Declínio e queda do Império Americano

Blanca Alaníz, serie Dios en la Tierra, fotografía analógica digitalizada, Ciudad de México, 2019.
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Por TOM ENGELHARDT*

O significado de sua queda em um planeta em decadência.

Nós vivemos em uma era de opacidade, conforme Rudy Giuliani apontou em uma sala de tribunal recentemente: “Nas regiões daqueles que se queixam, lhes foi negada a oportunidade de ter uma observação desobstruída e de se garantir sua opacidade; disse Giuliani. ‘Eu não tenho certeza do que significa opacidade. Provavelmente significa o que se pode ver certo?”. “Isso significa que você não pode”, disse o juiz americano Matthew Brann. “Big Words, [palavras de difícil entendimento] meritíssimo”.

Big words de fato! E ele não poderia estar mais certo, ele soubesse ou não. Graças em parte, a ele e o presidente que ele representa (Donald Trump) com tanta avidez, mesmo com tintura de cabelo ou rímel escorrendo pelo seu rosto, nos vemos em uma era na qual, para roubar uma frase do diretor sueco Ingmar Bergman, todos vemos como se olhássemos “através de um vidro obscuro”.

Como na campanha eleitoral de 2016, Donald Trump não é a causa, mas o sintoma (e que sintoma!) de um mundo americano desabando. Então, como agora, ele de alguma forma reuniu em si mesmo muitos dos piores impulsos de um país que neste século, se encontrou em guerra não apenas com afegãos, iraquianos, sírios e somalis, mas cada vez mais consigo mesmo, um verdadeiro peso pesado de uma superpotência que já desaba.

Aqui está um pouco do que escrevi em junho de 2016 sobre Donald, um lembrete de que o que está ocorrendo agora, por mais bizarro que seja não estava tão além da imaginação anos atrás.

“Tem sido relativamente fácil pelo menos até Trump chegar ao fascínio atordoante do país (para não falar do resto do planeta) imaginar que vivemos em uma terra pacífica, com a maioria dos seus indicadores familiares ainda em seus tranquilos lugares. Na verdade, no entanto, o mundo americano está se tornando cada vez menos parecido com aquele que ainda reivindicamos como nosso e de que a velha América aparenta cada vez mais ser uma concha oca, a qual vem gestando algo novo e diferente.”

“Afinal, alguém pode realmente duvidar de que a democracia representativa que uma vez existiu foi destruída e está agora em um estado avançado de paralisia ou ainda que os aspectos da infraestrutura do país estejam lentamente se desgastando e se desintegrando e de que pouco está sendo feito com relação a isso? Alguém pode duvidar de que a clássica forma de divisão dos poderes está em crise, desde uma Suprema Corte sem um membro escolhido pelo Congresso a um estado de segurança nacional que zomba da lei e que é cada vez menos controlado e equilibrado e que está cada vez mais acima dos outros poderes”

Até então, deveria ser obvio que Trumpera, como eu também escrevi no ano da campanha eleitoral, um sintoma selvagem do declínio do estilo imperial americano em um planeta cada vez mais infernal. E isso, claro, quatro anos antes da pandemia ou que ocorresse uma temporada de incêndios florestais no Ocidente a qual ninguém imaginou ser possível e um recorde de 30 tempestades que mais ou menos consumiram dois alfabetos em uma temporada de furacões sem fim.

No sentido mais literal possível, Donald foi o nosso primeiro candidato presidencial de um declínio imperial, e assim, um sinal genuíno dos tempos. Ele jurou que tornaria a América grande novamente, e ao fazê-lo, sozinho, entre os políticos americanos do contexto, admitiu que este país não era grande na época, que não era como o resto da classe política americana, o maior, mais excepcional e mais indispensável país na Historia, a única superpotência que restou no Planeta Terra.

