Pautas incômodas

Imagem: Josh Hild
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Por PAULA QUENTAL*

De “blogs sujos” a ativistas digitais progressistas

No livro recém-lançado De Lula a Bolsonaro: combates na internet (Kotter editorial), o jornalista Rodrigo Vianna recupera um pouco da história do movimento de blogueiros progressistas que, a partir de 2010, ocupou espaço importante no debate político brasileiro. Não foi pouca coisa, num país em que a democratização da mídia está na Carta de 1988, mas é letra “quase morta”, à espera da regulamentação. Não há espaço para vozes dissonantes e a mera menção a se criar regras para tornar o ambiente informativo mais plural gera críticas, com acusações de “censura!!!”, por parte dos veículos da grande imprensa. Todos pertencentes a grupos empresariais de propriedade de poucas e abastadas famílias. Um poder, de fato, desproporcional.

Pois um punhado de blogs e de ativistas digitais ousou furar o bloqueio conservador da mídia e sua tática do “silenciamento” (de temas e personagens que contrariam os interesses das classes dominantes, dos quais são porta-vozes, como bem explica a linguista Eliara Santana). Nomes como o próprio Rodrigo Vianna, Luiz Carlos Azenha, Luís Nassif, Maria Frô, Cynara Menezes, Conceição Lemes, Eduardo Guimarães, Fernando Brito, Miguel do Rosário, Paulo Henrique Amorim, entre outros, foram pioneiros nessa guerrilha de informação na internet e trouxeram à luz algumas pautas incômodas.

O baque foi sentido e, ainda em 2010, o candidato a presidente da República pelo PSDB José Serra reagiu batizando as iniciativas de “blogs sujos”. Sem se dar conta, como afirma Rodrigo Vianna, Serra foi “padrinho involuntário do movimento”, e o apelido adotado com bom humor pelos blogueiros, boa parte frequentadora do restaurante Sujinho, em São Paulo. O primeiro Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais (#BlogProg) foi naquele mesmo ano, no Sindicato dos Engenheiros, na capital paulista. A sétima edição ocorreu nos últimos 22, 23 e 24 de julho, na cidade de Maricá, no litoral norte do Rio de Janeiro, no charmoso Cine Teatro Henfil, após um intervalo de quatro anos.

Uma empreitada levada adiante, apesar de todas as dificuldades, financeiras e do ambiente político adverso, pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Cerca de 100 jornalistas, comunicadores e midiativistas participaram presencialmente a cada dia, representando 21 estados, segundo o balanço feito por Cido Cidoli, um dos organizadores. Nesses 12 anos que separam a primeira e a sétima edição do #BlogProg o país mudou de uma maneira tão impressionante que a palavra a que muitos ocorre para definir o que vivemos hoje é distopia.

Não por acaso, as mesas tiveram temas como “Civilização ou barbárie: o que está em jogo na eleição” e “Como enfrentar a guerra suja da campanha eleitoral”. Tentaram responder a essas questões, entre outros, o(a)s jornalistas Hildegard Angel, Maria José Braga (presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Fenaj), Octávio Costa (presidente da Associação Brasileira de Imprensa, ABI), Beth Costa (do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, FNDC), Renata Mielli, do Barão de Itararé, Eliara Santana e Letícia Sallorenzo, estas duas últimas também linguistas.

Participaram dos debates, ainda, os não-jornalistas, mas comunicadores, Sergio Amadeu, professor da UFABC, criador e apresentador do podcast Tecnopolítica, e Guilherme Terreri, professor, conhecido pela personagem Rita Von Hunty, estrela do programa do YouTube Tempero drag. E, como não poderia deixar de ser, representantes de movimentos sociais, entre eles Gilmar Mauro, coordenador do MST, que fez uma análise certeira da conjuntura econômica e política, e Txai Suruí, ativista do povo Paiter Suruí, em Rondônia. A fala potente da indígena de apenas 25 anos ecoou no auditório, tomado por silêncio indignado: “Falar de barbárie para os povos indígenas é falar de realidade. A gente vive a barbárie todos os dias”.

Maria José Braga da Fenaj, a Zequinha, lembrou que a “guerra suja” que vivemos no Brasil é tanto institucional, pelo aparelhamento e enfraquecimento das instituições democráticas, como comunicacional, com as redes sociais como espaços “mais de adesão do que de reflexão”. “Precisamos, sem abandonar o ativismo, chamar a atenção para os dispositivos dialógicos, fazer efetivamente o debate público”, conclamou.

Sérgio Amadeu pôs o dedo na ferida e explicou como aquele sonho de liberdade que embalava a blogosfera nos primórdios da internet, nos anos 1990, virou o ambiente atual, dominado “por sítios de acesso verticais controlados por sistemas automatizados”. Reinado dos tais algoritmos.

Segundo Sérgio Amadeu, as plataformas on-line, em especial as redes sociais, transformaram-se em “centros obrigatórios” que interferem em toda a comunicação, “modulando o nosso comportamento, controlando a visualização e a frequência com que os conteúdos são postados, para cada um de nós”. Enfim, a rede pode até ser distribuída, mas não é democrática. Ele observou, ainda, que muitos pesquisadores relacionam o avanço da internet com o avanço da doutrina neoliberal. E que, por isso, se chegou a esse modelo ultra desregulamentado nas redes, que favorece a concentração do poder. “As plataformas têm que se submeter às regras da democracia”, defendeu.

A regulamentação das plataformas digitais internacionais, que pode incluir a luta por sua taxação, por exemplo, é uma atualização da pauta do ativismo representado pelo #BlogProg. O que não quer dizer que a velha questão da democratização da comunicação envolvendo os meios tradicionais, como jornais, rádio e TV, não seja fundamental. Como lembrou Beth Costa, “desde a Constituinte de 1988 nós estamos brigando pela regulação da mídia”. E a luta continua.

Na “Carta de Maricá”, documento resultante do encontro, os participantes ressaltaram que a “comunicação deve ocupar papel central no projeto político de um novo governo progressista”. Não há dúvida quanto à importância deste ponto. É mais do que conhecido o papel dos meios de comunicação e das redes sociais no golpe de 2016 e na ascensão do atual governo de extrema direita.

A “Carta de Maricá”, além disso, atualiza o rol de atores envolvidos no ativismo digital, muito mais amplo do que em anos passados, com a inclusão, por exemplo, de canais de YouTube, sites, ativistas independentes que produzem vídeos/textos/podcasts mesmo sem páginas estabelecidas. Assim, ficou decidido que o encontro adotará daqui em diante o nome de “BlogProg – Movimento de Comunicador@s e Ativistas Progressistas”. Mas a história corajosa e pioneira dos blogueiros, essa vai ficar registrada para sempre.

*Paula Quental, jornalista, é mestranda em Culturas e Identidades Brasileiras no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.

Publicado originalmente no site Brasildebate.

 

Referência


https://baraodeitarare.org.br/site/noticias/sobre-o-barao/canal-do-barao-transmite-ao-vivo-o-7-encontro-nacional-de-blogueiros-e-ativistas-digitais

 

 

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