EUA – da frustação ao desespero

Imagem: Rodolfo Clix
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Por DOUGLAS MACGREGOR*

A Rússia não entrou em colapso internamente nem capitulou às demandas coletivas do Ocidente por uma mudança de regime

Até decidir confrontar Moscou com uma ameaça militar existencial na Ucrânia, Washington limitou o uso do seu poderio militar a conflitos que os Estados Unidos não tinham como perder: guerras com oponentes fracos do mundo em desenvolvimento, de Saigon a Bagdá, que não representavam, por si mesmas, uma ameaça existencial que pesasse sobre as forças americanas ou seu território. Desta vez, com uma guerra por procuração com a Rússia, é diferente.

Ao contrário das esperanças e expectativas iniciais da Beltway, a Rússia não entrou em colapso internamente nem capitulou às demandas coletivas do Ocidente por uma mudança de regime. Washington subestimou a coesão social da Rússia, seu potencial militar latente e sua relativa imunidade às sanções econômicas ocidentais.

Como resultado, a guerra por procuração de Washington contra a Rússia está falhando. O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, foi extraordinariamente sincero sobre a situação na Ucrânia quando disse aos aliados na Alemanha, na Base Aérea de Ramstein, em 20 de janeiro: “Temos uma janela de oportunidade aqui, entre agora e a primavera”, admitindo: “Isso não é muito tempo”.

Alexei Arestovich, conselheiro recém-demitido do presidente Volodymyr Zelensky e “Spinmeister” (“marqueteiro do regime”) informal, foi mais direto. Ele expressou suas próprias dúvidas de que a Ucrânia possa vencer o conflito contra a Rússia e agora questiona até mesmo se o país sobreviverá à guerra. As perdas ucranianas – pelo menos 150.000 mortos, incluindo 35.000 desaparecidos em ação e presumivelmente mortos – enfraqueceram profundamente as forças ucranianas, resultando em uma frágil postura militar defensiva que, provavelmente, se quebrará sob o peso esmagador do ataque das forças russas nas próximas semanas.

As perdas de material da Ucrânia são igualmente severas. Isso inclui milhares de tanques e veículos blindados de combate de infantaria, sistemas de artilharia, plataformas de defesa aérea e armas de todos os calibres. Esses totais incluem o equivalente a sete anos de produção do míssil Javelin. Em um cenário em que os sistemas de artilharia russos podem disparar, por dia, quase 60.000 tiros de todos os tipos – foguetes, mísseis, drones suicidas e munição convencional –, as forças ucranianas são pressionadas a responder a essas salvas russas com 6.000 tiros diários. Novas plataformas e pacotes de munição para a Ucrânia podem enriquecer o complexo industrial-militar e os políticos norte-americanos, mas não podem mudar esse cenário.

Previsivelmente, a frustração de Washington com o fracasso coletivo do Ocidente em conter a maré da derrota ucraniana está crescendo. Na verdade, a frustração está rapidamente dando lugar ao desespero.

Michael Rubin, ex-funcionário de George Bush (pai) e ávido defensor dos conflitos eternos dos Estados Unidos no Oriente Médio e no Afeganistão, expressou sua exasperação em um artigo recente, em que afirma que, “se o mundo permitir que a Rússia continue como um Estado unitário e se permitir que o putinismo sobreviva a Putin, então, a Ucrânia deve ser subsidiada em sua capacidade de dissuasão nuclear, independentemente de ingressar ou não na OTAN”. À primeira vista, a sugestão é sobejamente temerária. No entanto, uma declaração como essa reflete, com precisão, o grau de ansiedade que tomou os círculos de Washington diante da inevitável derrota ucraniana.

Os membros da OTAN nunca estiveram decididamente unidos por trás da cruzada de Washington para enfraquecer a Rússia de forma fatal. Os governos da Hungria e da Croácia agora simplesmente estão reconhecendo seja a oposição do público europeu em geral à guerra com a Rússia, seja a falta de apoio ao desejo de Washington de adiar a previsível derrota da Ucrânia.

Embora simpatizasse com o povo ucraniano, o governo alemão não apoiava uma guerra total com a Rússia, em nome da Ucrânia. Agora, os alemães também estão inquietos com as condições catastróficas das suas forças armadas. O brigadeiro reformado da Força Aérea Alemã, Harald Kujat, ex-presidente do Comitê Militar da OTAN, criticou severamente o governo alemão por permitir que Washington conduzisse seu país ao conflito com a Rússia, observando que várias décadas de líderes políticos alemães desarmaram ativamente a Alemanha e, assim, privaram Berlim de autoridade ou credibilidade na Europa. Embora ativamente reprimidos pelo governo alemão e pela mídia, seus comentários estão repercutindo de forma considerável entre o eleitorado alemão.

O fato contundente é que, em seus esforços para garantir a vitória na sua guerra por procuração com a Rússia, Washington ignora a realidade histórica. A partir do século XIII, a Ucrânia foi uma região dominada por alguma potência nacional maior e mais poderosa, seja ela lituana, polonesa, sueca, austríaca ou russa. No rescaldo da Primeira Guerra Mundial, projetos poloneses abortados de um Estado ucraniano independente foram concebidos para enfraquecer a Rússia bolchevique [Davies, Norman. 1972. White Eagle, Red Star: The Polish-Soviet War 1919-1920 and The Miracle on the Vistula. St. Martin Press]. Hoje, a Rússia não é comunista, nem Moscou busca a destruição do Estado polonês como Trotsky, Lênin, Stalin e outros defendiam em 1920. Então, para onde Washington que ir com sua guerra por procuração contra a Rússia? Vejamos.

No domingo, 7 de dezembro de 1941, o embaixador dos Estados Unidos Averell Harriman estava com o primeiro-ministro Sir Winston Churchill, jantando na casa do premiê, quando a BBC transmitiu a notícia de que os japoneses haviam atacado a base naval dos Estados Unidos em Pearl Harbor. Averell Harriman ficou visivelmente chocado. Ele tão apenas repetiu as palavras: “os japoneses atacaram Pearl Harbor” [Isaacson, Walter & Thomas, Evan. 1986. The Wise Men: Six Friends and the World They Made. Simon & Schuster]. Mas Averell Harriman não precisava ter se surpreendido. O governo de Franklin Roosevelt fez praticamente tudo ao seu alcance para incitar Tóquio a atacar as forças americanas no Pacífico, com uma série de decisões políticas hostis, que culminaram no embargo de petróleo por parte de Washington durante o verão de 1941.

Na Segunda Guerra Mundial, Washington teve sorte com o timing e com os aliados. Desta vez é diferente. Washington e seus aliados da OTAN estão defendendo uma guerra total contra a Rússia, a devastação e dissolução da Federação Russa, bem como a destruição de milhões de vidas na Rússia e na Ucrânia.

Washington se entrega ao histrionismo. Washington não pensa. E também é abertamente hostil à empiria e à verdade. Nem os Estados Unidos nem seus aliados estão preparados para travar uma guerra total com a Rússia, regional ou globalmente. No entanto, se estourar uma guerra entre a Rússia e os Estados Unidos, ninguém deve se surpreender como o embaixador Averell Harriman.

*Douglas MacGregor é coronel da reserva dos Estados Unidos. Foi assessor militar do ex-presidente Donald Trump.

Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.

Publicado originalmente no portal The American Conservative.

 

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