Trabalho produtivo e improdutivo e a teoria de classe de Karl Marx

Albany Wiseman, Motor francês, 1972
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Por PETER MEIKSINS*

O conceito marxiano fundamental para compreender os trabalhadores de serviços e o trabalho assalariado comercial é “exploração”

A expansão, no século XX, do trabalho de colarinho branco tem estimulado um renovado interesse entre intelectuais marxistas nos conceitos marxianos de trabalhos produtivo e não produtivo[i]. Muitos marxistas têm esperado que a discussão há muito negligenciada por Marx desses conceitos lhes forneceria as ferramentas analíticas com as quais eles poderiam identificar a natureza de classe dos trabalhadores de colarinho branco.

Por exemplo, Nicos Poulantzas afirmou que os conceitos de trabalho produtivo e não-produtivo, como discutidos por Marx, devem ser considerados como componentes essenciais de uma análise marxista da estrutura social (Poulantzas, 1974, p. 213). Muitos outros (ainda que nem todos) tem expressado posições similares. De fato, diversos marxistas têm aceitado a noção de Poulantzas de que a distinção entre trabalho produtivo e não-produtivo representa, em efeito, uma distinção de classe[ii]. No entanto, há muito pouco consenso entre esses autores.

Pensadores marxistas não concordam sobre o que Marx quis dizer com trabalho produtivo e não-produtivo e não têm sido capazes de atingir um consenso a respeito de como esses conceitos podem ser utilizados para analisar a estrutura de classe do capitalismo contemporâneo. Não obstante, os vários autores que têm tentado utilizar tais conceitos produziram diversas hipóteses importantes que qualquer teoria marxista deve tomar em conta. Mesmo que se discorde das conclusões, ou mesmo do método, de autores como Poulantzas, deve-se lidar com a discussão marxiana de trabalho produtivo e não-produtivo.

Leitores anglófonos de Marx são afortunados em ter à sua disposição a exposição lúcida e acurada de Ian Gough sobre a visão de Marx sobre trabalho produtivo e não-produtivo (Gough, 1972). Ainda assim, escritores subsequentes têm discordado de Gough em diversos pontos de sua intepretação. Em minha visão, eles tendem a confundir os conceitos de Marx e a enfraquecer a sua análise. Diante disso, parece tanto útil quanto necessário repassar novamente esse território, desta vez para confrontar explicitamente certos argumentos que desafiam aspectos importantes da análise de Gough. As primeiras duas sessões deste artigo recapitulam brevemente as definições de Marx sobre trabalho produtivo e não-produtivo e fornecem uma análise mais detalhada do problema dos serviços e do trabalho assalariado comercial.

Na terceira seção, irei considerar um problema com que Gough lidou apenas breve e inconclusivamente – o lugar desses conceitos no sistema teórico de Marx. É minha contenda que certos pensadores marxistas não consideraram essa questão e, em consequência, acabaram por confundir a distinção entre trabalho produtivo e não produtivo por uma distinção de classe. Finalmente, em uma breve conclusão, irei sugerir um método analítico alternativo para empregar a crítica marxiana da economia política em uma análise da estrutura de classe capitalista contemporânea. Os conceitos de trabalho produtivo e não-produtivo tem um lugar nessa análise, mas não o lugar atribuído a eles por autores como Poulantzas.

 

Economia política clássica e trabalho produtivo

Qualquer discussão sobre as posições de Marx sobre o trabalho produtivo e não-produtivo deve começar por situá-las no contexto da economia política clássica. Como é bem sabido, muito do que Marx tinha a dizer sobre esses conceitos tomaram a forma de uma discussão crítica das teorias de Adam Smith, os fisiocratas e vários economistas políticos menores. A questão da natureza do trabalho produtivo e não-produtivo era de extrema importância para a economia política clássica pois, como Malthus notou, estava estreitamente relacionado com a definição de riqueza. Portanto, um extenso debate se iniciou sobre como esses conceitos se relacionavam. Esse debate se concentrava principalmente nas anotações de Adam Smith em A Riqueza das Nações (1937 [1776]).

Smith emprestou dos fisiocratas sua noção na qual é o trabalho produtivo que produz um excedente, mas ele rejeitou sua ênfase exclusiva na agricultura. Smith definia desta forma o trabalho produtivo:

Há um tipo de trabalho que se adiciona ao valor do objeto no qual ele atua; há outro tipo de trabalho que não produz tal efeito. O primeiro, enquanto produz um valor, pode ser chamado produtivo; o último, trabalho não-produtivo. Assim o trabalho de um manufatureiro adiciona, aos materiais nos quais ele trabalha, sua própria subsistência e o lucro do seu patrão. O trabalho de um serviçal, ao contrário, não se adiciona ao valor de nada.

Ele continua:

O trabalho de um manufatureiro se fixa e se realiza em um objeto particular ou uma mercadoria vendável, que perdura por algum tempo depois que o trabalho é pretérito… o trabalho do servo, ao contrário, não se fixa ou se realiza em quaisquer objeto particular ou mercadoria vendável. Seus serviços geralmente se encerram no exato instante em que se encerra sua performance e raramente deixa qualquer traço de valor para trás, para o qual uma mesma quantidade de serviço poderia ser posteriormente resgatada. (Smith, 1937 [1776] :314-315)

Assim, a criação de valor adicional que toma a forma de uma mercadoria material era o critério básico de Smith para trabalho produtivo. Ao realizar esse argumento ele explicitamente classificou como improdutivos, atividades “respeitáveis” como soberanos, burocratas, médicos e advogados. (Smith, 1937 : 315)

As definições de Smith tornaram-se o objeto de uma acalorada controvérsia envolvendo diversos dos economistas políticos “menos proeminentes”. Não precisamos examinar esse debate em qualquer detalhe; Marx tinha algumas palavras escolhidas para esses “deuses de tribos menores”, os quais não tinham nenhuma importância da história da economia política (Marx, 1975b: 174-76). É de algum interesse que os críticos de Smith não tenham tentado desafiar a noção de que trabalho produtivo era aquele que produzia um excedente – de fato, eles evitavam totalmente essa definição. Ao invés, eles atacavam sua visão na qual o trabalho produtivo deveria resultar em uma mercadoria material. Ao fazê-lo, eles buscavam demonstrar como e por que os “respeitáveis”, porém “improdutivos” trabalhadores de Smith eram, na realidade, eminentemente produtivos. Esse debate se concentrava na natureza e origens da riqueza. Smith argumentava que a riqueza da nação seria tão grande quando maior fossem os recursos devotados em empregar trabalhadores produtivos (como ele os definia) enquanto seus oponentes buscavam estabelecer que os diversos tipos de trabalho excluídos da definição de Smith, poderiam, direta ou indiretamente, enriquecer a nação. Neste assunto, Ricardo estava ao lado de Smith.

