Por JULIAN RODRIGUES*
Considerações sobre a disputa acerca do sentido e do programa de um novo governo Lula
Não vai ser no primeiro turno, mas Luís Inácio Lula da Silva ganhará as eleições de 2022. Tudo indica que derrotará Jair M. Bolsonaro nas urnas, o que não é a mesma coisa que vencer o bolsonarismo e a extrema-direita. Sem oba-oba. Bolsonaro cresce nas pesquisas. Não está morto. Haverá segundo turno. Na hora decisiva, arrastará a maioria do eleitorado conservador.
Lula também cresce e se consolida como favorito. Ocorre que, a candidatura Lula, vem se tornando, na prática, uma plataforma de união nacional contra o fascismo. O que é bom. Só que também traz inúmeros desafios. Um bonde grande demais. Uma verdadeira “arca de Noé”, onde cabe todo mundo. Do PSOL a Geraldo Alkmin. Como a tal “terceira via” não decolou, parte importante do andar de cima – tanto os donos da grana como seus representantes políticos – decidiram embarcar na candidatura Lula desde já. Quem chega primeiro bebe água limpa.
Faz todo sentido a mais ampla aliança antifascista, até mesmo com golpistas reposicionados e outros bichos esquisitos. Os discursos de Lula apontam para um governo de ruptura radical com o neofascismo – do ponto de vista cultural e político. É o retorno da normalidade democrática, digamos assim.
Em termos de política econômica as declarações de Lula têm sido muito progressistas. Lula tem feito enfrentamento aberto ao mercado, enfatiza o foco na recuperação do papel da Petrobrás, manda avisar que vai acabar com o teto de gastos, acena com o fortalecimento das políticas sociais e promete um novo projeto de desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, Lula convida Geraldo Alckmin, que governou São Paulo por 12 anos, duas vezes candidato a presidente pelo PSDB, neoliberal conservador, tucano até ontem, para ser seu vice. Seria uma nova versão da “Carta aos brasileiros” de 2002, aquele compromisso com a manutenção de políticas neoliberais na economia?
Sérgio Moro não emplacou, Ciro Gomes definha. Jair Bolsonaro tem muita força ainda, mas dificilmente ultrapassa 30%. O favoritismo de Lula leva um setor das classes dominantes a operar uma aproximação e atrai também todo tipo de aliado na esfera política. No Nordeste então, todo mundo quer uma vaguinha no palanque lulista. Movimento natural, que reflete a liderança do petista. A propósito, é bom parar com essa história de vitória no primeiro turno. Além de improvável, desmobiliza e cria falsas expectativas.
O centro da disputa então é a composição, o caráter, o programa efetivo de um provável futuro governo Lula. Alckmin não fez essa guinada porque bateu a cabeça e acordou socialista. Quais as concessões programáticas foram ou serão feitas em troca do apoio do ex-tucano?
A primeira escaramuça já ocorreu – se deu em torno do tema da reforma trabalhista. Geraldo manifestou sua preocupação com a fala de Lula prometendo revogar a tal reforma que retirou a maioria dos direitos dos trabalhadores. Será esse o papel de Alckmin? Vocalizar as posições da burguesia e moderar (ou mesmo tutelar) o governo Lula?
A energia que a campanha Lula despertará e já vem despertando é imensa. Esperança, desejo, confiança. Quanto mais popular e mobilizadora for a campanha Lula Presidente, maior a força para impulsionar mudanças. Ou, ao menos desfazer as maldades dos neoliberais e neofascistas.
A candidatura Lula será radicalmente antifascista. Mas será também antineoliberal? Alianças com setores de centro-direita e da direita não comprometerão o caráter popular e democrático do futuro governo? Gente demais no bonde lulista no primeiro turno não atrapalha a nitidez programática e deixa nossa campanha feia, desempolgante? E nosso futuro governo moderado demais?
A Fundação Perseu Abramo e o PT construíram um belo documento com propostas para o futuro governo. O título é “Plano de reconstrução e transformação do Brasil”. No alvo. Porque não basta reconstruir o que foi devastado, é preciso também fazer reformas importantes, estruturais, que democratizem o Estado e empoderem o povo.
Nessa direção, alianças demais no primeiro turno só atrapalham. São amarras antecipadas. Despotencializam as possibilidades de uma campanha militante, popular, de massas – e desidratam as ações mudancistas de um provável futuro governo desde já. Não basta, portanto, reconstruir. Vai ser preciso transformar esse país. Lula presidente, com amplitude, mas com radicalidade programática.
*Julian Rodrigues, professor e jornalista, é ativista LGBTI e de Direitos Humanos, militante do PT-SP.