Por GONZALO LIRA*
Trata-se de uma clássica guerra por procuração e a Ucrânia pagará o preço
Recapitulação rápida para aqueles que não estão acompanhando o que tem acontecido na Ucrânia, mas querem entender: 24/02, os russos invadiram do sul, sudeste, leste e norte, numa campanha relâmpago. Os russos invadiram com 190 mil soldados – contra 250 mil tropas de combate da Ucrânia.
A Rússia colocou 30 mil soldados perto de Kiev – longe de ser o suficiente para capturar a cidade, mas o suficiente para prender cerca de 100 mil defensores das Forças Armadas da Ucrânia. A Rússia também lançou vários eixos de ataque, com reforços em prontidão (incluindo uma famosa coluna de tanques de 40 km de comprimento), para ver onde poderiam ser necessários.
O fundamental é que a blitz russa em vários eixos preveniu uma iminente blitzkrieg ucraniana. As Forças Armadas da Ucrânia estiveram prestes a invadir o Donbas. Esta era a motivação imediata para a invasão russa: para vencê-los com um soco e sabotar a iminente invasão ucraniana – o que fizeram.
Além disso, ao atacar do norte e do sul, os russos interromperam a cadeia de fornecimento de armas da OTAN. Se a Rússia só tivesse atacado no leste para evitar a invasão do Donbas pelas Forças Armadas da Ucrânia, haveria um corredor aberto para reabastecimento a partir do oeste. Ameaçando Kiev, isso parou. Assim, as principais forças das Ucrânia ficaram retidas no leste do país, com o resto das forças isoladas e presas – sem reabastecimento fácil a partir do oeste. A Rússia então passou a atingir os elos de comando/controle e reabastecimento das Forças Armadas da Ucrânia, isolando e imobilizando ainda mais as forças ucranianas.
Os russos logo controlaram nominalmente terras do tamanho do Reino Unido na Ucrânia – mas era um controle tênue. O sul da Ucrânia estava mais completamente sob controle da Rússia. As Forças Armadas da Ucrânia em torno de Kherson simplesmente dispersaram-se. Mariupol tornou-se um claro campo de batalha, assim como o próprio Donbas.
Fazer curto-circuito na iminente invasão de Donbas – o que fizeram. Assustar o regime Zelensky para negociar um acordo político – o que não conseguiram fazer.
Kiev não tinha intenção de negociar um cessar-fogo devido às ordens dadas a eles por Washington: “lutar contra a Rússia até o último ucraniano!”. Além disso, os capangas neonazistas ao redor de Volodymyr Zelensky o ameaçaram caso ele negociasse e se rendesse porque eles estão aterrorizados com os russos.
Assim, Volodymyr Zelensky lançou uma campanha massiva de relações públicas e propaganda, principalmente para motivar as forças das Ucrânia a lutar até a morte. Mitos foram criados (o Fantasma de Kiev), ataques de falsa bandeira foram realizados (Bucha, Kramatorsk) e histórias implacáveis da mídia foram implacavelmente açoitadas.
Os russos continuaram negociando e tentando não destruir a infraestrutura da Ucrânia. Na verdade, no início, eles estavam até tentando minimizar as baixas das Forças Armadas da Ucrânia. A evidência disso é avassaladora: a Rússia não atingiu a infraestrutura civil – água, eletricidade, telefone, transporte. Eles não atingiram os quartéis das Forças Armadas da Ucrânia, centros de comando, prédios governamentais, etc.
A prioridade inicial dos russos era um acordo negociado. Mas, no final de março, eles perceberam que isto era impossível. Foi por isso que a Rússia se retirou de Kiev. Não fazia sentido colocar homens perto da cidade quando eles não estavam fazendo o que deveriam fazer – exercer pressão política sobre o regime de Volodymyr Zelensky para negociar. Esta retirada foi reivindicada como uma “vitória” na “Batalha de Kiev”!
A partir do final de março, os russos recuaram e solidificaram seu controle sobre a área que haviam capturado, cedendo para as Forças Armadas da Ucrânia as áreas que ou eram inúteis ou potencialmente muito caras para controlar. A máquina de propaganda da Ucrânia chamou todos esses recuos de “vitórias”.