 

Definições de Marx

Qual era então a natureza das críticas de Marx a Smith e à economia política clássica? A maioria dos apontamentos de Marx sobre trabalho produtivo e não-produtivo era breve e fragmentária (com a exceção da discussão estendida em Teorias da Mais-Valia). Não obstante, podemos apresentar um conjunto consistente da visão de Marx sobre esses fragmentos. Vamos começar com o trabalho finalizado no qual Marx discutiu esse assunto – o volume 1 de O Capital. (A seguinte análise lida apenas com a esfera da produção. A circulação será considerada posteriormente neste artigo).

No começo da parte III do volume 1, Marx fez a seguinte afirmação:

No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem, com o auxílio dos instrumentos do trabalho, realiza uma transformação sobre o objeto do trabalho, determinada no início do processo. Esse desaparece no produto; o resultado é valor de uso. Material natural adaptado pela mudança de forma para atender as necessidades do homem. O trabalho se incorporou em seu objeto: o primeiro é materializado, o último transformado. O que no trabalhador aparecia como movimento, agora aparece no produto como uma qualidade fixa sem movimento…

Se examinarmos todo o processo do ponto de vista do resultado, o produto, fica claro que tanto os instrumentos quanto os objetos de trabalho são meios de produção e o próprio trabalho é trabalho produtivo (Marx, Vol. 1, 1975 : 180-181)

Não há menção a excedente aqui e não há menção de produção de uma mercadoria. Parece, então, que Marx definiu trabalho produtivo de uma forma totalmente diferente daquela que fez Adam Smith. No entanto, como indicado pelo próprio Marx em uma nota de rodapé nesta passagem, definir trabalho produtivo dessa maneira é defini-lo a partir do ponto de vista do processo de trabalho – e não necessariamente aplicável a produção capitalista. (Marx, Vol. 1, 1975, p.181, nota 2). Em outras palavras, é a definição de trabalho produtivo em geral, abstraída da forma particular de produção na qual ocorre. Uma vez que a última é tomada em consideração, o trabalho produtivo pode (e é) definido de forma muito diferente.

Mais adiante no volume I de O Capital e em virtualmente todas as suas outras declarações sobre esse assunto, Marx definiu trabalho produtivo exclusivamente a partir do ponto de vista da produção capitalista:

O trabalhador individual é produtivo, que produz mais-valia para o capitalista e assim trabalha para a auto-expansão do Capital. Se podemos tomar um exemplo de fora da esfera da produção de objetos materiais, um professor é um trabalhador produtivo quando, em adição a moldar as cabeças de seus alunos, trabalha como um cavalo para enriquecer o proprietário da escola. Que o último tenha deitado seu capital em uma fábrica de ensino em vez de uma fábrica de salsichas, não altera a relação. Assim a noção de trabalho produtivo não meramente a relação entre trabalho e efeito útil, entre trabalho e produto do trabalho, mas também uma relação social específica de produção, uma relação determinada historicamente e que marca o trabalhador como meio direto de produção de mais-valia.(Marx,Vol. 1, 1975 : 509)[iii]

Claramente, essa definição difere radicalmente da definição de trabalho produtivo em geral. Não é mais uma questão de simples gasto de trabalho em um processo laboral. Nem, por falar isso, Marx quis implicar que trabalho produtivo é tão somente aquele queresulta em um efeito socialmente útil (i.e. sem desperdício) – ele explicitamente afirmou que a produção da mercadoria mais fútil pode ser produtiva do ponto de vista do Capital (Marx, 1975b: 158, 401)[iv]. Ao invés disso, desde que a produção de mais-valia é a base da produção capitalista, apenas o trabalho que produz mais-valia pode ser considerado produtivo do ponto de vista daquele modo de produção. Em efeito, Marx considerou que o argumento de Smith, de que a produção de um excedente é a característica definidora do trabalho produtivo, era essencialmente correto do ponto de vista do Capital (Marx, 1975b : 152; Marx, 1973 : 273) (eu deixo de lado, por enquanto, a questão da materialidade do produto do trabalho produtivo).

Para o Capital, o trabalho produtivo não é conduzido simplesmente por indivíduos isolados. Marx afirmou:

Como no corpo natural, a cabeça e as mãos esperam uma pela outra, também o processo de trabalho unifica o trabalho da mão com o trabalho da cabeça. Posteriormente eles se separam e se tornam mesmo inimigos mortais. O produto deixa de ser o produto direto de um indivíduo e se torna um produto social, produzido em comum por um trabalhador coletivo, i.e., pela combinação de trabalhadores, cada um assumindo apenas uma parte, maior ou menor, na manipulação do objeto de seus trabalhos. Na medida em que a característica cooperativa do processo de trabalho se torna mais proeminente, como consequência necessária, também assim a nossa noção de trabalho produtivo e seu agente, o trabalhador produtivo, se amplia. De forma a trabalhar produtivamente, não é mais necessário que você mesmo realize o todo trabalho manual; só o suficiente, se você for um órgão do trabalhador coletivo e realizar uma de suas funções subordinadas. (Marx, Vol. 1, 1975 :  508-509)

Enquanto o processo de produção capitalista cresce e se torna mais complexo, uma divisão do trabalho altamente desenvolvida, com muitos trabalhadores realizando atividades diferentes, se torna necessária para a produção de uma simples mercadoria. Há trabalhadores não qualificados que não trabalham diretamente nas matérias-primas; capatazes que supervisionam o trabalho sobre os insumos; engenheiros que trabalham intelectualmente na maior parte do tempo etc. Esses trabalhadores produzem quantidades diversas de valor e nenhum trabalhador individual produz uma mercadoria finalizada. Mas a totalidades desses trabalhadores, o trabalhador coletivo, produz uma mercadoria (Marx, 1975b : 411; Marx, 1976 : 134-35). Consequentemente, o trabalhador, o técnico e mesmo o capataz podem ser considerados trabalhadores produtivos, a despeito do fato de não produzirem nada como indivíduos. Resumindo: Marx argumentava que, para a produção capitalista, trabalho produtivo é aquele que, individual ou coletivamente, produz mais-valia e assim, Capital.[v]

Em contraste a isso, Marx definiu trabalho não-produtivo, do ponto de vista capitalista, como trabalho que é trocado por renda (Marx, 1975b : 157). Ele elaborou o que queria dizer sobre isso em Teorias sobra a Mais-Valia:

Qual é a característica especial dessa troca? Como ela é diferente da troca de dinheiro por trabalho produtivo? Por um lado, nela o dinheiro é gasto como dinheiro, como forma independente do valor de troca que é transformado em um valor de uso, em meio de subsistência, em um objeto para consumo pessoal. O dinheiro, portanto, não se torna capital, mas, ao contrário, perde sua existência como valor de troca de forma a ser consumido e gasto como valor de uso (Marx, 1975b : 403)

Trabalho não-produtivo, portanto, é trabalho que é consumido não para produzir mais-valia, mas simplesmente de forma a satisfazer uma necessidade concreta – e.g., a necessidade por um par de calças, no caso do emprego de um costureiro privado. Esta é uma relação completamente diferente daquela entre o capital e o trabalho produtivo. Como Marx observou, estra troca constitui o ciclo M-D-M, não D-M-D; não é o gasto de dinheiro para produzir mais dinheiro. (Marx, 1976 : 135-136)

