Pauta de costumes?

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

O termo “costumes” soa como algo individual, secundário, relativo. Compreensível que a mídia e os reacionários se manipulem o termo, mas não dá para aceitar é gente progressista usando a expressão

Por Julian Rodrigues*

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. (Rosa Luxemburgo)

Ao informar, em fevereiro, que o STF iria decidir sobre a “criminalização da homofobia”, o Estadão noticiou que se tratava de um assunto com potencial de operar colisão do Judiciário com o Congresso Nacional – pois seria o primeiro tema de uma lista da “pauta de costumes”.

O ex-presidente do Banco Central no governo FHC, Armínio Fraga, elogiou, em outubro, no Valor, a pauta econômica do governo Bolsonaro, mas criticou duramente sua “agenda de costumes”.

Em setembro, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, em entrevista à Folha, demarcou: “a pauta de costumes do governo Bolsonaro não vai sair do papel”.

O Congresso Nacional do PSDB aprovou um manifesto no início de dezembro, no qual crava: “consideramos que o governo – qualquer governo – não deve interferir em costumes”.

O presidente do Novo, em outubro, disse em entrevista à revista Exame, que a “pauta de costumes” é definição do cidadão, não imposição do Partido.

Bernardo Ricupero, em instigante artigo publicado no site A Terra é Redonda (https://aterraeredonda.com.br/notas-sobre-o-bonapartismo-o-fascismo-e-o-bolsonarismo/), diz que a centro-direita: “desenvolveu relação esquizofrênica com o governo [Bolsonaro]: defende o programa econômico, mas mostra reticência com a pauta de costumes”.

Comandante Zé Dirceu, que retoma o colunismo regular, publicou em sua mais recente coluna: “setores do chamado Centrão e da oposição liberal se opõem abertamente à agenda de costumes do presidente”.

Costumes?

Não consigo identificar exatamente a origem da expressão. Nem em que momento os temas da igualdade de gênero, da igualdade racial, dos direitos sexuais e reprodutivos, dos direitos humanos, das políticas afirmativas, do reconhecimento da diversidade foram comprimidos e reduzidos à “pauta de costumes”.

No dicionário, costume é equivalente a hábito (tipo: acordar cedo). Para o direito, parece que pode ser definido como uma “prática frequente”, confunde-se com o conceito de tradição.

O problema é que, sabe-se lá exatamente a razão, boa parte da imprensa conservadora (o que contaminou gente de esquerda), manipula o conceito de agenda ou pauta de “costumes”.

Uma vantagem imediata de usar essa expressão é não ter que explicar do que está se falando exatamente. Moda? Cultura? Gastronomia? Música? Linguagem? Outra facilidade é que não precisam se posicionar nem a favor nem contra. Afinal, “costumes”, soa como algo bem individual, secundário, relativo.

Compreensível que a mídia e os reacionários se manipulem o termo. O que não dá para entender, muito menos aceitar é gente progressista: intelectuais, ativistas, artistas, acadêmicos, militantes, usando a expressão.

Agenda de direitos

Não é tão trabalhoso. Nem tão difícil de entender. Ao invés de falar em “pauta de costumes”, basta dizer: “agenda de direitos”.

Embora não fique explícito, quando alguém saca o termo “agenda de costumes”, o que se fala, de fato, é de igualdade de gênero, de igualdade racial, de direitos LGBTI, de direitos civis, de direitos sexuais e reprodutivos, de reconhecimento da diversidade, de direitos humanos, afinal.

Ou seja: não tem nada de “costume”, de detalhes comportamentais ou culturais. Trata-se de DIREITOS. Da luta pelo fim da discriminação, das opressões. Do pleno reconhecimento dos direitos e da igualdade. Estamos falando da luta feminista e antirracista. E da jornada pelos direitos sexuais e reprodutivos. Pelo reconhecimento das minorias e de toda diversidade humana.

Toda vez que alguém usa o termo “pauta de costumes” a intenção é “passar um pano”, subestimar a luta das mulheres, negros e negras, LGBTI, jovens, periféricos, dissidentes. Ninguém está preocupado com hábitos individuais. O que queremos é reconhecimento de direitos. Construir um mundo sem opressão de nenhum tipo.

