A nova era da catástrofe

Marcelo Guimarães Lima, Piranesi (VII) - I Carceri / As Prisões, desenho digital, 2023
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Por PETER LAWRENCE*

Comentário sobre o livro recém-lançado de Alex Callinicos

O capitalismo está em crise em todos os lugares e, por isso, paira sobre nós “a sombra da catástrofe”. A pandemia de Covid-19, a guerra Rússia-Ucrânia, o aumento da desigualdade, o aumento dos níveis de pobreza entre e dentro das nações, juntamente com a concentração de riqueza e do poder nas mãos de indivíduos e corporações poderosos. Ora, tudo isso vem coroado pela catástrofe iminente do colapso climático.

“A era da catástrofe”,tal como foi cunhada por Eric Hobsbawm, começou com a Primeira Guerra Mundial e foi seguida pela Grande Depressão, a ascensão do fascismo na Alemanha e na Itália e terminou com a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. A nova era da catástrofe, assim nomeada por Alex Callinicos, na qual vivemos há pelo menos uma década, pode terminar com a destruição da vida no planeta, seja pelo colapso climático, pela guerra ou por ambos. O pessimismo do intelecto vem derrubar, de fato, o espírito da vontade otimista!?

Claro, foi o capitalismo que produziu essa situação. E isso está de acordo como a síntese de Marx: “acumulai, acumulai! Eis Moisés e os profetas”. A necessidade que o capital tem de crescer e, com isso, buscar cada vez mais recursos, sejam minerais preciosos no solo ou peixes no mar, impulsiona o sistema capitalista. É assim que ele destrói cada vez mais os meios de subsistência e a saúde das populações em todo o planeta, especialmente no Sul Global. O poder do capital global e de seus representantes institucionais, como o FMI e o Banco Mundial, captura o Estado ou pelo menos influencia fortemente a direção da política do governo, tornando os partidos políticos de esquerda impotentes para mudar grande coisa. Ora, isso alimenta um pessimismo que enxerga a situação como desesperadora.

No entanto, tal como Slavoj Žižek propôs em 2017, é preciso ter a coragem de admitir que essa desesperança poderia, paradoxalmente, ajudar a gerar uma mudança radical. Alex Callinicos escreveu um livro que admite a escalada entorpecente da catástrofe, mas fornece munição suficiente para aqueles que desejam ver um futuro como mais otimismo.

A sua abordagem visa “integrar os diferentes aspectos de nossa situação em uma totalidade estruturada”. Como seria de esperar de um ativista marxista e trotskista, ele defende fortemente o socialismo como a solução, assim como a mobilização das massas da classe trabalhadora, organizada de baixo para cima, como o caminho para alcançá-lo. O capitalismo e suas forças motrizes estão, é claro, na raiz de todos os problemas que se somam para criar essa situação catastrófica.

O livro fornece de início uma perspectiva histórica para entender os fatos impulsionadores da primeira era da catástrofe, da idade de ouro, ou seja, antes que os efeitos do neoliberalismo trouxessem essa nova era. Esse primeiro, é seguido por capítulos sobre a crise ambiental, a situação econômica global, a geopolítica de um mundo multipolar, as diferentes direções, tanto à direita quanto à esquerda, da reação popular ao imperialismo, ao racismo e ao declínio econômico, terminando com um capítulo que olha para o futuro e para as forças que podem efetuar uma mudança socialista radical.

Na raiz da primeira catástrofe estava a rivalidade de diferentes capitais nacionais e imperialistas em um mundo globalizado de comércio relativamente livre. Isso terminou, em 1914, com uma guerra que viu o triunfo do imperialismo britânico e francês, assim como a humilhação da Alemanha. Fato este que alimentou o descontentamento popular que foi aproveitado na Alemanha e na Itália por Hitler e Mussolini, com consequências que terminaram em outra guerra mundial. A tentativa de afirmação do imperialismo alemão foi trágica.