É claro que isso não nos diz absolutamente nada sobre o conteúdo concreto do trabalho não-produtivo. De fato, Marx argumentou repetidamente que o mesmo trabalho pode ser tanto produtivo quanto não-produtivo, dependendo da forma como é empregado.Seu trabalho foi comprado pelo proprietário para que ele pudesse produzir uma mercadoria (uma refeição) que então é vendida ao consumidor com lucro. Em outras palavras, ele produz mais-valia para seu empregador. Por outro lado, se um capitalista paga ao cozinheiro para lhe preparar uma refeição, não o paga para acumular capital, mas unicamente para gozar o produto do seu trabalho. Aqui, o cozinheiro é pago com os recursos obtidos pelo capitalista em outro lugar e que não são reproduzidos nem aumentados pela produção de uma refeição (Marx, 1975b : 165). O trabalho real realizado é idêntico em cada caso; mas a relação dentro da qual ocorre é bastante diferente.

 

O problema dos serviços

Essas, então, são as definições básicas de Marx de trabalho produtivo e improdutivo do ponto de vista da produção capitalista. Na medida em que são bastante claros e diretos, houve pouca discordância sobre o que significam. No entanto, o consenso termina quando ultrapassamos as definições básicas. Em particular, os marxistas têm discordado sobre a questão de saber se o trabalho que não resulta em mercadoria material pode ser produtivo. Nicos Poulantzas, por exemplo, parece pensar que não (1974 : 216-19). Nisso, ele está de acordo com um marxista não estruturalista como Ernest Mandel (1978 : 404-5). Por outro lado, Erik Olin Wright (1978 : 46), bem como uma variedade de comentaristas franceses (Bidet 1976 : 54-55; Berthoud 1974 : 56; Colliot-Thelene 1976 : 40), argumentam que esse trabalho pode levar à produção de mais-valia. Esta confusão e desacordo não são acidentais, já que as observações de Marx sobre este assunto muitas vezes parecem contraditórias. No entanto, acho que é possível resolver a questão de uma forma que seja consistente com as definições básicas de Marx de trabalho produtivo e improdutivo do ponto de vista do capital.

Para fazer isso, precisamos olhar mais de perto a crítica de Marx a Adam Smith. Como será lembrado, Smith tinha dois critérios para definir o trabalho produtivo – a produção de um excedente e a criação de uma mercadoria material. Marx considerou isso como duas definições separadas e incompatíveis que foram confundidas na teoria de Smith (Marx, 1975b : 137). Como vimos, a análise de Marx do trabalho produtivo é bastante compatível com o primeiro critério de Smith, a produção de um excedente. No entanto, Marx considerou o segundo critério inaceitável. Ele argumentou que, ao usá-lo, Smith abandonou sua definição de trabalho produtivo pela forma social; isto é, ele não mais o definiu em relação ao modo de produção especificamente capitalista, como fez na “primeira definição” (Marx, 1975b : 162)[vi]. De fato, noGrundrisse, ele ressaltou que a mais-valia deve se expressar em um produto material como “bruto” (talvez no sentido de que não seja capitalista) e continuou argumentando que os atores, que não produzem mercadoria material, são de fato trabalhadores produtivos na medida em que enriquecem seus empregadores. (Marx, 1973 : 328-29). Aqui, como em várias outras passagens, Marx afirmou claramente que a produção de um produto material é irrelevante para a definição capitalista de trabalho produtivo[vii]. Assim, não pareceria haver razão para duvidar de que ele sentia que o trabalho na esfera da produção imaterial poderia ser produtivo.

Como, então, Poulantzas e Mandel chegam à conclusão oposta? Poulantzas afirma que os trabalhadores do serviço são improdutivos porque “são consumidos diretamente como valores de uso e não são trocados por capital, mas sim por receita ou renda”. (Poulantzas 1974 : 216). É claro que é verdade que, do ponto de vista do consumidor de um serviço, o trabalho que ele adquire não é produtivo – nenhuma mais-valia pode ser produzida em tal relação. No entanto, o que dizer do caso de uma empresa de serviços organizada de forma capitalista em que um capitalista emprega trabalho assalariado para prestar serviços a terceiros? Não é verdade que, do ponto de vista desse capitalista, seus empregados são trabalhadores produtivos? Parece-me que esse é o sentido do exemplo dos atores já mencionados. Na verdade, Marx reconheceu muito claramente a possibilidade da organização capitalista na esfera da produção imaterial em uma seção de Teorias da Mais-Valia intitulada “Manifestações do Capitalismo na Esfera da Produção Imaterial” (Marx, 1975b : 410-11). É verdade que ele argumentou que a aplicabilidade do capitalismo a essa esfera é extremamente limitada; mas isso é muito diferente do argumento que Poulantzas parece apresentar, de que qualquer trabalho que não resulte em um produto material é improdutivo por definição.[viii]

O argumento de Mandel é basicamente semelhante. Assim, em Capitalismo Tardio, ele argumenta que qualquer trabalho que não produza uma mercadoria material não pode ser produtivo. Mas, ele vai além e argumenta que mesmo as empresas de serviços organizadas de forma capitalista não empregam trabalho produtivo:

Mesmo em Teorias da Mais-Valia, Marx distinguia na indústria de transportes entre a expedição de pessoas – que envolve a troca improdutiva entre um serviço pessoal e receita – e a expedição de mercadorias, que aumenta seu valor de troca e, portanto, é produtiva. Se mesmo o tráfego organizado de forma capitalista no transporte humano é improdutivo, então, presumivelmente, lavanderias, shows, circos e sociedades de assistência médica e jurídica organizados de forma capitalista são ainda menos. (Mandel, 1978 : 404-405).

Uma vez mais, parece-me que Mandel, como Poulantzas, confundiu a relação entre o consumidor e o serviço que ele consome com a relação entre o capitalista e o prestador de serviços que ele emprega. Na passagem que ele cita a respeito do transporte, o transporte de pessoas era de fato descrito como um serviço de consumo em si que não produz mais-valia. No entanto, Marx prosseguiu dizendo que essa relação entre comprador e vendedor não tem nada a ver com a relação entre trabalho produtivo e capital. (Marx, 1975b : 412). Parece-me que isto sugere claramente que a relação entre capitalistas e trabalhadores na esfera do transporte de pessoas é de fato uma relação entre capital e trabalho produtivo. Esta conclusão é corroborada por uma passagem no volume 2 de O Capital, onde Marx mais uma vez discutiu o transporte. Nesta passagem, Marx afirmou claramente que os trabalhadores empregados pelo capital na esfera do transporte podem, e produzem, mais-valia, independentemente de transportar pessoas ou mercadorias (Marx, 1975 : 54-55). A proposta de Mandel, portanto, não é convincente – este exemplo não pode ser usado para apoiar seu argumento de que o trabalho produtivo deve produzir uma mercadoria material[ix].