Um mundo americano sem “New Deals” (exceto para os bilionários)

          Naquele ano eleitoral, os Estados Unidos já havia se tornado algo diferente novamente e aquilo foi mais de quatro anos antes que o país mais rico e poderoso do planeta não conseguisse conter um vírus da mesma forma que outras nações avançadas fizeram. Pelo contrário, esse país atingiu recordes chocantes de casos e mortes de Covid-19, números que anteriormente poderiam estar associados a países de terceiro mundo. Você pode praticamente ouvir os cantos agora ao passo que os números (da pandemia) continuam a aumentar exponencialmente: USA!USA! Nós ainda somos o número um! (em mortes devido à pandemia).

De alguma forma, naquele ano anterior a pandemia, um bilionário falido e antigo apresentador de reality show, instintivamente capturou o clima do momento em um país nunca tão sem sindicatos, em um longo declínio se você fosse um cidadão comum. Até então, o abandono da classe trabalhadora branca, a classe média baixa pelos “Novos Democratas” era história; O partido de Bill e Hillary Clinton já estava há muito, conforme Thomas Frank escreveu recentemente no jornal The Guardian, “pregando mais competência do que ideologia e chegando a novos eleitores: os suburbanos iluminados; os ‘trabalhadores conectados’, ‘a classe aprendiz’; os vencedores em nossa nova sociedade pós-industrial.”

Donald Trump entrou na cena prometendo atender os abandonados, os americanos brancos os quais tiveram seus sonhos de uma vida melhor para si mesmos e para seus filhos deixados na poeira em um país mais e mais desigual. Cada vez mais amargurados, eles foram, na melhor das hipóteses, tomados como eleitores certos pelo antigo partido de Franklin Delano Roosevelt. (Na campanha de 2016, Hillary nem mesmo considerou que valia a pena se importar em visitar Wisconsin e sua campanha subestimou a própria ideia de focar nos principais estados do interior.). No século XXI, não haveria nenhum “new deal” a eles e eles sabiam. Eles vinham perdendo espaço (renda) – na ordem dos $2,5 trilhões ao ano desde 1975 – para os mesmos bilionários os quais Donald Trump tão orgulhosamente se autodenominoue em um grupo da América que se tornou superdimensionado, rico e poderoso de uma forma que seria inimaginável década atrás.

Ao entrar no Salão Oval, Trump ainda oferecia palavras contundentes, as quais soavam sinos em manifestação após manifestação onde eles poderiam bajula-lo até a morte. Ao mesmo tempo, com a ajuda da maioria no Senado liderada por MitchMcConnell, ele continuou o processo de abandono entregando um corte assustador de impostos ao 1% e aquelas mesmas corporações, enriquecendo-os como nunca. E ainda, claro, a pandemia, a qual apenas adicionou ainda mais bilhões à fortuna dos bilionários e varias corporações gigantes (ao mesmo tempo concedendo aos trabalhadores da linha de frente que mantiveram essas empresas à tona apenas o menor e passageiro “pagamento de periculosidade”).

Hoje, o coronavirus aqui nos Estados Unidos talvez possa ser precisamente rotulado como “Trumpvirus”. Afinal, o presidente realmente o tornou seu de uma forma singular. Através da ignorância, negacionismo e uma falta de cuidado, ele conseguiu espalhar o vírus pelo país (e, claro, a até na própria Casa Branca) de forma recorde, realizando manifestações que eram claramente instrumentos de morte e destruição. Tudo isso estaria mais claro ainda se, na campanha eleitoral de 2020, ele teria apenas substituído MAGA [Make America Great Again – Faça a América Grande novamente] seu slogan por MASA [Make America Sick Again – Torne a América doente novamente], pois o país estava em decadência, mas de uma forma nova.

Em outras palavras, desde 2016, Donald Trump, embrulhado eternamente em seu próprio ego, passou a personificar a própria essência de um país bifurcado que estava caindo, caindo, caindo, se você não fosse parte daquele grupo que sobe, sobe, sobe, o 1%. O momento em que ele voltou do Hospital depois de ter ele mesmo, Covid-19, pisou em uma varanda da Casa Branca e orgulhosamente arrancou sua máscara para o mundo ver, resumiu sua mensagem, desse americano do século XXI e seu momento perfeitamente.

