Conferência LGBTI

Imagem: Markus Spiske
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Por JULIAN RODRIGUES*

O Estado brasileiro não institucionalizou o tema dos direitos LGBTI. O atual governo pode dar um passo fundamental convocando a IV Conferência

Companheiro Luis Inácio Lula da Silva:

Tenho certeza de que o senhor ainda guarda na memória lembranças daquela noite linda de 5 de junho de 2008. Por várias vezes, o senhor se referiu ao simbolismo e à forte emoção daquele evento.

Pela primeira vez na história do Brasil (e do mundo!) um presidente da República abriu uma Conferência popular/governamental com cerca de mil participantes – destinada a construir políticas públicas de enfrentamento à discriminação e à violência contra a população de às lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e de todas as pessoas discriminadas em virtude de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero.

Na foto mais icônica daquela noite o senhor abre uma pequena bandeira do arco-íris ao lado das queridas e saudosas Dona Marisa e Fernanda Benvenutty. Deve ter sido a primeira vez que um presidente da República ficou tanto tempo ao lado de uma travesti em uma cerimônia pública.

As políticas LGBT do seu governo vinham desde de 2004 sob a coordenação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, dirigida pelo gigante Nilmário Miranda lançou o “Brasil sem homofobia” (primeiro programa transversal de políticas de promoção dos direitos LGBTI do país e do mundo!).

E viemos ganhando força.  Em 2009 seu governo criou a Coordenação de Políticas LGBT e em 2010 foi lançado o Plano Nacional de Promoção das Políticas LGBTI, ampliando e reforçando as pioneiras ações do Brasil sem Homofobia.

Foram muitos avanços e diálogos em seu governo. Não foi sem motivo que Toni Reis, um dos mais destacados e longevos líderes da luta LGBTI brasileira – em evento já no final de seu segundo governo, concedeu-lhe o carinhoso título de “Papai Noel das LGBTI”.

A II Conferência Nacional aconteceu em 2011, ainda surfando na onda de avanços que seu governo viabilizou. A terceira edição deu-se em abril de 2016.

Entretanto, ficamos com um gostinho amargo na boca. A valorosa camarada Dilma nunca gostou muito de Conferências – o senhor sabe. A presidenta não abriu nosso encontro. Além disso, a presidenta tinha falado aquela bobagem reacionária que entrou para a história: “não vai ser permitido, a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais; de nenhuma forma podemos interferir na vida privada das pessoas”.

Tudo bem, passo muito pano para grande Dilma em várias questões. Mas nunca entendi o passava na cabeça dela: será que visualizou as gay, sapas, travas invadindo casas, escolas e igrejas? Doutrinando inocentes heterozinhos e heterazinhas ao som de Glória Gaynor e Ana Carolina? Arrastando todas para uma sauna gay/bar de sapatão – com aqueles insuportáveis shows voz e violão?

Lula, Silvio e Simmy

Lulão acertou em cheio ao atribuir à Silvio Almeida (baita intelectual – mas sem experiência anterior em gestão pública) a missão de reconstruir a política de direitos humanos brasileira.

Mais do que isso: a espinhosa tarefa de liderar um amplo movimento ideológico-cultural-programático – de propaganda e disputa comunicacional antifascista. Humanista, progressista, antirracista, feminista, libertário. Não é pouca coisa depois da hecatombe reacionária que nos assolou nos últimos anos.

Silvio Almeida foi preciso: escalou a ativista paraense trans, gestora pública experiente, minha querida amiga Simmy Larrat como coordenadora das políticas LGBTI do recém recriado Ministério dos Direitos Humanos.

Simmy Larrat trabalhou na gestão municipal de Fernando Haddad implementando as políticas inovadoras que articulei e comecei a construir, principalmente o Transcidania. Tenho certeza queelaborar uma versão federal desse tão importante Programa, com caráter transversal e federativo (mas com desenho e financiamento do governo Lula) está entre as prioridades e da Simmy Larrat.