Por outro lado, a formação da URSS e a ascensão do Japão, juntamente com a eventual entendimento dos EUA de que o futuro da Europa e do Extremo Oriente era uma questão que imbricava com os seus próprios interesses imperialistas, criaram, depois de 1945, um mundo bipolar que durou até o fim da década dos anos 1980.

Os EUA e a URSS mapearam suas esferas de influência, enquanto o Sul Global conseguiu superar formalmente o colonialismo mais bruto, tentando assim resistir à hegemonia de seus governantes anteriormente imperiais. Ao afirmar o não alinhamento com os blocos imperialistas, pode jogar um bloco contra o outro para se afirmar nesse entretempo.

Ademais, o bloco soviético e a China emergente ofereceram apoio material a muitos dos movimentos de libertação na Ásia e na África. Esse mundo bipolar continuou durante o boom pós-guerra; a economia mundial se manteve relativamente estável por causa da política econômica keynesiana e da cooperação internacional até que as contradições do próprio sistema resultaram no colapso do acordo pós-guerra.

Um mundo neoliberal de comércio mais livre, taxas de câmbio flutuantes, liberalização financeira se desenvolveu. Viu-se, então, outra virada da globalização do século, desta vez organizado em blocos comerciais regulados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e dominado por corporações financeiras e produtoras globais cada vez maiores e concentradas.

A grande diferença desta vez é a emergência climática. O capitalismo fóssil, como argumenta Alex Callinicos, é o principal motor da “destruição progressiva da natureza”. A extração de fósseis está no centro do sistema de acumulação de capital e os produtores de fósseis, com seus investimentos em exploração financiados pelos bancos, têm um forte controle sobre os governos cujas políticas ambientais inevitavelmente refletem os interesses dos produtores. Surgem, assim, consequências geopolíticas que tendem tanto para o aquecimento global quanto para o aumento da produção de energias renováveis.

O aquecimento global produz um desejo de acesso à região do Ártico, o que está expandindo rivalidades geopolíticas tanto comercial quanto militarmente. Por outro lado, a corrida às energias renováveis coloca a China em uma posição poderosa como fabricante de baterias e células solares e mineradora dos minerais necessários para produzi-los. De qualquer forma, a destruição da natureza parece estar garantida nessa essa ordem.

Como aponta, Marx argumentou que a agricultura capitalista teve um efeito de deterioração não apenas sobre os trabalhadores, mas também sobre o solo. É claro que os produtos químicos e a mecanização ajudaram a desacelerar ou mesmo reverter ambos os processos. Contudo, as suas consequências não intencionais aumentaram a poluição de rios e mares pela infiltração de fertilizantes químicos nas águas, bem como produziram os efeitos da desertificação nos solos e sua capacidade de reter água devido ao cultivo excessivo dos campos.

 

Covid-19 e a guerra contra a natureza

Os efeitos da atividade humana na natureza ficaram bem demonstrados pela pandemia da Covid-19. O livro tem uma seção especialmente interessante sobre os efeitos da agricultura industrial “nojenta” (“disgusting”, segundo palavra de Marx) do século XIX, sem falar em suas versões muito mais intensivas que se seguiram.

Ele faz referência ao trabalho do epidemiologista Rob Wallace, que enraizou a pandemia da Covid-19 nas mudanças climáticas. Estas fizeram com que formas de vida animal se aglomerassem perto de áreas de assentamento humano, aumentando assim o risco de propagação de doenças de animais para humanos, como parece ter acontecido neste caso. A resposta imediata à pandemia induzida pelo vírus foi encontrar uma vacina e isso nos pôs nas garras do capitalismo corporativo. Ficamos presos à corrida disputada pelas grandes empresas farmacêuticas para desenvolver uma vacina eficaz.