Mais recentemente, Mandel citou outra passagem de Marx em apoio ao seu argumento. Ele afirma que Marx se contradiz em Teorias da Mais-Valia no que diz respeito à questão de se os atores empregados por um empresário capitalista são produtivos. Nós já discutimos uma passagem em que Marx afirmou que eles são; Mandel encontrou uma segunda passagem na qual parece que Marx chega à uma conclusão oposta:

Quanto a trabalhadores serem produtivos para seus compradores ou para o próprio empregador – como por exemplo o trabalho do ator para o empresário teatral – o fato de que seu comprador não pode vendê-los ao público na forma de mercadorias, mas apenas na forma de ação em si mostraria que eles são trabalhadores improdutivos (Marx, 1975b, p.172).

Mandel conclui que a aparente contradição aqui é evidência da confusão sobre a definição de trabalho produtivo na discussão de Marx emTeorias da Mais-Valia. Ele prossegue argumentando que Marx refinou esta definição em trabalhos posteriores de tal maneira que classifica todo trabalho que não produza uma mercadoria material como improdutivo (Mandel, 1978b : 40-43). Voltaremos a esta última questão momentaneamente, mas vamos primeiro examinar mais de perto a passagem que Mandel cita.

A passagem em questão ocorre no final da longa discussão de Marx sobre a “segunda definição” de Smith. Nesta discussão, como em muitas na Teorias da Mais-Valia, as opiniões de Marx foram misturadas com passagens em que ele estava simplesmente trabalhando nas implicações (corretas ou incorretas) dos argumentos de seus “sujeitos”. Não está claro em qual categoria a passagem que Mandel cita se adequa. Isso, é claro, não refuta o argumento de Mandel; apenas aponta o perigo de citar passagens deste trabalho sem examinar seu contexto. E o sentido geral da discussão em que ocorre esta passagem parece indicar que a interpretação de Mandel está incorreta. Assim, Marx se referiu à segunda definição de Smith (a materialidade do produto) como “uma aberração”; ele reiterou que a forma externa do produto não determina se o trabalho que o produz é produtivo ou improdutivo; ele argumenta que a produção de serviços pode ser subsumida ao capital; e ele acusa Smith de cair de volta em uma definição mercantilista de riqueza, ao introduzir a questão da materialidade do produto (Marx, 1975b, : 162, 165-167, 173-74). Além disso, imediatamente após a passagem em questão, Marx observou que a definição de trabalho produtivo como aquele que produz “mercadorias” materiais é mais elementar do que aquela que o define como trabalho que produz capital. Ele prossegue, observando que a segunda definição de Smith dá origem a “contradições e inconsistências” que forneceram presa fácil para seus oponentes (Marx, 1975b : 73). Dessa forma, portanto, o argumento de Marx parece ser de que a materialidade do produto é irrelevante para a definição de trabalho produtivo. Talvez a passagem que Mandel cita de fato represente a exposição de Marx da visão de Smith (embora isto permaneça pouco claro). Em qualquer caso, o argumento geral nesta seção da Teorias da Mais-Valia contradiz a interpretação de Mandel do ponto de vista de Marx.

Não pretendo sugerir que Marx fosse inteiramente consistente nessa questão. Pelo contrário, existem várias passagens em várias obras que são extremamente ambíguas e podem ser interpretadas como dizendo o oposto do que argumentei aqui. (Marx, 1977 : 136-38). No entanto, parece-me que a crítica de Marx à segunda definição de Smith indica definitivamente que a materialidade do produto é irrelevante para a definição do trabalho produtivo para o capital. Ele teve o cuidado de apontar que usar este critério é abandonar uma definição especificamente capitalista de trabalho produtivo. Além disso, Marx reconheceu a possibilidade de produção capitalista na esfera imaterial, e deu uma série de exemplos. Em vista dessa evidência, parece-me que a única conclusão consistente com a definição “capitalista” de Marx de trabalho produtivo e improdutivo significa que o trabalho nesta esfera pode ser produtivo[x].

 

Trabalho na esfera da circulação

Mandel apresenta outro argumento polêmico em sua breve discussão sobre trabalho produtivo e improdutivo. Ele argumenta que há uma discrepância entre a forma como Marx define o trabalho produtivo na Teorias da Mais-Valia e na seção sobre circulação no volume 2 de O Capital. Portanto, Mandel aponta que no trabalho anterior (Teorias da Mais-Valia) Marx hesitou entre definir trabalho produtivo como aquele que produz mais-valia e o definiu como aquilo que é trocado por Capital (não rendimento). Por outro lado, no volume 2 de O Capital, Marx definiu trabalho produtivo como aquele que produz mais-valia e apontou que nem todo trabalho que troca com Capital é produtivo – este é o caso do trabalho comercial. Mandel parece apontar que a última formulação é mais clara e mais útil, mas ele não faz nenhuma tentativa de resolver a aparente contradição (Mandel 1978 : 403-404; 1978b : 40-43). Se Mandel estiver correto, ele levantou um sério problema de interpretação para os alunos da questão que estamos considerando. Portanto, vamos examinar as observações de Marx sobre a esfera da circulação – talvez a contradição que Mandel perseguiu possa ser resolvida.

Marx foi bastante explícito ao declarar suas opiniões sobre a relação entre a circulação e a produção de valor:

A lei geral é que todos os custos de circulação que surgem de mudanças nas formas das mercadorias não agregam ao seu valor. Eles são apenas despesas incorridas na realização do valor ou sua conversão de uma forma em outra. (Marx, 1975 : 149).

Marx estava excluindo aqui dos “custos de circulação”; os processos que ocorrem na esfera da circulação que podem ser considerados como parte do processo de produção (por exemplo, o transporte e o possível armazenamento). Uma vez que estes são, de certa forma, parte do processo de produção, eles são esferas nas quais o valor e a mais-valia são produzidos (Marx, Vol 1. 1975 : 136-52). Mas, argumentou Marx, esses processos não nos ajudam a entender a natureza específica do capital comercial e do processo de circulação e, portanto, devem ser deixados de fora da consideração aqui (Marx, Vol. 3, 1975 : 267-68). Tendo notado isso, agora precisamos olhar o que significa dizer que a circulação está preocupada com mudanças na forma das mercadorias.

A visão de Marx, conforme apresentada nos volumes 2 e 3 de O Capital, na qual nenhum valor é produzido na esfera da circulação, apoia-se em seu argumento de que, para ser reproduzido e aumentado, o valor que o capitalista detém na forma-mercadoria deve ser realizado. Ou seja, as mercadorias que o trabalhador produziu para ele devem ser vendidas para que o capitalista possa comprar mais matérias-primas, máquinas e força de trabalho e coloque o processo de produção em movimento novamente. Se os produtos não forem vendidos, eles começam a perder valor e a capacidade de acumulação do capitalista é assim reduzido. A esfera de circulação, então, é aquela em que a transformação de mercadorias em dinheiro acontece. Nenhum novo valor de uso é criado. Nem é agregado qualquer valor às mercadorias já existentes – elas são simplesmente vendidas, transformadas em seu equivalente-universal: dinheiro[xi]. Portanto, a circulação é necessária, mas é um momento improdutivo no circuito do capital. Quaisquer despesas que sejam incorridas no processo de compra e venda são, a partir do ponto de vista do capital, uma perda necessária de valor que, caso contrário, poderia ter sido empregado produtivamente.

