Sobre Bruna Brelaz

John Wells, Quadro, 1956
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Por RODRIGO DE CARVALHO*

Comentário sobre o artigo opinativo de Luis Felipe Miguel

O professor Luis Felipe Miguel, sempre atento aos acontecimentos do Brasil e arguto analista dos meios de comunicação, comete alguns erros em seu artigo “Bruna Belaz”, publicado no site A Terra é Redonda, em 25 de outubro deste ano de 2021. Buscarei dialogar sobre o centro de uma divergência, por vezes saudável, por outras não tanto, que é a tática de enfrentamento ao governo Bolsonaro.

A primeira observação é o nome da referida presidente da UNE, a estudante de Direito Bruna Brelaz, já apresentada à correção no título desse artigo. Imagino que o professor Miguel tenha todo o cuidado em referir-se a seus alunos, não cometeria tal erro em sala de aula, como fez em seu artigo.

A estudante Bruna Brelaz não “costeia o alambrado”, frase de Brizola apossada pelo autor, tão pouco é oportunista, como ele se refere de modo inoportuno e deselegante. Sugestão professor: use menos adjetivos, eles podem parecer eficazes, mas na maioria das vezes exagera na interpretação textual.

A questão é a divergência sobre a tática para derrotar Bolsonaro e isso não seria merecedor de insultos, mas de amplo debate.

Na esquerda brasileira, e ela não é exclusiva ao enfrentamento deste governo, há uma diferença de posições. O PT, partido com muito força e influência, fez sua opção: enfrentar Bolsonaro nas urnas em 2022, um pouco adiante justificarei essa posição e suas consequências e isso é parte da explicação porque não se avança as manifestações pelo pedido de impeachment do presidente da República. Outro partido, o PSOL, prefere uma aliança apenas no campo da esquerda, é assim que se constituíram se diferenciando na própria esquerda. O PDT tem “um olho no peixe e outro no gato”, faz um esforço crítico à Bolsonaro e à Lula, sua motivação é deslocar o primeiro e enfrentar o segundo no Segundo Turno eleitoral. Outros partidos seguem a linha institucional de enfrentamento ao governo. O PCdoB, partido do qual Brelaz é filiada, levanta a necessidade de uma frente ampla, com todos os personagens, agentes políticos e sociais que defendem a democracia, em consonância e unidade por um objetivo: impedir Bolsonaro de continuar com sua política catastrófica afundando ainda mais o Brasil.

São visões distintas, frente de esquerda não é frente ampla, e frente ampla não é para as eleições de 2022, mas para a conjuntura política de 2021. Imagino que os leitores estejam, com razão, observando a defesa deste texto à construção de amplas parcelas da sociedade na defesa da democracia. E antes que se perguntem posso responder, a frente de esquerda também defende a democracia, não tenho dúvidas disso. Contudo, qual o modelo mais eficaz para derrotar Bolsonaro? Já digo, a esquerda sozinha não acumula forças suficientes, nem nas ruas e nem no Congresso Nacional, para esse enfrentamento.

A construção da frente ampla é difícil, complexa, exige despojamento das partes envolvidas. Essa, entre outros motivos, é a explicação porque não teremos (ao menos por enquanto) as condições para pautar o impeachment ou qualquer outra forma de interromper o governo.

A frente ampla é uma necessidade histórica, já a tivemos em alguns períodos importantes, como a derrota do nazi-fascismo em 1945 (digo no Brasil); a fase de redemocratização com a Anistia, o pluripartidarismo, as Diretas Já; a Constituição Federal de 1988 e o impeachment de Collor. Esses movimentos só foram possíveis por uma unidade comum, não em todas as pautas, mas nas fundamentais e conjunturais que seguiram seus períodos. Portanto, frente ampla já existiu e teve êxitos importantes.

As greves de 1978, 1979 e 1980, movimentos espontaneístas, nas palavras de Ricardo Antunes, foram importantes para a derrota da Ditadura Militar, mas não o suficiente. Uma soma de fatores permitiu virar essa página trágica da nossa História.

Digo isto, porque a leitura que muitos fazem sobre a atual conjuntura, pode incorrer em grave erro ao considerar que Lula, favorito, será capaz de derrotar, por si, essa onda ultraconservadora e neoliberal.

É notório que o PT pretende disputar as eleições de 2022 contra Bolsonaro em uma polarização política capaz de leva-los novamente ao poder. Por isso, de modo sutil, a direção petista tem tirado o pé das mobilizações pelo impeachment. Se Lula disputar contra outra candidatura que não seja Bolsonaro pode haver a chamada imprevisibilidade eleitoral e o risco de perder a eleição é maior.

Não se enganem aqueles que apostam numa frente de esquerda com Lula candidato, o petista buscará alargar suas alianças em todo Brasil para alcançar seu objetivo e se não o fizer, ficará mais distante da vitória eleitoral.

Justiça seja feita, Bolsonaro tem todos os crimes escancarados para sofrer o processo impeachment e não é somente a tática petista que impede esse movimento. Está no Parlamento o centro da resistência bolsonarista, acordos feitos para sustentação parlamentar do presidente.

A estudante Bruna Brelaz, ao ampliar seu leque de articulação e de aliados pontuais para enfrentar o mal maior (Bolsonaro) foi atacada de forma vil por segmentos sectários, tidos “guardiões da esquerda”, estes sim, oportunistas.

Professor Miguel, o senhor parece não ter visto nada demais nos ataques que moça sofreu, chega a dizer em “debate acalorado, com excessos eventuais”, nada mais errado, pois posso dizer ao senhor, foram ataques do mais baixo nível, com todas as questões apontadas pela presidente da UNE. Tudo o que o senhor possa imaginar, ameaça de violência física, impropérios machistas e misóginos, de cunho sexual, violência psicológica, racista e xenófoba. Peço que não menospreze os ataques à estudante, não naturalize o ódio, ele existe e há uma máquina digital que também funciona de modo ilegal e imoral na internet, patrocinada por setores escusos que supostamente atuam em “nosso campo”.

Derrotar Bolsonaro é tarefa primeira de qualquer pessoa comprometida com a democracia e ela não será feita por ações isoladas de grupos específicos da sociedade, tão pouco, será feita a partir de um líder carismático isolado.

P. S. Professor Luis Felipe Miguel (desculpe se não coloquei acento no i de Luis, porque assim estava na assinatura de seu artigo), o senhor não é o meu inimigo e tenho certeza que a estudante Bruna Brelaz também não é sua inimiga. O enfrentamento é ao outro lado. Ademais, professor, lançarei um livro sobre os governos Lula e a disputa pela hegemonia na sociedade. No momento oportuno faço questão de encaminhar um exemplar à vossa pessoa. Abraço fraterno!

*Rodrigo de Carvalho é doutor em ciências políticas pela PUC-SP e autor de A era Collor: da eleição ao impeachment (Anita Garibaldi).

 

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