A história desse processo é um exemplo perfeito de ganância corporativa, de captura do estado e da desigualdade global que tudo condiciona. Grandes empresas farmacêuticas como a Pfizer fizeram fortuna com a vacina porque venderam com lucro, ao contrário da vacina Oxford Astra-Zeneca que foi vendida a preço de custo (embora não por muito tempo graças a Bill e Melinda Gates, como explica). Não é de surpreender que essa última vacina, supostamente menos eficaz, tenha sido logo descartada, provavelmente por causa da captura dos serviços de saúde estaduais pelas grandes corporações.

O maior nível de desigualdade que se desenvolveu tanto nacional quanto globalmente resultou em maiores níveis de infecção nacionalmente quanto menor a renda familiar e internacionalmente, quanto mais pobre o país, menor a disponibilidade da vacina. Os efeitos das medidas para proteger as pessoas do vírus inevitavelmente envolveram um controle muito mais rígido de suas vidas, especialmente durante os bloqueios, mas de forma mais explícita na China, cuja política de transmissão zero efetivamente manteve as pessoas presas.

Esse maior grau de controle do governo tem sido um alimento para os teóricos da conspiração. Contudo, é mais provável que seja mais um exemplo de tendências autoritárias burocráticas em ascensão. No passado, elas pareciam ter sido revertidas ou pelo menos limitadas por meio da ação popular, o que ocorreu mesmo na China. Foram, em parte, ignoradas tal como ocorreu com o infame caso do primeiro-ministro britânico na época.

 

Taxas de lucro em queda

Acontecimentos como a pandemia de Covid desafiaram o apoio da ortodoxia neoliberal a um estado mínimo e levaram a uma forma de gestão da procura governada pelos bancos centrais (keynesianismo tecnocrático): manutenção de taxas de juro baixas e impressão de dinheiro (flexibilização quantitativa) para manter a atividade econômica a um nível que pudesse manter os serviços públicos essenciais à atividade do sector privado, assim como para manter alimentadas e hidratadas as pessoas que fornecem a mão-de-obra para estes serviços.

A pandemia e agora a guerra Rússia-Ucrânia obscureceram uma crise mais profunda do capitalismo que vem sendo criada por um seu “velho amigo”, qual seja ele, o corte tendencial da taxa de lucro. Baseando-se na obra de Michael Roberts, Alex Callinicos mostra como o declínio da taxa de lucro global apareceu na década de 1960, como ele foi seguido por uma crise de lucratividade na década de 1970, assim como por uma recuperação neoliberal nos anos 1980 e 1990 até o início dos anos 2000. Daí em diante, apareceu no horizonte o espectro crise, a qual manifestou fortemente na crise financeira de 2007-8. Uma queda na taxa de lucro na década seguinte preparou o terreno para o choque do Covid-19, em 2020.

Claro, essas taxas globais de lucro não nos dizem nada sobre sua distribuição. Mas sabemos que bancos e instituições financeiras se tornaram atores poderosos em todas as empresas globais, impulsionando a mudança da atividade econômica e especialmente da atividade manufatureira para áreas onde a mão de obra é mais barata e onde a produtividade é alta graças ao uso da tecnologia avançada mais recente.

Como aponta, o motor do capitalismo é o crédito fornecido pelos bancos, aparentemente ilimitado até que a crise econômica venha causar uma inadimplência nos empréstimos, como aconteceu em 2007-8. Então, a interdependência das instituições financeiras é exposta, fazendo com que as mais fracas quebrem, ameaçando assim o sistema como um todo. Eis que o resgate keynesiano tecnocrático dos mercados monetários pelos bancos centrais garantiu a liquidez do sistema e a continuidade da criação de crédito, essencial para a subsistência do sistema do capital.