Contanto que a produção seja em uma escala relativamente pequena, os próprios capitalistas industriais podem desempenhar as funções de marketing e vendas. Mas, com o aumento na escala de produção e no mercado, torna-se mais eficiente ter um ramo separado do capital para lidar com o grande e complexo negócio do comércio. Marx resume esta separação da seguinte forma:

O capital comercial é … nada mais que o capital-mercadoria do produtor que passa pelo processo de conversão em dinheiro – para realizar sua função de mercadoria-capital no mercado – a única diferença sendo que em vez de representar uma função incidental do produtor, é agora a operação exclusiva de um tipo especial do capitalista, o comerciante, e é separado como o negócio de um investimento especial de capital. (Marx, Vol. 3, 1975 : 270).

O que torna eficiente a existência separada de um ramo comercial do Capital é sua capacidade de agilizar o processo de venda dos próprios produtos e evitar atrasos na conversão do capital-mercadoria do produtor em dinheiro. Assim, o comerciante, porque é capaz de dedicar todo o seu tempo à venda e porque pode realizar esta função para muitos produtores individuais, reduz a quantidade de tempo e de dinheiro da sociedade dedicado a essa operação (em relação ao que teria sido se cada produtor individual fosse obrigado a comercializar seus próprios bens) ((Marx, Vol. 3, 1975 : 275). Por outro lado, o comerciante, ao comprar as mercadorias do produtor antes de serem realmente vendidas, evita atrasos na produção das mercadorias deste último. Ou seja, o capitalista produtivo não tem que esperar a venda final de seus produtos para começar de novo o processo de produção: uma vez que o comerciante os comprou, o produtor pode reinvestir o dinheiro que recebe em mão de obra, matérias-primas e maquinários. O comerciante deve vender as mercadorias aos consumidores para que o ciclo seja concluído do ponto de vista das próprias mercadorias. Mas o produtor pode prosseguir sem esperar por esta venda final ((Marx, Vol. 3, 1975 : 274). Para resumir, então, a visão de Marx sobre o papel do capital comercial em relação ao capital produtivo:

Capital comerciário … também não cria valor ou mais-valia, pelo menos não diretamente. Na medida em que contribui para encurtar o tempo de circulação, pode ajudar indiretamente a aumentar a mais-valia produzida pelos capitalistas. Na medida em que ajuda a expandir o mercado e efetua a divisão do trabalho entre os capitais, permitindo assim ao capital operar em maior escala, sua função promove a produtividade do capital industrial, e sua acumulação. Na medida em que encurta tempo de acumulação, aumenta a proporção de mais-valia ao capital avançado, daí a taxa de lucro. E na medida em que confina uma porção menor do capital para a esfera da circulação na forma de capital-dinheiro, aumenta a porção do capital que está diretamente envolvida na produção ((Marx, Vol. 3, 1975 : 280).

Para entender completamente o argumento de que o capital comercial é improdutivo, devemos tomar nota da explicação de Marx sobre a fonte de lucro na esfera da circulação. Claro, Marx estava ciente de que o comerciante tem lucro; na verdade, ele argumentou que o comerciante, como qualquer outro capitalista, deve receber a taxa média anual do lucro, calculado sobre o capital que ele adianta ((Marx, Vol. 3, 1975 : 282)[xii]. A questão é: qual é a fonte desse lucro? Já vimos que nenhum valor é produzido na esfera de circulação, então esta não pode ser a fonte. Nem, de acordo com Marx, o lucro do comerciante deriva de sua venda de mercadorias acima de seu valor. Em vez disso, seu lucro deriva do fato de que ele compra bens do produtor a um preço inferior ao seu preço real de produção (ou seja, seu custo de produção, mais a taxa média de lucro). Ou seja, a fonte de lucro na esfera da circulação é o valor que já está incorporado na mercadoria, mas que não foi totalmente realizado através da sua venda ao comerciante a um preço inferior do que o capitalista industrial obteria se ele mesmo a vendesse ((Marx, Vol. 3, 1975 : 285). De certa forma, este é o preço que o capitalista produtivo deve pagar pelas vantagens da existência de um ramo comercial separado do capital.

Marx estendeu sua análise para lidar com o problema do trabalho assalariado empregado pelo capital comercial. Ele reconhece que os capitalistas comerciais empregam trabalhadores assalariados. Na verdade, ele argumenta que, em muitos aspectos, os últimos são comparáveis aos trabalhadores assalariados industriais. Para exemplo, o preço de sua força de trabalho (seu salário) é determinado pelo custo de sua reprodução. Contudo, na medida em que o capitalista comercial, como agente de circulação, não produz valor ou mais-valia, tampouco produzem seus funcionários. Assim, os escriturários, contadores e outros trabalhadores de escritório exigidos pelo capitalista comercial devem ser classificados como trabalhadores improdutivos a partir do ponto de vista do capital. Isso não altera o fato de que, uma vez que os salários desses trabalhadores representam capital adiantado, o comerciante recebe a taxa média de lucro sobre eles ((Marx, Vol. 3, 1975 : 296-98).

No entanto, os trabalhadores assalariados do comércio realizam sobretrabalho, de acordo com Marx. Isso é importante em dois aspectos. Em primeiro lugar, do ponto de vista do comerciante, o fato de que ele pode aumentar seu capital rapidamente, sem nenhum custo extra, como resultado deste trabalho não pago significa que a massa de seus lucros será maior, ou seja, ele pode concluir mais compras e vendas ((Marx, Vol. 3, 1975 : p.293). Por outro lado, do ponto de vista do capital industrial, os custos de realização da mais-valia são reduzidos por este trabalho não pago ((Marx, Vol. 3, 1975 : 295). No entanto, a redução desses custos de circulação é do interesse do capitalista industrial; do seu ponto de vista, eles continuam sendo gastos improdutivos ((Marx, Vol. 3, 1975 : 299-300). Esta natureza complexa do trabalho assalariado comercial permitiu a Marx observar, talvez um tanto enganosamente, que é produtivo do ponto de vista do comerciante, improdutivo do ponto de vista do capitalista produtivo. ((Marx, Vol. 3, 1975 : 301).

