Por PEDRO DOIN*
2026 já começou, com o ingresso de Donald Trump na função de cabo-eleitoral, e com Lula carregando em seus ombros a responsabilidade por garantir um futuro de paz e prosperidade, não apenas para o povo brasileiro, mas para todo o mundo civilizado
1.
Donald Trump, enfim, publicou o decreto que inclui o Brasil no tarifaço que os EUA vêm impondo ao mundo, sob o pretexto de corrigir distorções comerciais que afetam a economia estadunidense. No caso do Brasil, o que chama a atenção é justamente a justificativa do decreto tarifário que, não podendo ser tecnicamente justificado, visto que o Tio Sam é superavitário em suas relações comerciais com o Brasil há muito tempo, só poderia ter uma justificativa política.
A contundência da medida tem gerado debates acalorados nas mídias e nas redes, com opiniões não muito conclusivas sobre os reais motivos estadunidenses com a rodada protecionista em curso, com algumas opiniões atribuindo a conduta exclusivamente à uma postura autoritária de Donald Trump, que estaria tomando tais medidas sem qualquer critério econômico, apenas guiado por sua vaidade pessoal e desejo de favorecer aliados políticos internacionais.
Penso que seria ingenuidade demais acreditar nesta retórica, que atribui a Donald Trump, de forma personalista, as medidas autoritárias recentemente adotadas pelos EUA, que sim, visam desestabilizar democracias em economias periféricas, mas que possuem, obviamente, raízes econômicas sólidas e que foram muito bem sopesadas antes do anúncio do tarifaço.
O presidente da maior economia do mundo retornou ao cargo muito em função dos resultados socioeconômicos do governo de Joe Biden. Fazer a América grande outra vez passou a fazer muito mais sentido, num momento em que os americanos começam a sentir na pele os efeitos de uma economia globalizada e absorvida pelas novas tecnologias, que modificaram radicalmente o mundo do trabalho.
Os Estados Unidos são uma economia gigante que nas últimas décadas deixou de industrializar muitos bens de consumo, concentrando-se na produção de tecnologia de ponta, justamente para embarcá-la em produtos agora produzidos na Ásia ou em países emergentes do Sul global.
Esta espécie de neocolonialização da era da globalização cobra um preço na dinâmica do mercado interno estadunidense, pois cria-se um buraco no mercado de trabalho local, com uma oferta robusta de empregos altamente qualificados e de postos de trabalho precarizados, mas uma ausência de oferta de empregos na indústria de base, o que até o início desta década não se mostrava como um desafio preocupante.
Porém, os dados do emprego nos EUA passam a ser vistos como o indicador macroeconômico mais sensível e desafiador para o governo Donald Trump. Muito embora a taxa de desemprego não seja elevada (4,1% em abril), a tendência é de um ligeiro aumento até o fim do ano, podendo ficar entre 4,3% e 4,5%. No entanto, a taxa de emprego-população, que já foi de 64,7% em abril de 2000, atualmente está em 59,7%, nível mais baixo desde janeiro de 2022. (fonte: Trading Economics).
2.
Este cenário justifica a imposição de tarifas para países produtores de veículos, por exemplo. Proteger a indústria automobilística local pode fazer sentido para blindar empregos num setor que responde por algo entre 3% e 4,8% do PIB do país e emprega 1,7 milhões de pessoas diretamente e 7,2 milhões de forma indireta. Aqui, começam a ficar evidentes os motivos do tarifaço. Mas porque impor ao Brasil a tarifa mais pesada de todas, se sequer somos um grande exportador de veículos para os EUA?
A resposta para tal pergunta é bastante complexa, mas podemos contribuir com o debate ao apontar algumas das razões mais evidentes.
A primeira delas, é que o Brasil é uma potência econômica global com relações multilaterais com praticamente todos os mercados relevantes do mundo, com potencial para articular caminhos alternativos aos interesses norte-americanos. Assim, interessa pouco ao Tio Sam que o Brasil seja liderado por um político bem articulado e com capacidade de intervir ativamente neste cenário. Um Brasil governado por um pária global, politicamente alinhado, faz muito mais sentido para eles.
A segunda, é que o Brasil tem um enorme espaço de crescimento baseado em seus recursos naturais, seu mercado interno, e na capacidade de diversificação de sua pauta exportadora. Num cenário de absoluta necessidade de mudança na matriz energética global, o Brasil é um grande produtor de energia limpa.
É, também, uma alternativa concreta para o crescimento exponencial de novas tecnologias, por ser um território fértil das chamadas “terras raras”. Possui, também, autossuficiência na produção de petróleo e ganha relevância maior com a descoberta das reservas na margem equatorial. Portanto, o Brasil tem um cenário altamente favorável na era da transição energética.
A terceira, e talvez a mais decisiva, é a convergência de interesses entre Brasil e China, e as mudanças estruturais que isso pode gerar na economia global no próximo período. Por exemplo, é sabido que o Brasil possui dificuldades logísticas fundamentais, o que encarece a sua produção local, fazendo com que o país perca competitividade para adentrar a alguns mercados relevantes.
Neste sentido, o anúncio do protocolo de intenções para finalmente tirar do papel a rota bioceânica, com a construção de uma ferrovia ligando o Brasil ao Oceano Pacífico, bem como a construção da ferrovia Transnordestina, aponta para um novo momento do comércio internacional no sul global, o que vai de encontro aos interesses de Washington.
Portanto, tarifar o Brasil de forma contundente é parte central de um projeto para retardar os efeitos que tais condições devem provocar no comércio global, agora marcado pela lógica do multilateralismo e abraçado por uma superpotência (China) que estimula o crescimento de seus aliados estratégicos ao invés de sufocá-los e subordiná-los à sua lógica hegemônica.
Os Brics são altamente favorecidos pela postura colaborativa dos chineses, o que faz do bloco um grupo com potencial concreto de promover um ciclo robusto de desdolarização da economia global.
Portanto, a íntegra do decreto de Donald Trump não deixa dúvidas de que o motivo do tarifaço é exclusivamente geopolítico e o texto tem a evidente função de provocar uma fissura ainda maior no tecido social brasileiro, com a finalidade de interferir nos rumos da política local, visando uma troca forçada de comando no país a partir das eleições de 2026.
Reagrupar as forças de extrema-direita para garantir um novo ciclo hegemônico para o império norte-americano é fazer a América grande outra vez. Esta é também a função do bolsonarismo: garantir que o pêndulo da economia global pese mais ao norte do que ao sul.
2026 já começou, com o ingresso de Donald Trump na função de cabo-eleitoral, e com Lula carregando em seus ombros a responsabilidade por garantir um futuro de paz e prosperidade, não apenas para o povo brasileiro, mas para todo o mundo civilizado!
Democracia não se negocia.
*Pedro Doin é advogado presidente do Diretório Municipal do PT de Franca.
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