Ainda havia um vislumbre de que a guerra poderia terminar em um acordo negociado, mas que acabou no início de abril. Após as conversas de Istambul em 30 de março, o lado ucraniano concordou cautelosamente com alguns compromissos, mas em uma semana desautorizou publicamente essas concessões.
Foi quando os russos perceberam que o regime de Volodymyr Zelensky era inapto para acordos: seus mestres de Washington, Victoria Nuland e Anthony Blinken em particular, não permitiriam a paz. Eles querem que esta guerra enfraqueça a Rússia. É uma clássica guerra por procuração e a Ucrânia pagará o preço.
Algo mais que os russos perceberam: sanções. Elas machucaram, mas a Rússia deu a volta por cima com notável rapidez. Na verdade, elas não machucaram tanto assim. Mas o roubo dos 300 bilhões de dólares em reservas estrangeiras da Rússia pelo Ocidente machucou – muito. Os russos perceberam que estavam numa guerra total com o Ocidente e, como suas reservas estrangeiras foram perdidas para sempre (provavelmente para serem roubadas por políticos ocidentais corruptos), os russos agora não têm mais nada a perder. Ao roubar suas reservas, o Ocidente perdeu todo o poder sobre a Rússia.
Isto selou o destino da Ucrânia: os russos agora não têm nenhum incentivo para desistir do que conquistaram. Isso custou-lhes muito em termos de homens e riquezas. E eles sabem que não podem negociar um cessar-fogo. O regime de Volodymyr Zelensky irá simplesmente rompê-lo mais adiante.
Os russos pretendem conquistar e anexar permanentemente todo o sul e leste da Ucrânia. É por isso que sua estratégia no campo de batalha mudou drasticamente: agora eles estão levando a cabo uma lenta e metódica trituração e destruição das Forças Armadas da Ucrânia.
A guerra nos primeiros 30 dias foi rápida, com simulações, capturando nominalmente vastas porções do território ucraniano, com o objetivo de pressionar o regime de Zelensky para um acordo negociado. Mas a total ruptura financeira e política do Ocidente com a Rússia significa que eles não têm nada a perder. E eles têm muito a ganhar: o Donbas é rico em minerais, as terras agrícolas realmente produtivas da Ucrânia estão no leste e no sul, Carcóvia é uma grande cidade industrial, o mar de Azov tem reservas incalculáveis de gás natural. E, ao lado disso, o povo os ama. Por que os russos desistiriam agora deste prêmio tão duramente conquistado?
E eles ganharam – não se enganem. Pergunte a qualquer militar que não seja um porco do sistema, e ele lhe dirá: não há como as Forças Armadas da Ucrânia reconquistar seu país. Eles não têm blindados, não têm defesa aérea, não têm combustível, não têm comunicações – acabou.
A grande tragédia é que muitos milhares de jovens morrerão, e morrerão desnecessariamente, a fim de adiar o inevitável. Estes corajosos rapazes terão lutado tão valentemente – e morrido tão jovens, tão cruelmente – por causa da maldade do regime de Zelensky. Essa é a dura verdade.
E, no final, este será o mapa que permanecerá – uma imagem amarga do futuro da Ucrânia. A Rússia despejará bilhões em seu território recém-adquirido. Ela prosperará e florescerá. Mas o estado remanescente da Ucrânia será deixado pobre, destruído, esquecido. Uma tragédia.[1]
*Gonzalo Lira é romancista e cineasta. Autor, entre outros livros, de Counterparts (Putnam and Sons).
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Nota
[1] Complementação por Bernhard Horstmann (também conhecido como Moon of Alabama) desta recapitulação: “Eu concordo com o acima exposto, exceto por dois pequenos detalhes. A mudança em Kiev não teve como objetivo dificultar o reabastecimento das tropas ucranianas no Donbas, mas “corrigir” o potencial de reforço em torno da capital. Isso permitiu às tropas russas abrir o corredor da Crimeia até a fronteira russa, bem como atravessar o Dnieper no sul e tomar Kherson. Esses foram os movimentos mais importantes para o desenvolvimento futuro da guerra.
Também não acredito que a Rússia “anexará” as áreas que está libertando do controle fascista. Uma vez libertado, o povo dessas áreas votará para tornar-se independente da Ucrânia, e as várias regiões, Donbas, Luhansk, Kherson, Odessa, formarão estados que se tornarão parte da República Federal da Nova Rússia. Esse país será reconhecido e apoiado pela Rússia e seus aliados”.