Por CINTIA FRENCIA & DANIEL GAIDO*
O Dia Internacional da Mulher foi proclamado pela Segunda Conferência Internacional de Mulheres Socialistas. O convite à mesma já deixava claro seu caráter de classe
Em 1894, Clara Zetkin escreveu na revista das mulheres socialdemocratas um artigo polêmico contra as feministas alemãs, intitulado “Separação contundente” (Reinliche Scheidung), no qual argumentou que “o feminismo burguês e o movimento de mulheres proletárias são movimentos sociais fundamentalmente diferentes”. Segundo Zetkin, as feministas burguesas aspiravam conseguir reformas a favor do sexo feminino no marco da sociedade capitalista, através de uma luta entre os sexos e em contraste com os homens de sua própria classe, enquanto as trabalhadoras se esforçavam através de uma luta de classe contra classe, manifesto de uma luta conjunta com os homens de sua classe, para eliminar a sociedade capitalista.
Tendo como base tais princípios, Zetkin criou o movimento das trabalhadoras na Alemanha, que chegou a reunir 174.754 participantes em 1914, ano em que a circulação de seu jornal A igualdade (Die Gleichheit) alcançou o número de 124.000 exemplares.
Esta fortaleza ideológica e organizativa transformou o movimento de trabalhadores socialdemocratas alemães na coluna vertebral da Primeira Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em 1907, em Stuttgart, cidade de residência de Zetkin, e de onde se editava A igualdade. Em sua resolução final, tal conferência proclamou como sua principal demanda “o direito ao sufrágio universal da mulher para as mulheres adultas, sem limitação alguma no que se refere à propriedade, ao pagamento de impostos, ao grau de educação ou a qualquer outra condição que exclua aos membros da classe operária do exercício deste direito”, aclarando que “o movimento de mulheres socialistas tem como bandeira sua luta, não em aliança com as feministas burguesas, mas em associação com os partidos socialistas”.
O Dia Internacional da Mulher foi proclamado pela Segunda Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, celebrada em Copenhague, em 1910. O convite à mesma já deixava claro seu caráter de classe: “Convidamos urgentemente a todos os partidos socialistas e organizações de mulheres socialistas, assim como a todas as organizações de trabalhadoras baseadas no princípio da luta de classes a enviar suas delegadas, ou inclusive seus delegados, a esta conferência”.
O informe sobre as delegadas estadunidenses mencionava que o dia 28 de fevereiro de 1909 “deu lugar, pela primeira vez, para o Dia da Mulher”, um evento que despertou a atenção de nossos inimigos”. A delegada alemã Luise Zietz, seguindo o exemplo das socialistas norte-americanas, propôs então a criação de um “Dia Internacional da Mulher”, data que fosse celebrada anualmente. Sua proposta foi apoiada por sua companheira Clara Zetkin e por mais cem delegadas procedentes de dezessete países.
A resolução adotada sobre esta questão postulou: “De acordo com as organizações políticas e sindicais, que lutam pela consciência de classe do proletário de seus respectivos países, as mulheres socialistas de todas as nacionalidades devem organizar um Dia da Mulher (Frauentag) especial, no qual, acima de tudo, a propaganda do sufrágio feminino é um compromisso a ser promovido. Esta demanda obrigatoriamente deve ser vinculada a qualquer outra demanda da mulher, segundo a concepção socialista”.
Assim, a “introdução do sufrágio feminino” foi colocada na resolução de Copenhagen pelas mulheres socialistas no contexto da legislação protetora das trabalhadoras, da assistência social para mulheres e filhos, da igualdade de trato das mães solteiras, da provisão de creches e jardins de infância, da provisão de alimentação gratuita e educação de qualidade nas instituições escolares e da solidariedade internacional. Sob esse panorama, ficou claro que nas suas origens, o Dia Internacional da Mulher era o dia da mulher trabalhadora, que tinha como objetivo imediato o sufrágio universal feminino, mas só como meio para um outro fim: o triunfo do socialismo.
No entanto, o primeiro Dia Internacional da Mulher não foi celebrado em 8 de março, mas sim em 19 de março de 1911. A data foi eleita para também lembrar a Revolução de 1848 em Berlim, já que o dia anterior, 18 de março, estava dedicado para a homenagem dos “caídos de março”.
Com a frase de protesto “Sufrágio feminino já”, mais de um milhão de mulheres saíram às ruas da Alemanha pedindo a igualdade social e política. “Nosso dia de março”, reivindicava o chamado publicado no jornal A igualdade: “Companheiras, mulheres e meninas trabalhadoras, 19 de março é o vosso dia. É o vosso direito. Detrás de vossas demandas, está a Socialdemocracia, todos os trabalhadores organizados sindicalmente. As mulheres socialistas de todos os países são solidárias com vossa luta. 19 de março deve ser vosso dia de glória”.