Dando adeus para o momento americano

Único como Donald Trump talvez seja nesse momento e esmagador como a Covid-19 talvez seja por enquanto, a História americana dos últimos anos é qualquer coisa menos única na História, pelo menos como foi descrita até agora. Desde a Peste Negra (peste bubônica) do Século XIV até a Gripe Espanhola do inicio do século XX, as pandemias tem sido, cada uma da sua forma,de pouca importância e valor. E quanto aos governantes tolos que fizeram um espetáculo de si mesmos, bem, os Antigos Romanos tiveram seu Nero e ele era qualquer coisa menos único nos bastidores da História.

Quanto à queda, isso está na natureza da História. Conhecidos uma vez como “Potências Imperiais” ou “Impérios”, o que nós agora chamamos de “Grandes Potências” ou “Super Potências”, tiveram seus momentos ao Sol (mesmo que seja a sombra para muitos daqueles que governam)e então caíram, todos. Se não fosse dessa forma, o clássico trabalho de 6 volumes de Edward Gibbons, A História do Declínio e da Queda do Império Romano, nunca teria ganhado fama que teve nos séculos XVIII e XIX.

Em todo o planeta e através dos tempos, a ascensão e queda imperial tem sido uma parte essencial, até mesmo como um fenômeno mecanicamente regular na história da humanidade desde seu inicio praticamente. Foi certamente a História da China, repetidamente, e definitivamente a trajetória do antigo Oriente Médio. Foia essência da História da Europa, dos Impérios Portugueses e Espanhóis ao Império Britânico que ascendeu no século XVIII e finalmente caiu (em essência para nós mesmos) na metade do ultimo século. E não se esqueça daquela outra superpotência da Guerra Fria, a União Soviética, que surgiu após a Revolução Russa de 1917 e cresceu e cresceu, apenas para implodir em 1991, depois de uma(gulp![i]) desastrosa guerra no Afeganistão, antes de 70 anos depois de seu surgimento.

E nada disso, como eu digo, é em si mesmo algo especial, nem mesmo para uma potência genuinamente global como os Estados Unidos. (Qual outro país já teve 800 bases militares espalhadas pelo planeta?) Se isso fosse a História, como sempre foi, o único choque real talvez fosse o senso surpreendentemente bizarro de auto adulação sentido pela liderança desse país e pelos especialistas da mídia que os acompanhou depois que a outra superpotência da Guerra Fria de forma tão surpreendente caiu. Na esteira da queda do Muro de Berlim em 1989 e o mergulho da União Soviética para seu túmulo em 1991, deixando para trás um lugar empobrecido mais uma vez conhecido como Rússia, eles (os EUA) passaram a ter um comportamento claramente delirante. Eles se convenceram de que a História, como sempre foi conhecida, a própria ascensão e queda e ascensão (e queda) que sempre teve seu tom repetitivo, teria de alguma forma “acabado” com esse país acima de tudo, para sempre e além.

Nem quase três décadas depois, em meio ao cenário de “guerras para sempre” na qual os EUA conseguiu impor sua vontade essencialmente em ninguém e um caos cada vez maior, divido, sofrendo com uma pandemia, quem não duvida que isso se tratava de um pensamento delirante de primeira ordem? Até mesmo no passado, deveria ser bastante obvio que os Estados Unidos, cedo ou tarde, seguiriam a União Soviética até a saída, por mais devagar que fosse, envolvido em uma espécie de auto adoração.

