A linha golpista

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO*

Ofício do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, endossa as ameaças de Jair Bolsonaro

Há meses pairam dúvidas sobre a posição das forças armadas diante de eventual golpe ou tumulto antes ou depois das eleições. Agora, todas as dúvidas se dissiparam. Se levarmos em conta recente manifestação do ministro da Defesa ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o alinhamento daquelas com a linha golpista do presidente parece ter se consolidado.

Durante a Cúpula das Américas, em Los Angeles, no encontro com o presidente Joe Biden, o presidente brasileiro, com colinha na mão, clamava “queremos eleições limpas, confiáveis e auditáveis para que não sobre nenhuma dúvida depois sobre o pleito. Tenho certeza que ele será realizado nesse espírito democrático”.

Quase ao mesmo tempo, em Brasília, em ofício ao ministro presidente do TSE, Edson Fachin, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, endossava as ameaças de Bolsonaro dizendo: “não nos interessa concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores”. Essa desconfiança está somente na cabeça do presidente, do ministro e dos extremistas de direita, pois a maioria esmagadora das eleitoras e dos eleitores confiam nas urnas eletrônicas.

No ofício “técnico”, o general afirma “que até o momento, reitero, as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas por atenderem ao honroso convite do TSE para integrar a CTE (Comissão de Transparência das Eleições)”. Sob a alegação de que o TSE não promoveu uma discussão “técnica” das propostas dos militares. Nunca vi, em toda história da República desde 1988, ministros militares expressarem dor de cotovelo por não serem “prestigiados” por um tribunal superior. O papel precípuo do TSE não é de prestigiar qualquer segmento, a não ser o eleitorado.

E se o general achar que o ministro Edson Fachin não prestigia suficientemente o ego das Forças Armadas, o que vai fazer o ministro da Defesa? Cassar os ministros? Fechar o TSE? Na realidade, ao assumir todas as bandeiras negacionistas do presidente em relação às urnas eletrônicas, o ministro, numa linguagem melíflua, ensaia um “pronunciamento” bem no estilo das banana republics do continente em que militares dão ultimatos a cortes supremas.

Depois de ter voado 4034 quilômetros de Los Angeles a Orlando para uma motociata, retornado ao Brasil, o presidente dá imediatamente um reforço ao “pronunciamento” do ministro da Defesa. Bolsonaro atesta que o ofício da Defesa é “técnico”, que “não podemos ter eleição sob desconfiança” e que a Defesa levantou “centenas de vulnerabilidades” sobre a eleição.

Na especificação das propostas militares o ministro se alinha ainda mais com a desqualificação do TSE em curso pelo presidente da República ao pedir que o órgão facilite a auditoria das urnas pelos partidos políticos. Aliás, como defende o presidente: “o que completaria um rol de medidas aptas a aumentar a transparência do processo”. É exatamente o que se propõe o Instituto Voto Legal, uma empresa indicada pelo PL, partido de Bolsonaro, que para fiscalizar e auditar as eleições pretende alterar as regras do TSE.

No final do ultimato é invocado o mesmo trololó da necessidade do aprimoramento das urnas eletrônicas, “implicando, assim, que (sic) a adoção de medidas de aperfeiçoamento seja permanente e feita com máxima segurança, transparência e confiabilidade e possa ser auditável em todas as suas fases”. Evidentemente, com a implementação de todas as propostas feitas pelas Forças Armadas. O presidente ele mesmo não teria encontrado melhor formulação da linha golpista contra as eleições que, agora sabemos, as forças armadas aderem com entusiasmo.

Assustador, obsceno, patético. Pelo menos deve servir como alerta para que a OAB, ABI, ABC, SBPC, organizações da sociedade civil, sindicatos e centrais de trabalhadores, universidades, centros de pesquisa, associações patronais, candidaturas democráticas de todos os partidos à presidência e aos governos estaduais, abandonem a fantasia que as eleições de outubro vão transcorrer com tranquilidade e que as instituições vão funcionar. Ledo engano, não vão mesmo, a não ser provavelmente o Ministério Público Federal nos estados, o TSE, STF, alguns governos estaduais não bolsonaristas, o Senado talvez. Melhor todas e todos começarem a construir a resistência pacífica e competente ao golpe em preparação à vista de toda a sociedade.