O panfleto para participar dos atos do Dia da Mulher, encabeçado com a demanda “Sufrágio feminino já”, foi impresso e distribuído em uma edição de dois milhões e meio de cópias. Ante a iminente guerra mundial, o Dia Internacional da Mulher foi posto pelas socialistas desde o princípio sob o signo da luta contra o militarismo imperialista e pela preservação da paz. Neste dia, só na Alemanha, além de um milhão de mulheres organizadas do SPD (Partido Socialdemocrata) e dos sindicatos, muitas foram as mulheres não organizadas que fizeram parte dos eventos e manifestações. E não menos importante que o caráter massivo e internacional das manifestações que tiveram lugar durante o Dia Internacional da Mulher, foi o fato de que este evento esteve acompanhado de Assembleias Populares sobre Políticas Públicas de trabalhadoras (se contabilizaram 42 assembleias somente em Berlim), nas quais a “livre discussão” era a principal condição que exigia as trabalhadoras.
Além da Alemanha, o Dia da Mulher se celebrou, em 1911, ainda que em dias diferentes, nos Estados Unidos, Suíça, Dinamarca e Áustria. Até a Primeira Guerra Mundial se somaram França, Holanda, Suécia, Rússia e também a Boêmia. Na Alemanha, o segundo Dia Internacional da Mulher foi comemorado no dia 12 de maio de 1912.
A prática de celebrar o Dia Internacional da Mulher em 8 de março só passou a fazer parte do calendário a partir de 1914, quando um famoso cartaz “Dia da Mulher / 8 de março de 1914 – Sufrágio Feminino Já” – no qual uma mulher vestida de preto agita uma bandeira vermelha – se configurou no primeiro cartaz que conecta as mulheres com esta data. Na Alemanha, a peça não pode ser colada ou fixada em lugar algum, nem distribuída publicamente, devido à proibição da polícia. Ainda assim, transformou-se em um emblema, uma ação de massa contra a guerra imperialista, instalada três meses mais tarde.
A instauração do “8 de Março” como Dia Internacional da Mulher teve como função homenagear um dos eventos mais importantes na história, a Revolução Russa de Fevereiro de 1917 – o 23 de fevereiro no calendário juliano equivale ao 8 de março no calendário gregoriano. Em tal ocasião, as trabalhadoras russas tiveram um papel de vanguarda fundamental contra a oposição de todos os partidos, incluindo aos bolcheviques, quando transformaram à manifestação do Dia Internacional da Mulher numa greve geral que acabou por levantar todos os trabalhadores de Petrogrado e deu início à Revolução Russa.
Com o anúncio do início da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, foi anunciada também uma nova era no desenvolvimento do movimento internacional das mulheres socialistas. Toda a Segunda Internacional – e, portanto, também, a Internacional de Mulheres Socialistas – se dividiu em seus componentes nacionais. Devido à política de paz social adotada pelo SPD e pela Comissão Geral de Sindicatos Alemães, afiliada a ele, as manifestações críticas já não eram tão bem-vindas. O Dia Internacional da Mulher acabou por ser proibido na Alemanha pelas autoridades oficiais, e os eventos, que só puderam acontecer de maneira ilegal, tiveram inúmeras represálias da parte do governo e da polícia.
Meses depois, a princípios de novembro, Clara Zetkin redigiu um chamamento intitulado “Às mulheres socialistas de todos os países”, no qual se pronunciou decididamente contra a guerra e pelas ações ampliadas de paz, e ainda no marco desta oposição à barbárie imperialista, celebrou-se no ano seguinte, em abril de 1915, a terceira e última Conferência de Mulheres Socialistas, em Berna, na qual foi proclamado o princípio internacionalista “guerra a guerra”.
Após o colapso do segundo Império Alemão e a conformação de conselhos (räte) de operários e soldados em todas as partes da Alemanha, em novembro de 1918, a burguesia fez um giro de 180 graus em sua política e resolveu abraçar os princípios da democracia, antes abandonados em favor de uma aliança com a monarquia. Em razão disso, outorgou o direito ao sufrágio para as mulheres, contrapondo a assembleia constituinte reunida em Weimar e o parlamento aos soviets de delegações operárias. Tal política de contrarrevolução democrática foi levada adiante pelo dirigente sociodemocrata Friedrich Ebert, primeiro presidente da República de Weimar, a quem o historiador Carl Schorske chamou de “o Stalin da revolução alemã”. Tal manobra fez que a demanda do sufrágio universal feminino, adotada pelo movimento operário revolucionário com um caráter transicional em direção ao socialismo, fosse transformada em uma barreira para a revolução pela burocracia partidária e sindical do próprio PSD.
Dado que o Dia Internacional da Mulher era uma tradição que tinha origem na ala esquerda do movimento das mulheres proletárias, a direção do Partido Socialdemocrático da Alemanha decidiu que deixaria de celebrar a data de 8 de março, com o argumento de que já se havia conquistado o objetivo da criação deste dia, com a introdução do voto feminino. Nesta briga de foices, o Partido Comunista, pelo contrário, adotou o Dia Internacional da Mulher sob a consigna de “Todo o poder aos conselhos! Todo o poder para o socialismo!”.
Apenas em junho de 1921, com a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, presidida por Clara Zetkin, em Moscou, que o futuro do Dia Internacional da Mulher pode ser decidido: este se manteria em todo o mundo no dia 8 de março. As celebrações do Dia Internacional da Mulher foram instituídas com regularidade desde então em muitos países, uma tradição que continua até hoje.
*Cintia Frencia é professora de história contemporânea na Universidade Nacional de Córdoba (Argentina).
*Daniel Gaido é professor de história contemporânea na Universidade Nacional de Córdoba.
Tradução: Ellen Maria Vasconcellos para a revista Cult.