Isso levanta a questão de saber se esses trabalhadores improdutivos são, de fato, comparáveis aos que discutimos anteriormente. É interessante notar que, ao concluir uma das seções sobre trabalho produtivo e improdutivo na Teorias da Mais-Valia, Marx fez uma observação que parece sugerir que os trabalhadores comerciais são diferentes: “Aqui estamos lidando apenas com capital produtivo, ou seja, capital empregado no processo direto de produção. Chegamos mais tarde no capital no processo de circulação. E somente depois disso, ao considerar a forma especial assumida pelo capital como capital comerciário, pode a questão ser respondida se os trabalhadores empregados por ele são produtivos ou improdutivo”. (Marx, 1976 : 413).

Isso, é claro, não prova nada – mas, vamos dar uma olhada ao que acabamos de dizer sobre as características do trabalho assalariado comercial. Os trabalhadores comerciais possuem duas características importantes que os diferenciam dos trabalhadores improdutivos no processo de produção: seu trabalho é trocado por capital, não rendimento; e o trabalho deles permite que o capitalista comercial se aproprie da mais-valia, mesmo que eles não produzam nenhuma eles mesmos. Claramente, um alfaiate que eu emprego para fazer um par de calças para meu próprio uso não tem nenhuma destas características. Ele não me permite a apropriação da mais-valia, e eu pago a ele com meu rendimento, não com capital. Ambos os tipos de trabalho são improdutivos, mas em distintas formas, e por razões muito diferentes – um porque é empregado por um momento improdutivo do capital, o outro porque não troca com o capital em absoluto.

Portanto, parece-me que as duas definições de Mandel podem ser facilmente reconciliadas. Quando Marx, em Teorias da Mais-Valia, parece oscilar entre definir trabalho produtivo como aquele que produz mais-valia e como aquele que troca com o capital, não há, de fato, qualquer oscilação. Marx está falando aqui apenas do processo direto da produção, no qual qualquer trabalho que troca com o capital produzirá mais-valia. Por outro lado, no volume 2 de O Capital, onde Marx está lidando com a processo de circulação, este não é mais o caso. Como nós vimos, os trabalhadores empregados pelo capital nesta esfera trabalham apenas para mudar a forma das mercadorias; eles não podem agregar valor a essas mercadorias, portanto, não podem ser produtivos. Em suma, é óbvio que Marx estava discutindo dois casos diferentes, em que a natureza improdutiva de vários tipos de trabalho é o resultado de diferentes causas. As “duas definições”, portanto, são simplesmente produtos dos diferentes contextos em que ocorrem. Elas não se contradizem.

 

O papel da distinção do pensamento de Marx

Na primeira parte desse artigo, tentei esclarecer o que Marx quis dizer com trabalho produtivo e improdutivo. A seguir, tentarei estabelecer o papel desses conceitos na crítica de Marx à economia política. Como foi indicado previamente, vários autores marxistas argumentaram que a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo é algo como uma distinção de classes. Assim, por exemplo, Nicos Poulantzas argumenta que, para Marx, a classe trabalhadora é mais ou menos sinônimo de trabalho produtivo (Poulantzas 1974 : 213). (No entanto, a análise de Poulantzas da estrutura de classe contemporânea não pode ser reduzida a esta única observação.) Similarmente, Paul Sweezy vê algo semelhante a uma distinção de classe entre a improdutiva “nova classe média” que é paga com a receita produzida pela classe trabalhadora (Sweezy 1970 : 284). Esses são argumentos claramente importantes, pois, se estiverem corretos, fornecem uma resposta à difícil questão da posição de classe de um grande número de trabalhadores de colarinho branco. Porém, antes que possamos aceitar as hipóteses de Sweezy e Poulantzas, precisamos examinar mais de perto se os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo podem ser legitimamente aplicados dessa maneira.

Várias passagens nos escritos de Marx parecem referir-se aos trabalhos improdutivos como uma classe. Por exemplo, no volume 2 de Teorias sobre a Mais-Valia, Marx observou sarcasticamente:

Para o trabalhador é igualmente consolador que, com o crescimento do produto líquido, se abram mais esferas para os trabalhadores improdutivos, que vivem do seu produto e cujo interesse pela sua exploração coincide mais ou menos com o das classes exploradoras diretas. (Marx, 1975c : 571)

Mais adiante na mesma discussão, Marx se referiu às “classes médias” que estão entre o capitalista e o trabalhador e são mantidas sem receita (Marx, 1975c : 573). Assim, parece que o próprio Marx tendeu a tratar os trabalhadores improdutivos como uma classe distinta da classe trabalhadora e, em certo sentido, oposta a ela. Ou, pelo menos, alguém pareceria obrigado a concordar com a observação mais qualificada de Ian Gough de que Marx às vezes, como nessas passagens, argumentava dessa maneira (Gough 1972 : 69-71).

No entanto, vamos olhar mais de perto o que Marx estava dizendo aqui. Nessas passagens, Marx estava comentando sobre as opiniões de Ricardo sobre os efeitos do maquinário no trabalhador. Ricardo admitiu que a introdução de maquinário pode ser prejudicial ao trabalhador, pois pode reduzir a demanda por trabalho. Ele qualificou esse julgamento, entretanto, observando que o preço mais baixo das mercadorias resultante da mecanização permitirá que capitalistas e proprietários de terras gastem mais de sua renda contratando empregados pessoais. Assim, os trabalhadores despedidos por maquinário encontrariam emprego como empregados pessoais (Ricardo, 1971 : 381-84). Não precisamos entrar na crítica de Marx a esse argumento, mas é claro que quando ele se referiu aos trabalhadores improdutivos neste contexto, ele estava pensando principalmente nos servos pessoais.[xiii] Agora, como vimos, esses não são os únicos tipos de trabalhadores improdutivos – na verdade, existe toda uma categoria de trabalhadores improdutivos (trabalhadores comerciais) que estão em uma posição muito diferente em relação à classe capitalista. Da mesma forma, mesmo dentro da categoria de trabalhadores improdutivos que Marx descreveu como sendo pagos por receita, existem ocupações tão diversas como empregados, médicos, palhaços, funcionários públicos, clérigos etc. Em suma, a categoria de trabalho improdutivo é muito heterogênea. Isso não prova que não seja uma classe. No entanto, é perigoso argumentar, com base em uma passagem em que Marx se referiu a um tipo de trabalho produtivo e improdutivo como uma distinção de classe.[xiv]

Vários outros argumentos podem ser apresentados contra a visão de que o trabalho improdutivo constitui uma classe. Já vimos que o mesmo trabalho pode ser produtivo ou improdutivo, dependendo do contexto. Como perguntou um observador, alguém gostaria de argumentar que um zelador empregado em uma fábrica (trabalho produtivo) e um zelador empregado em uma empresa comercial (trabalho improdutivo) são membros de classes diferentes? (Wright, 1978 :50n). Além disso, Marx até mesmo se referiu ao capitalista como um trabalhador produtivo no sentido de que, como “guia” do processo de trabalho, seu trabalho está incorporado no produto do trabalhador coletivo. (Marx, 1976 : 142). Diante disso, se considerarmos o trabalho produtivo como contíguo à classe trabalhadora, nos colocaremos na posição absurda de ter que chamar o capitalista de membro dessa classe. Finalmente, como vimos, Marx sugeriu claramente que certos tipos de trabalho improdutivo (por exemplo, trabalhadores comerciais) são explorados no sentido de que realizam trabalho excedente. Se for assim, torna-se difícil apoiar a visão de Sweezy desses trabalhadores como “párias” que têm um interesse direto na exploração da classe trabalhadora.