Assim, pactuemos: ninguém de esquerda usará o termo “costumes” quando for falar das pautas feministas, antirracistas, LGBTI, etc.

*Julian Rodrigues é jornalista e professor; ativista dos movimentos LGBTI e de Direitos Humanos.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Paulo Nogueira Batista Jr Ricardo Antunes José Dirceu Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Antonino Infranca Boaventura de Sousa Santos Rubens Pinto Lyra Andrew Korybko Bento Prado Jr. Plínio de Arruda Sampaio Jr. Antonio Martins Luiz Renato Martins Fábio Konder Comparato Daniel Brazil Thomas Piketty Ronaldo Tadeu de Souza Denilson Cordeiro Marilia Pacheco Fiorillo Luiz Eduardo Soares Berenice Bento Juarez Guimarães Caio Bugiato Ricardo Musse Bruno Fabricio Alcebino da Silva Lincoln Secco Manchetômetro Paulo Martins Alexandre Aragão de Albuquerque Chico Whitaker Kátia Gerab Baggio Osvaldo Coggiola Jorge Luiz Souto Maior Vanderlei Tenório Marjorie C. Marona Paulo Fernandes Silveira Andrés del Río Lorenzo Vitral João Lanari Bo José Raimundo Trindade Sergio Amadeu da Silveira Alysson Leandro Mascaro João Carlos Salles Rodrigo de Faria Leonardo Boff Luis Felipe Miguel André Singer Daniel Costa Vladimir Safatle Mário Maestri Samuel Kilsztajn Annateresa Fabris Heraldo Campos Eleonora Albano Francisco Pereira de Farias Airton Paschoa José Luís Fiori Chico Alencar Claudio Katz Ricardo Abramovay Slavoj Žižek Jean Pierre Chauvin Celso Frederico Luiz Marques Henry Burnett Alexandre de Freitas Barbosa Michael Roberts Marcelo Módolo Afrânio Catani Eliziário Andrade Lucas Fiaschetti Estevez Rafael R. Ioris Leda Maria Paulani Marcus Ianoni Salem Nasser Luiz Werneck Vianna Bruno Machado Paulo Sérgio Pinheiro Luís Fernando Vitagliano Tarso Genro Tadeu Valadares José Geraldo Couto Elias Jabbour Benicio Viero Schmidt Yuri Martins-Fontes Valerio Arcary Armando Boito Carla Teixeira Igor Felippe Santos Henri Acselrad Alexandre de Lima Castro Tranjan Marcos Aurélio da Silva Flávio Aguiar Otaviano Helene Mariarosaria Fabris José Costa Júnior Vinício Carrilho Martinez Bernardo Ricupero Anselm Jappe Érico Andrade João Adolfo Hansen Eleutério F. S. Prado Gilberto Maringoni Marilena Chauí Ladislau Dowbor Paulo Capel Narvai Francisco de Oliveira Barros Júnior José Machado Moita Neto Manuel Domingos Neto Gabriel Cohn Fernão Pessoa Ramos João Feres Júnior Antônio Sales Rios Neto Ronald León Núñez Luiz Bernardo Pericás Milton Pinheiro Sandra Bitencourt Gilberto Lopes Eugênio Trivinho Francisco Fernandes Ladeira Everaldo de Oliveira Andrade André Márcio Neves Soares Leonardo Avritzer Flávio R. Kothe Remy José Fontana Maria Rita Kehl Eduardo Borges Luciano Nascimento Ronald Rocha Fernando Nogueira da Costa Ari Marcelo Solon José Micaelson Lacerda Morais Priscila Figueiredo Luiz Roberto Alves Eugênio Bucci Atilio A. Boron Julian Rodrigues Dênis de Moraes Daniel Afonso da Silva Walnice Nogueira Galvão Jean Marc Von Der Weid Luiz Carlos Bresser-Pereira João Paulo Ayub Fonseca Carlos Tautz Matheus Silveira de Souza Tales Ab'Sáber Renato Dagnino Jorge Branco Marcos Silva João Carlos Loebens Liszt Vieira Michel Goulart da Silva Michael Löwy Celso Favaretto Ricardo Fabbrini Dennis Oliveira Leonardo Sacramento Gerson Almeida Valerio Arcary Marcelo Guimarães Lima João Sette Whitaker Ferreira

NOVAS PUBLICAÇÕES