*Paulo Sérgio Pinheiro é professor aposentado de ciência política na USP; ex-ministro dos Direitos Humanos; relator especial da ONU para a Síria e membro da Comissão Arns. Autor, entre outros livros, de Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935 (Companhia das Letras).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Eugênio Bucci Marilena Chauí Luís Fernando Vitagliano Ari Marcelo Solon André Singer Dennis Oliveira André Márcio Neves Soares Bruno Machado Marcelo Módolo Henri Acselrad Marcos Silva Paulo Nogueira Batista Jr Érico Andrade Rodrigo de Faria Liszt Vieira Valerio Arcary Sergio Amadeu da Silveira João Sette Whitaker Ferreira Denilson Cordeiro João Carlos Loebens Eleonora Albano Leda Maria Paulani José Geraldo Couto Celso Frederico Antonio Martins Lorenzo Vitral Paulo Martins Luiz Renato Martins Ronaldo Tadeu de Souza Ladislau Dowbor Julian Rodrigues Manchetômetro Priscila Figueiredo Atilio A. Boron Paulo Fernandes Silveira Jean Marc Von Der Weid Valerio Arcary Marcus Ianoni José Micaelson Lacerda Morais Alysson Leandro Mascaro Leonardo Sacramento Luiz Eduardo Soares José Dirceu Ricardo Abramovay Bruno Fabricio Alcebino da Silva Paulo Capel Narvai Carla Teixeira Ronald Rocha João Carlos Salles Celso Favaretto Lucas Fiaschetti Estevez Luiz Werneck Vianna Caio Bugiato Manuel Domingos Neto Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Daniel Costa Fábio Konder Comparato Leonardo Avritzer Andrew Korybko Vladimir Safatle José Costa Júnior Renato Dagnino Marcelo Guimarães Lima Vanderlei Tenório Carlos Tautz Sandra Bitencourt Henry Burnett Armando Boito Airton Paschoa Everaldo de Oliveira Andrade Heraldo Campos João Feres Júnior Alexandre Aragão de Albuquerque Chico Whitaker João Adolfo Hansen Afrânio Catani Tadeu Valadares Slavoj Žižek Eugênio Trivinho Jean Pierre Chauvin Matheus Silveira de Souza Alexandre de Lima Castro Tranjan Michael Roberts Gabriel Cohn Francisco Pereira de Farias Marjorie C. Marona Fernão Pessoa Ramos Salem Nasser Vinício Carrilho Martinez Maria Rita Kehl Anselm Jappe Michael Löwy Tarso Genro Leonardo Boff Bernardo Ricupero Francisco Fernandes Ladeira Claudio Katz Marilia Pacheco Fiorillo Osvaldo Coggiola Chico Alencar Samuel Kilsztajn Fernando Nogueira da Costa Eleutério F. S. Prado Andrés del Río Lincoln Secco Rubens Pinto Lyra Juarez Guimarães Rafael R. Ioris Benicio Viero Schmidt Bento Prado Jr. Otaviano Helene José Raimundo Trindade Jorge Luiz Souto Maior Luis Felipe Miguel Milton Pinheiro Gerson Almeida Eliziário Andrade Antônio Sales Rios Neto Tales Ab'Sáber Remy José Fontana Flávio R. Kothe Luciano Nascimento Francisco de Oliveira Barros Júnior Boaventura de Sousa Santos José Luís Fiori João Paulo Ayub Fonseca Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ricardo Musse Dênis de Moraes Luiz Marques Ricardo Fabbrini Walnice Nogueira Galvão Ricardo Antunes Kátia Gerab Baggio João Lanari Bo Mariarosaria Fabris Ronald León Núñez Alexandre de Freitas Barbosa Daniel Afonso da Silva Annateresa Fabris Gilberto Maringoni Gilberto Lopes Igor Felippe Santos Yuri Martins-Fontes Thomas Piketty Mário Maestri Flávio Aguiar Elias Jabbour Jorge Branco Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Sérgio Pinheiro Marcos Aurélio da Silva Daniel Brazil Antonino Infranca José Machado Moita Neto Luiz Roberto Alves Michel Goulart da Silva Berenice Bento Eduardo Borges Luiz Bernardo Pericás

NOVAS PUBLICAÇÕES