Em suma, então, seria um erro igualar a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo com uma distinção de classe. Não é possível classificar vários trabalhadores de forma clara e inequívoca usando essas categorias e não é possível excluir certos elementos obviamente não proletários (por exemplo, o próprio capitalista) da categoria de trabalho produtivo. Além disso, como ficará claro em um momento, Marx não fez a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo para se munir de um esquema classificatório a ser usado na análise de classes. Em vez disso, acho que pode ser mostrado que Marx, ao fazer essa distinção, estava tentando focar em uma questão levantada por economistas políticos burgueses de forma a indicar suas deficiências e apontar para o problema importantíssimo que eles falharam em analisar – exploração.

Como será lembrado, a definição de trabalho produtivo foi importante para a economia política clássica porque estava relacionada à questão da natureza e da origem da riqueza. Parece-me que quase a mesma coisa pode ser dita de Marx. Na verdade, ele deixou isso bem claro em uma de suas descrições do trabalho produtivo:

Como toda produção capitalista repousa na compra direta de trabalho para se apropriar de uma parte dela sem compra no processo de produção; que parte, entretanto, é vendida no produto – visto que esta é a base da existência do capital, sua própria essência – não é a distinção entre o trabalho que produz capital e aquele que não o produz a base para uma compreensão do processo de produção capitalista. (Marx, 1975b : 293).

Em outras palavras, a definição de trabalho produtivo é importante porque é a troca de capital com trabalho produtivo que é a fonte da riqueza burguesa. Não é a troca ou o consumo que produz riqueza – no curso de suas observações sobre o trabalho produtivo, Marx atacou explicitamente os críticos de Smith porque eles viam o consumo como um estímulo necessário à produção, portanto, igualmente “produtivo” de riqueza. (Marx, 1975b : 281). Em vez disso, é o processo de produção, e apenas o processo de produção, que produz riqueza. Nisso, Marx estava basicamente de acordo com Smith, Ricardo e os outros “gigantes” da economia política clássica.

No entanto, Marx foi além de Smith e Ricardo em dois aspectos importantes. Primeiro, ele afirmou explicitamente que as definições de trabalho produtivo e riqueza, que ele encontrou na economia política clássica, não são universais; eles são aplicáveis e apropriados apenas à sociedade capitalista. Em outra forma de sociedade, eles seriam definidos de forma diferente. Isso é algo que a economia política, que universalizou as formas burguesas, não entendeu. Além disso, Marx argumentou que, para entender a sociedade capitalista, não é suficiente estabelecer o que é trabalho produtivo:

Ricardo nunca se preocupa com a origem da mais-valia. Ele a trata como algo inerente ao modo de produção capitalista, modo esse que, a seus olhos, é a forma natural de produção social. Sempre que discute a produtividade do trabalho, ele busca nele, não a causa da mais-valia, mas a causa que determina a magnitude desse valor. Por outro lado, sua escola proclamou abertamente que a produtividade do trabalho é a causa originária do lucro (leia-se: mais-valia). Em todo caso, isso é um progresso em relação aos mercantilistas que, por sua vez, extraíam do ato da troca o excedente do preço sobre o custo de produção, da venda do produto acima do seu valor. No entanto, a escola de Ricardo simplesmente evitou o problema, eles não o resolveram. Na verdade, esses economistas burgueses viram instintivamente, e com razão, que é muito perigoso levantar a questão candente da origem da mais-valia. (Marx, Vol. 1, 1975 : 515-516).

Em outras palavras, uma definição “capitalista” correta de trabalho produtivo apenas coloca o problema de como esse trabalho produz um excedente.

Portanto, podemos agora ver o papel muito específico desempenhado pela distinção entre trabalho produtivo e improdutivo na teoria de Marx. Marx retirou da economia política burguesa essa distinção e considerou-a essencialmente correta – até onde chegou. A economia política clássica estabeleceu que a relação que produzia riqueza era aquela entre trabalho produtivo e capital. Marx reconheceu isso e então fez a pergunta “óbvia” – por que essa troca produz riqueza? A resposta a essa pergunta, é claro, está na natureza da exploração capitalista e é a uma análise da exploração que O Capital se dedica. Assim, a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo apenas introduziu o aspecto mais crucial das relações sociais capitalistas, sem realmente fornecer uma análise adequada do mesmo.

 

Conclusão

Tudo isso sublinha um problema crítico que Poulantzas e outros tendem a esquecer. Ou seja, a teoria marxista sustenta que a estrutura de classes do capitalismo é determinada não pelas visões dos capitalistas (por mais corretas que sejam) sobre se uma categoria de trabalhador é produtiva ou não de mais-valia, mas pela exploração do trabalho pelo capital. Os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo, como vimos, não nos fornecem uma análise adequada da exploração. Na verdade, pode-se até argumentar que eles tendem a obscurecer a análise. Assim, nunca devemos assumir que o trabalho produtivo é explorado (por exemplo, o capitalista como “guia” do processo de trabalho) ou que o trabalho improdutivo não é explorado (por exemplo, trabalho assalariado comercial). Consequentemente, se quisermos compreender a natureza da exploração capitalista e a estrutura de classes que ela gera, devemos desenvolver uma análise mais profunda do capitalismo do que os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo por si só nos permitem fazer.

A exploração capitalista é, obviamente, uma série complexa de relacionamentos. A análise da apropriação da mais-valia pelo capital que Marx fornece no volume 1 de O Capital nos dá apenas um ponto de partida para a compreensão dessas complexidades. Já é bastante óbvio, como era para Marx, que o capitalismo não é simplesmente um processo de produção, mas compreende também uma ampla variedade de instituições de comércio, governo, educação, administração etc. E é precisamente nesses tipos de instituições que concentram a massa de trabalhadores de colarinho branco. Portanto, se quisermos entender esses trabalhadores em termos de classe, precisamos saber muito mais sobre a natureza das instituições em que trabalham. Precisamos saber, antes de tudo, quais funções essas instituições desempenham na sociedade capitalista – ou seja, como se relacionam com o capital. Além disso, precisamos saber se seus funcionários são explorados e, em caso afirmativo, como. Marx já fez essa análise para o comércio e os trabalhadores do comércio. Precisamos (e podemos) fazer isso para várias outras instituições e trabalhadores, usando as dicas e sugestões de Marx, bem como informações históricas e sociológicas.