Um quarto de século depois, Trump, seria a prova viva de que este país era tudo menos imune a História, ainda que poucos o reconheçam como o mensageiro da queda já em curso. Quatro anos depois, em um país devastado pela pandemia com sua economia naufragando, seu poderio militar frustrado, sua população dividida, faminta e cada vez mais bem armada, aquela sensação de fracasso (já sentida tão fortemente no interior americano que abraçou Donald em 2016) já não é mais sentida como algo estranho.

Apesar da estranheza do próprio Donald Trump, tudo isso seria apenas mais do mesmo, se não fosse por uma coisa. Há um fator extra agora atuando, que praticamente garante tornar a história do declínio e da queda do Império Americano, diferente dos declínios e quedas de outros impérios de séculos passados. E não, isso não tem nenhuma relação com Trump, embora ele tenha negado as mudanças climáticas como uma “farsa chinesa” e, de todas as formas possíveis, graças ao seu amor por combustíveis fosseis, dando a maior ajuda possível, abrindo terras para a extração de petróleo de todos os tipos de perfuração, descartando regulamentações ambientais que poderiam ter impedido as gigantes petrolíferas. E não se esqueça de sua fissura em ridicularizar qualquer tipo alternativo de energia.

Eu poderia seguir adiante, claro, mas por que se preocupar. Você sabe bem essa parte da História. Você está vivendo ela.

Sim, de sua forma distinta, os EUA, estão caindo e o farão com Trump, Joe Biden ou MitchMcConnell comandando o show. Mas aqui está o que há de novo: pela primeira vez, um grande poder imperial está caindo, justo quando a Terra, pelo menos a que a humanidade conheceu nesses milhares de anos, parece também estar em queda. E isso significa que não haverá outro jeito, não importa o que Trump talvez pense, o fato é que estamos diante de tempestades cada vez piores, incêndios ou grandes alagamentos, o derretimento de geleiras e o aumento do nível do mar que virá com eles, as temperaturas recordes e tudo mais, incluindo centenas de milhões que provavelmente serão deslocadas em um planeta em queda, graças aos gases estufa liberados pelos combustíveis fosseis que Trump ama tanto.

Sem dúvida, a primeira reviravolta genuína do processo de ascensão e queda na História da humanidade – a primeira da História, que potencialmente tratava de quedas – chegou em 6 e 9 de Agosto de 1945, quando os EUA lançaram as bombas nucleares nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Logo ficou claro que tal armamento, coletado em vastos e espalhados arsenais, tinha (e ainda tem) o poder de literalmente tirar a História de nossas mãos. Nesse século, mesmo em uma guerra regional e limitada com tais armas poderia se criar um inverno nuclear que pode matar bilhões de fome. Essa versão do Armagedom foi pelo menos adiada desde Agosto de 1945, mas a humanidade provou ser perfeitamente capaz de surgir com outra versão do desastre final, mesmo que seus efeitos, não menos perigosos, aconteçam não com a velocidade de uma arma nucelar, mas ao longo de anos, de décadas, de séculos.

Donald Trump era o mensageiro do inferno quando se tratava de um Império decadente em um planeta decadente. Se, em um mundo em mudança, o próximo império ou impérios, China ou outras potências desconhecidas que surgirão, possam surgir de forma normal, resta nos ver. Assim como em tal planeta, pode surgir outra forma de organizar a vida humana, potencialmente melhor, mais empática em lidar com o mundo e com nós mesmos será achada.

Saiba apenas que a ascensão e queda na História como sempre ocorreram, já não existe mais. O resto, eu suponho, ainda nos cabe descobrir, para melhor ou para pior.

*Tom Engelhardt é jornalista e editor. Autor, entre outros livros, de A Nation Unmade by War (Haymarket Books, 2018).

Tradução: Bruno Bonzanini

Nota do tradutor


[i] Gulp! Aqui o autor usa uma expressão norte americana, usada para representar o ato de engolir algo muito rápido quando se está nervoso ou alterado, se referindo a recente invasão e ocupação dos EUA no Afeganistão e o difícil momento que a nação ocidental atravessa no momento.

 

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