, neste que talvez seria mesmo um dos piores cenários geopolíticos para o Brasil enfrentar no prazo de um ano e meio a partir daqui, dentre os cenários mais prováveis.

Mas, ainda assim, acho que também neste cenário geopolítico adverso, temos uma boa chance de Donald Trump chegar bem desgastado nas midterms do ano que vem e levar uma surra ali. Aí seu poder de fogo para fora diminui drasticamente. Até lá, meu achismo consiste em apostar que o governo Lula tem bala na agulha para resistir bem. Inclusive, ganhando pontos na opinião pública e nos players institucionais…

3.

Daí meu otimismo, com relação ao Brasil, neste momento, mesmo considerando um cenário geopolítico relativamente adverso no próximo ano e meio. Mas acho também que a hipótese de termos um maluco no governo da maior potência militar global, destinando submarinos nucleares para ameaçar a sua potência nuclear rival, a partir de uma discussão via redes sociais com um ex-sub do Putin, é de assustar, mesmo que você a situe no terreno de uma farsa de pato Donald boquirroto…

Será que Donald Trump tem mesmo uma estratégia viável de evitar inflação interna significativa nos EUA, com um tarifaço deste tamanho e sem nenhum planejamento significativo para melhorar a produtividade interna da economia, de modo a substituir as exportações encarecidas pelas tarifas em produtos internamente produzidos e competitivos com preços anteriores ao tarifaço, no prazo relativamente curto que parece dispor?

Finalmente, mais um wishful thinking: Não será que ao admitir acordos aparentemente tão vantajosos para Donald Trump na questão da tarifa, os países que com ele acertaram estes acordos não estariam pensando algo do tipo: “vamos dando corda para este doido se enforcar”?

*Roberto Hugo Bielschowsky é professor aposentado do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


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