Os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo (e de consumo produtivo e improdutivo) podem ser de alguma utilidade aqui. Embora Marx tenha tido o cuidado de enfatizar o fato de que uma compreensão “correta” do que é trabalho produtivo para o capital não constitui uma análise completa do capitalismo, ele claramente não rejeita esses conceitos por completo. Afinal, o capitalismo é um modo de produção baseado na produção de mais-valia. Uma quantidade excessiva de gastos improdutivos pode interferir no processo de acumulação, retirando muito capital da esfera produtiva. Se tal desequilíbrio se desenvolver, a esfera improdutiva estará sob considerável pressão para se racionalizar, talvez intensificando a exploração de seus trabalhadores.

Marx reconheceu essa possibilidade quando observou que o trabalho assalariado na esfera comercial, por ser improdutivo, está sujeito a um processo de racionalização (para reduzir seu custo) semelhante ao vivido pelos trabalhadores produtivos. Além disso, Marx sugeriu que o número de trabalhadores comerciais tende a se expandir quando o capital tem mais valor e lucros para realizar (ou seja, quando está prosperando) (Marx, Vol. 3, 1975 : 300-301). Segue-se que, quando o capital passa por tempos difíceis, esse setor encontra pressões para se otimizar, remover redundâncias e coisas do gênero, tudo o que tende a intensificar a racionalização do trabalho assalariado comercial. (As coisas podem ocorrer de forma diferente em outros setores que Gough (1975 : 82-83) descreveu como “indiretamente produtivo” – ou seja, improdutivo, mas contribuindo para a produtividade em outras partes da economia. Assim, uma compreensão dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo pode nos ajudar a entender a dinâmica das relações entre vários tipos de capital e trabalho e talvez até mesmo o momento de certas mudanças nessas relações.

No entanto, devemos estar cientes dos limites da utilidade dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo. Pois não aprendemos muito sobre um grupo de trabalhadores identificando-os como produtivos ou improdutivos, a menos que também estabeleçamos se e como eles são explorados. O caso dos funcionários do serviço público ilustra muito bem esse ponto. Os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo foram aplicados ao Estado por vários analistas. Uma controvérsia surgiu sobre se o Estado e/ou suas partes constituintes podem ser considerados produtivos. Esta importante questão não pode ser resolvida aqui. No entanto, para compreender a natureza de classe dos funcionários do Estado, devemos lidar com a questão da exploração. Assim, se argumentarmos que os trabalhadores do Estado são trabalhadores explorados, produtivos, devemos concluir que eles são provavelmente semelhantes aos trabalhadores produtivos da esfera privada. Se, por outro lado, argumentamos que são trabalhadores explorados, improdutivos, precisamos examinar a natureza dessa exploração e verificar se ela é, de fato, semelhante à vivida pelos trabalhadores produtivos. No entanto, se descobrirmos que os funcionários do Estado são trabalhadores improdutivos que não são explorados, podemos ser obrigados a considerá-los como “parasitas” dos trabalhadores produtivos e intrinsecamente opostos às lutas destes últimos contra a exploração capitalista. Claramente, os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo nos dizem apenas parte do que precisamos saber.

É minha opinião, portanto, que a teoria marxista deve ir além dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo e analisar em detalhes o complexo processo de exploração capitalista. Além disso, ao focar a análise de classe marxista na exploração, devemos ter cuidado para não reproduzir o erro que tem caracterizado a teoria marxista – ou seja, a tendência de tratar as classes como “caixas” conceituais estáticas nas quais o cientista social pode classificar os indivíduos. Não devemos nos contentar com uma tentativa de “classificar” os indivíduos como “explorados” ou “não explorados”. Em vez disso, devemos nos concentrar nos antagonismos reais engendrados pelas relações sociais exploradoras que são, a meu ver, a base da formação de classes. Muito trabalho ainda precisa ser feito antes de compreendermos as complexidades da exploração capitalista e da formação de classes na sociedade capitalista.[xv] No entanto, se quisermos evitar abordagens taxonômicas de classe e restabelecer a visão marxista básica de que classe e conflito de classes são relações dinâmicas que estruturam os movimentos da sociedade capitalista, devemos começar com uma análise do antagonismo fundamental que constitui essa exploração sociedade-capitalista.

*Peter Meiksins é professor de sociologia na State University of New York-Geneseo.

Tradução: Carine Botelho Previatti, Sofia Guilhem Basilio e Pedro Ramos de Toledo.

Publicado originalmente na Review of Radical Political Economics, 1981.

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Wright, Enk Olin.Class, Crisis and the State. London: New LeftBooks, 1978

Notas


[i]Uma versão anterior deste artigo foi apresentada em junho de 1979 para a associação canadense intitulada: Sociology and Anthropology Association in Saskatoon, Saskatchewan. Sou grato ao meu público, bem como a Stephen Hellman John Fox, Ellen Wood, Joyce Mastboom e Istvan Meszaros por seus comentários úteis.

[ii][ii]VerBidet, 1976 para outro exemplo dessa abordagem.

[iii]Definições semelhantes podem ser encontradas em outros escritos de Marx. Por exemplo: (Marx, 1975b : 393; Marx, 1976 :133).

[iv]É importante tomar nota deste ponto, pois uma falha em fazê-lo levou a uma confusão considerável em certas discussões sobre trabalho produtivo e improdutivo. Vários autores tentaram argumentar que o trabalho despendido na produção de bens de luxo ou equipamento militar é improdutivo porque é “desperdício”. Isso, no entanto, é interpretar mal completamente a definição de Marx do que é trabalho produtivo para o capital. Para um exemplo desse argumento espúrio, ver Morris, 1958.

[v]Marx colocou desta forma no Grundrisse, 1973, 305n. Em muitos aspectos, esta é uma forma mais reveladora de expressar o relacionamento.

[vi]Este ponto é discutido em detalhes em Berthoud, 1977 : 90-92.

[vii]Já citei uma passagem de O Capital em que Marx descreveu um professor como um trabalhador produtivo.

[viii]Essa crítica de Poulantzas também é feita em Colliot-Thelene, 1977 : 126-27.

[ix]A discussão de Mandel sobre serviços também lida com a questão do consumo produtivo e improdutivo – ou seja, com o papel de vários setores da economia na reprodução do capital. Não pretendo considerar esta questão espinhosa aqui. No entanto, deve ser assinalado que Marx via isso como uma questão completamente diferente daquela do trabalho produtivo e improdutivo. (Marx, 1976 :.139-40; Marx, 1973  : 306n).

[x] A categoria de “trabalhadores de serviços” é extremamente vaga, como o próprio Mandel apontou, muitos dos chamados trabalhadores de serviços na verdade produzem uma mercadoria material – como, por exemplo, um funcionário do MacDonald’s. (Mandel 1978b : 44-45). A falha em reconhecer esse fato pode confundir ainda mais a questão sobre se os “serviços” podem ser produtivos.

[xi]A respectiva nota não foi publicada no texto original (N.T.)

[xii]A respectiva nota não foi publicada no texto original (N.T.)

[xiii]A respectiva nota não foi publicada no texto original (N.T.)

[xiv]A respectiva nota não foi publicada no texto original (N.T.)

[xv]A respectiva nota não foi publicada no texto original (N.T.)

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