Thomas Hobbes – do poder à soberania do Estado

Paul Klee, Castelo e Sol, sem data.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LYGIA CASELATO*

Apresentação da organizadora do livro recém-lançado

Nesta coletânea sobre Thomas Hobbes, diferentes autores abordam um tema comumente relacionado à sua filosofia, a saber: quais são as condições, os critérios e os limites da vida em sociedade, e de que forma se estabelece entre os homens um pacto ou contrato social. Este tema será analisado pelos autores em suas diversas inter-relações com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a história, a psicanálise etc.

Por meio desses estudos, que ora se complementam, ora se contrapõem, busca-se apresentar para o leitor um mosaico de perspectivas capaz de ampliar a sua visão sobre o assunto, sem contudo determinar uma interpretação única, excludente das demais. O objetivo é apresentar as diferentes visões e instigar no leitor o interesse sobre o assunto, para que ele próprio estabeleça a seu modo um diálogo entre as diferentes perspectivas.

No primeiro estudo, intitulado “Gênese do político e vida civil: o contrato social tensionado entre Hobbes e Espinosa”, Daniel Santos da Silva situa o pensamento político de Thomas Hobbes no contexto da filosofia moderna, e analisa as diferenças e as singularidades a respeito da origem da vida em sociedade em Hobbes e Espinosa.

No segundo estudo, intitulado “Hobbes e a filosofia do poder: os ‘princípios’ antipolíticos do Leviatã na leitura de Hannah Arendt, Rodrigo Ponce Santos aborda a polêmica relação estabelecida por Hannah Arendt entre o imperialismo e a filosofia política de Thomas Hobbes, a fim de verificar como o tema se configura em Origens do totalitarismo e de que modo ele contribui para iluminar o tempo presente. Se o imperialismo surge no conflito entre a estabilidade das instituições nacionais e o seu desejo de expansão, isso significa que ele também se configura como um conflito entre a tradição política e a nova ordem econômica.

Comparando as leituras de Arendt e C. B. Macpherson sobre Thomas Hobbes, o autor explora a analogia que Arendt estabelece entre o imperialismo e o pensamento hobbesiano, ao afirmar que não se encontraria no contratualismo hobbesiano um argumento para a constituição de comunidades políticas, mas antes um modelo de relações humanas que ameaçaria a própria existência de tais comunidades.

No terceiro estudo, intitulado “Thomas Hobbes e a violência do Estado: possibilidades de resistência e o duplo sentido do medo e do poder”, Delmo Mattos da Silva aborda o problema da violência do Estado no pensamento político de Hobbes. Examina o significado teórico do absolutismo proposto pelo filósofo, e evidencia os limites da atuação do governo a partir da oposição entre Estado e indivíduo. Conclui mostrando que a possibilidade de resistência em relação aos excessos de poder está garantida pela proposta política de Thomas Hobbes, que oferece respaldo jurídico à contenção bilateral do medo, assegurando a paz possível entre instituições e cidadãos.

No quarto estudo, intitulado “Mal-estar, sofrimento e sintoma: releitura da diagnóstica lacaniana a partir do perspectivismo animista”, Christian Ingo Lenz Dunker apresenta a noção de “forma de vida” do perspectivismo ameríndio, desenvolvida por Viveiros de Castro, em homologia com a diagnóstica psicanalítica decorrente dos trabalhos de Jacques Lacan, no quadro da metadiagnóstica da modernidade desenvolvida pelas teorias sociais, especialmente as de extração crítica.

Com a dupla finalidade de responder a críticas dirigidas ao estruturalismo lacaniano em psicopatologia, e de justificar a distinção entre sintoma, sofrimento e mal-estar. Embora este estudo esteja situado em outra área do conhecimento correlata à filosofia (a psicanálise), ele apresenta uma ligação direta com o tema geral deste livro: a vida do homem em sociedade.

No quinto estudo, Anderson Alves Esteves expõe os juízos de Thomas Hobbes e Norbert Elias a respeito da divisão do trabalho e de suas relações com a ordem social – a despeito das diferenças de método e de métrica dos autores em pauta. De Thomas Hobbes, recolhe a demonstração e o raciocínio hipotético-dedutivo de que, do indivíduo palmilha-se à sociedade; de que, do contrato que edifica o Estado envereda-se à divisão do trabalho, como uma das maneiras de estatuir o conforto necessário à manutenção da sociedade civil.

De Norbert Elias, recolhe a relação processual entre sociogênese e psicogênese, que, sem opor indivíduo e sociedade, trata da formação da divisão do trabalho e da individualidade como fenômenos inseparáveis e peculiares ao processo civilizador.

Em “Representação, soberania e governo em Thomas Hobbes”, Francisco Luciano Teixeira Filho examina a passagem do conceito grego de “democracia” para a atual “democracia representativa”, a partir do conceito hobbesiano de “representação”.

No sétimo estudo, Jecson Girão Lopes procura explicitar como, a partir da teoria política de Thomas Hobbes, engendra-se a necessidade da instauração do Estado, isto é, do Leviatã, na realidade. Segundo ele, essa perspectiva perpassa todo o curso da obra Leviatã, em que o filósofo demonstra os fundamentos e as razões pelas quais o Estado deve terminantemente exercer a força, a autoridade, a influência, o juízo e o poder sobre os seus súditos, visto que, sem esse exercício do poder coercitivo, a humanidade entraria em estado de guerra constante. Assim expressa-se a legítima e urgente necessidade de efetivação do Estado.