Portanto, embora a conjuntura continue muito difícil para avanços democráticos e consolidação de direitos – principalmente nos temas das mulheres, da igualdade racial, das LGBTI entre outros – estou muito otimista.

Presidente, Ministro e coordenadora têm todas as condições de recolocar a pauta LGBTI nas políticas públicas, reconstruindo e avançando.

De imediato, é preciso compor o Conselho, que é paritário entre governo e sociedade Civil e terá 38 membros – levando em conta não só a as diversidades presentes na sociedade civil. Sobretudo levantando as reais representatividades, históricos, a consistência político-intelectual das indicações das redes, grupos, coletivos. Um processo complexo que precisa dar espaço também para o novo ativismo das redes, para pesquisadores. Trazer gente dos setores LGBTI de movimentos outros como o MST, a CUT, a UNE.

Conferência, estrutura, plano e orçamento

As políticas públicas pró-direitos humanos, de promoção da igualdade racial, da afirmação da igualdade de gênero, de acessibilidade universal, dos direitos sexuais e reprodutivos e do enfrentamento à transfobia e homofobia são muito recentes em todos os níveis de governo. Embora tenhamos experiências importantes em alguns Estados e municípios, assim como nos governos federais petistas, o fato é que o Estado brasileiro, de conjunto não institucionalizou incorporou o tema dos direitos LGBTI.

As grandes conquistas da nossa população são fruto de decisões históricas e paradigmáticas da Suprema Corte. A união civil/casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizada em 2011.

Em 2018, o STF reconheceu o direito das pessoas trans alterarem seu registro civil. A equiparação legal da homofobia/transfobia ao crime de racismo – reivindicação principal do movimento LGBTI – foi decretada pelo Supremo em 2019.

Ou seja: o Brasil tornou-se um paraíso para as bichas, trans e lés. Antes fosse. Sem subestimar por um segundo a importância colossal da conquista de nossos direitos civis é preciso dizer que as vidas da maioria das LGBTIs seguem iguaizinhas às do povo brasileiro – e pioraram muito desde o golpe de 2016.

Estamos em abril. Está na hora de fazer o decreto chamando o processo de conferências LGBTI país afora – entre agosto e novembro. Etapas municipais, estaduais, temáticas, livres.

Texto base, debates, eleição de delegadas e delegados. Tudo com muito fervo – culminando na etapa nacional da Conferência que acontecerá na capital brasileira em dezembro. Claro que será aberta por Lulão – retomando o fio da história.

A Conferência Nacional deverá aprovar um Plano, diretrizes, ações e metas. Orientar o governo federal na criação de estruturas e na disponibilização dos recursos orçamentários que vão viabilizar as políticas de promoção da cidadania LGBTI. Começar tudo de novo.

A vantagem é que agora temos mais experiência, mais acúmulo teórico – e prático, mais visibilidade na mídia. Cresceu muito o número de Paradas LGBTI por todo o país, cresceu o número de militantes (principalmente jovens).

Portanto, para recomeçar de maneira sistemática o processo é necessário que Lulão e Sílvio Almeida convoquem logo a quarta edição da Conferência Nacional LGBTI. O Conselho Nacional deve ser o polo dessa construção. Primeiro passo: instituir uma Comissão Organizadora, talvez com dois fóruns, um mais amplo de caráter consultivo e outro restrito, executivo – que vai colocar a mão na massa.

A hora é agora, portanto.

Lula, Silvio e Simmy: convoquem as LGBTI para pensar, debater, elaborar, projetar. Ajudar apor de pé o novo arcabouço (surfando na onda) a estruturar os novos programas nacionais de enfrentamento à discriminação, antiviolência e pró-cidadania.

Nos vemos logo menos em Brasília – nessa delícia que há de ser a Quarta Conferência Nacional LGBTI.

*Julian Rodrigues, jornalista e professor, é militante do PT e ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos.

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