Violência escolar

Imagem: Ignacio Palés
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Por GABRIEL MEDINA*

A escola pública segue sendo o mais importante equipamento público na vida de meninos e meninas.

O Brasil vive uma explosão de ataques violentos em escolas nos últimos anos, fenômeno que se agravou nas últimas semanas. Somente 2022 e 2023 já superam o número de ataques contra as escolas ocorridos nos últimos 20 anos, como apontam os dados da pesquisadora Michele Prado, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP.

Os estudos de perfis dos autores dos ataques têm demonstrado que são jovens, em sua maioria do sexo masculino e brancos, com baixa sociabilidade em ambientes presenciais, com pouca vivência coletiva. Exercendo a socialização majoritariamente por meios virtuais, o desconforto social é mobilizado como ódio ao diferente, sendo facilmente cooptados por discursos extremistas e misóginos, racistas e autoritários.

Ainda que faltem estudos para compreender a relação dos ataques com o bolsonarismo, é inegável que o caldo produzido nos últimos anos, com a flexibilização do porte de armas, estímulo à ação policial sem qualquer controle e a naturalização da violência de raça, gênero e homofóbica, constituíram um ambiente permissivo para a ação dos jovens. Soma-se a isso, um ambiente digital com redes sociais que permitem a disseminação da cultura do ódio, encorajando os jovens para a realização de ações violentas.

A violência escolar não pode ser compreendida como um fenômeno isolado. Ainda que tenha contornos particulares, deve ser observada como parte de uma cultura social mais ampla, presente no mundo, mas com características brasileiras. A violência é tipicamente parte da cultura da masculinidade, sustentada no patriarcado, responsável pelas guerras e tantas atrocidades ao longo da história e isso está longe de ser um problema nacional. O Brasil é um país construído em bases muito violentas, seja pelo genocídio dos povos indígenas, seja pelo processo de escravização, convivemos desde a colonização com uma naturalização de formas violentas nas relações sociais e na organização do Estado.

A escola, que foi bastante atacada nos últimos anos, com um MEC inepto e projetos como escola sem partido, não conseguiu desde a redemocratização ser uma instituição acolhedora e capaz de apresentar uma perspectiva de futuro para todos e todas. Sua organização ainda se estrutura em um modelo meritocrático, onde se valoriza os que se adaptam ao seu formato e conquistam lugar ao sol (com alguma sorte conseguem acessar o ensino superior público) e uma grande massa descartada, que ou abandonam os bancos escolares ou terão uma trajetória marcada pela pobreza, precarização no mundo do trabalho e desalento.

A diversidade das juventudes não é considerada pela escola, as trajetórias populares, de completa ausência de direitos e dignidade, não são acolhidas e apoiadas, em geral, são consideradas por educadores como de responsabilidade das famílias pela falta de educação. As identidades de raça, gênero, orientação sexual não são compreendidas e apoiadas pelos gestores e professores. Ainda que com dimensões que exigem outras abordagens, o mesmo pode se dizer dos jovens com deficiência.

Portanto, as juventudes que adentram a escola, são obrigadas a conviver com normas e regras rígidas, que não foram chamados a construir, sem ter seus desejos atendidos, sem que suas identidades respeitadas e com relações bastante autoritárias por parte dos educadores.

Com essa caracterização, não pretende desconsiderar o esforço de educadores e profissionais da educação para transformar esse cenário e construir processos inclusivos e significativos na vida de milhares de jovens. A escola pública segue sendo o mais importante equipamento público na vida de meninos e meninas, impulsionando positivamente muitas trajetórias.

Enfrentar essa temática da violência exige uma reflexão profunda, envolvendo gestores públicos, comunidade escolar, profissionais e acadêmicos de distintas áreas, pois se trata de um problema complexo e que demanda uma resposta sistêmica, preventiva e não apenas projetos emergenciais, produzidos no calor do momento.

Portanto, as respostas são intersetoriais e passa por compreender as juventudes como sujeitos de direitos, em todas as dimensões da vida e construir uma escola realmente para todos, com práticas pedagógicas ativas, que desperte o encantamento pelo saber e a curiosidade científica, que promova o respeito aos direitos humanos e uma cidadania ativa.

É importante que sejam realizadas ações emergenciais e protocolos de orientação aos profissionais da educação e estudantes de como reagir em casos de incidentes graves, com botões de alerta para equipes de atendimento (saúde, segurança…), ampliando a segurança na escola e garantindo a preservação da vida de todos. As respostas dos governos parecem caminhar mais nessa direção.

Contudo, é imprescindível que passemos de ações emergenciais e reativas para a construção de políticas estruturantes e integrais, que demandam diálogo amplo e respostas preventivas de longo prazo e especificamente em relação à escola, sustentadas em princípios da justiça restaurativa e não punitiva. A criação de grupos de mediação de conflito, de professores e estudantes capazes de promover a convivência democrática e regras que sejam construídas coletivamente, que geram responsabilização e compromisso de todos.

Por isso, um passo essencial é a ideia de construir um percurso de acolhimento, escuta e participação significativa na escola, que ainda foi pouco experimentada na escola pública. É preciso que o menino negro, a mulher trans, um menino com baixa capacidade de interação social e todas as formas de ser das juventudes tenham lugar na escola. A participação é promotora de sentido, contribuindo com a promoção de ambientes mais seguros e promotores da saúde mental. É a hora de colocar a defesa da vida no centro da reconstrução do Brasil.

*Gabriel Medina, psicólogo, é mestrando em Ciências Humanas e Sociais na UFABC. Foi Secretário Nacional de Juventude e presidente do Conselho Nacional de Juventude.


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