No oitavo estudo, intitulado “Hobbes e a pandemia hipotética no Leviatã: entre a liberdade e a segurança”, o autor Jairo Rivaldo Silva aponta como o aparecimento do coronavírus suscita um antigo debate no âmbito da filosofia política: o debate entre a liberdade e a segurança. Na pandemia, a maioria dos Estados precisou adotar medidas que restringiram a liberdade dos cidadãos, para conter o avanço da doença.

A posição do filósofo inglês, Thomas Hobbes, exposta em Leviatã, para enfrentar esse tipo de problema, seria a de que a segurança deve prevalecer sobre a liberdade irrestrita, para evitar o estado de natureza. Há em Thomas Hobbes uma proposta de que a liberdade irrestrita seja substituída pela liberdade limitada no estado político, que aponta para uma possível solução capaz de conjugar liberdade e segurança a partir do conceito de razão pública.

Contribuir para o debate sobre a vida humana em sociedade, seja na filosofia, na sociologia ou na psicanálise é o grande objetivo desta publicação. Que ela possa então ser útil tanto para ampliar o debate entre os especialistas, quanto para aprimorar o conhecimento do leitor comum sobre um tema tão importante, que diz respeito a todos.

Boa leitura!

Lygia Caselato é mestre em filosofia pela USP.

Referência


Lygia Caselato (org.). Thomas Hobbes: do poder à soberania do Estado. Cotia, Editora Cajuína, 2023, 252 págs. [https://amzn.to/3roojyj]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Tales Ab'Sáber Dênis de Moraes Matheus Silveira de Souza Michael Roberts Marilena Chauí Atilio A. Boron Daniel Costa Lorenzo Vitral João Paulo Ayub Fonseca João Adolfo Hansen Celso Frederico Henri Acselrad Luciano Nascimento Yuri Martins-Fontes Francisco de Oliveira Barros Júnior Paulo Martins Alysson Leandro Mascaro Francisco Fernandes Ladeira Marcelo Módolo Vanderlei Tenório Remy José Fontana Marjorie C. Marona Juarez Guimarães Paulo Fernandes Silveira Ricardo Fabbrini Everaldo de Oliveira Andrade Ronald Rocha Jorge Branco Andrew Korybko Marcos Silva Luiz Bernardo Pericás Valerio Arcary Lincoln Secco Carla Teixeira Denilson Cordeiro Eugênio Trivinho João Carlos Loebens Ari Marcelo Solon Leda Maria Paulani Eleutério F. S. Prado João Sette Whitaker Ferreira Slavoj Žižek Ronaldo Tadeu de Souza Flávio Aguiar Osvaldo Coggiola Manuel Domingos Neto José Geraldo Couto Sergio Amadeu da Silveira José Raimundo Trindade Bernardo Ricupero Érico Andrade Afrânio Catani Antonino Infranca Gerson Almeida Rubens Pinto Lyra Jean Pierre Chauvin Renato Dagnino Paulo Sérgio Pinheiro Benicio Viero Schmidt Daniel Brazil Michel Goulart da Silva Milton Pinheiro Julian Rodrigues Eugênio Bucci Vinício Carrilho Martinez Luis Felipe Miguel Gilberto Maringoni Bruno Machado Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gilberto Lopes Luiz Carlos Bresser-Pereira Alexandre de Lima Castro Tranjan Luiz Werneck Vianna Michael Löwy Henry Burnett Liszt Vieira Annateresa Fabris Bruno Fabricio Alcebino da Silva Walnice Nogueira Galvão Ronald León Núñez Ricardo Abramovay Alexandre de Freitas Barbosa Celso Favaretto Leonardo Avritzer Tadeu Valadares José Costa Júnior Ladislau Dowbor Kátia Gerab Baggio Eleonora Albano Luís Fernando Vitagliano Leonardo Sacramento Eduardo Borges Antonio Martins Priscila Figueiredo Marcos Aurélio da Silva André Singer Luiz Renato Martins José Luís Fiori Chico Whitaker Igor Felippe Santos Vladimir Safatle Sandra Bitencourt Airton Paschoa Daniel Afonso da Silva Armando Boito José Dirceu Tarso Genro Luiz Eduardo Soares André Márcio Neves Soares Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Lucas Fiaschetti Estevez Chico Alencar Luiz Roberto Alves Paulo Capel Narvai Salem Nasser Anselm Jappe Luiz Marques Manchetômetro Marcus Ianoni Marcelo Guimarães Lima Elias Jabbour Ricardo Antunes Mário Maestri Heraldo Campos Rodrigo de Faria Eliziário Andrade Bento Prado Jr. Samuel Kilsztajn Berenice Bento Ricardo Musse Gabriel Cohn Andrés del Río Flávio R. Kothe Claudio Katz Fábio Konder Comparato Thomas Piketty José Machado Moita Neto Maria Rita Kehl Jean Marc Von Der Weid Rafael R. Ioris Mariarosaria Fabris Caio Bugiato Marilia Pacheco Fiorillo João Feres Júnior Alexandre Aragão de Albuquerque Antônio Sales Rios Neto Valerio Arcary José Micaelson Lacerda Morais Dennis Oliveira Carlos Tautz Boaventura de Sousa Santos João Lanari Bo Francisco Pereira de Farias Jorge Luiz Souto Maior Fernando Nogueira da Costa Otaviano Helene Fernão Pessoa Ramos Leonardo Boff João Carlos Salles Paulo Nogueira Batista Jr

NOVAS PUBLICAÇÕES