O keynesianismo tecnocrático significa o fim do neoliberalismo? Esta é uma questão levantada por Alex Callinicos ao concluir seu capítulo sobre a economia pertinente à nova era da catástrofe. A resposta é complicada. Ao expor essa complexidade, ele vê o neoliberalismo como compreendendo uma concepção específica de liberdade: fortalecer as instituições para preservar os mercados, permitir que a acumulação de capital prospere e que fique garantida a proteção da classe capitalista e que ela possa acumular. Consiste, também, num conjunto de políticas econômicas monetaristas que teoricamente controlam a quantidade de dinheiro ofertado, mantendo assim um nível de preços estável.

Porém, na prática o que realmente se controla é a demanda por moeda, principalmente por meio da taxa de juros. Além disso, a redução dos gastos do governo, a privatização dos serviços públicos e o aumento do desemprego para conter o crescimento dos salários acabaram por controlar a inflação, mas também enfraquecem os sindicatos, especialmente quando a legislação antigreve se sobrepõe ao desemprego.

Embora o neoliberalismo parecesse exigir um estado menor, ele exigia muito mais intervenção do Estado para garantir que os mercados funcionassem de maneira “eficiente”, restaurando, se possível, taxas de lucro mais opulentas. No entanto, a emergência do keynesianismo tecnocrático parece sugerir um possível retrocesso do neoliberalismo. Pois, parece necessário que seja dado um papel cada vez mais importante ao Estado para que ele possa fazer com que as economias voltem a funcionar.

Como argumenta, uma resistência a essa tendência só será bem-sucedida se vier de baixo (e a crescente atividade grevista que agora vemos especialmente no Norte Global dá alguma esperança de que isso aconteça); caso contrário, as políticas neoliberais continuarão a empobrecer a classe trabalhadora e a expandir o precariado.

 

Imperialismo e guerra

A emergência climática e a crise econômica perpetuada podem se tornar irrelevantes diante da catástrofe de um holocausto nuclear. Depois de 1945, o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki pelos Estados Unidos apresentou ao mundo as armas de destruição em massa. A URSS desenvolveu a sua própria bomba nuclear, o que produziu o impasse e o bloqueio da destruição mutuamente assegurada. Isso não impediu o imperialismo norte-americano de afirmar a sua hegemonia sobre grande parte do mundo, especialmente naquela parte anteriormente controlada pelo colonialismo britânico e francês.

O longo boom pós-Segunda Guerra Mundial no Norte Global e a formação e expansão do que se tornou a União Europeia (UE) desafiou, mas não minou a hegemonia dos EUA, garantida por meio da OTAN e outras alianças semelhantes em todo o mundo. O seu poder militar, entretanto, foi desafiado na Indochina, mas reafirmado nas duas guerras do Iraque e no Afeganistão. Promoveu a globalização econômica, inclusive trazendo a China para a OMC para garantir que ela cumprisse as regras.

No entanto, tal política inclusiva não foi oferecida à Rússia, um país historicamente dividido entre os que olhavam para a Europa e os que olhavam para a Ásia. Colocar a Rússia na OTAN e na UE teria não apenas promovido os interesses do capital global, mas também desafiado a China. O resultado provável agora, especialmente devido à guerra na Ucrânia, é uma maior cooperação entre a China e a Rússia, com a primeira se movendo para o oeste e desafiando ainda mais a visão unipolar de Washington sobre o mundo. No entanto, como também observa Callinicos, a guerra aproximou a Europa e os EUA, não apenas por ter impulsionado e expandido a OTAN, mas também por reorientar a dependência da Europa do gás da Rússia para uma dependência “rosa” dos EUA.

Se um bloco econômico tivesse aliado a Europa à Rússia e à China, isso teria se cristalizado como uma grande ameaça à hegemonia dos EUA. Ora, a própria ascensão da China ao status de potência mundial é agora vista como um problema maior. Como observa, a globalização deveria tornar esses tipos de rivalidades nacionais redundantes à medida que a interdependência econômica entre as principais potências se solidificasse com a ascensão do capital global.

Mas uma vez que a concentração da fabricação de semicondutores se encontra em Taiwan e dos gases especiais necessários para fabricá-los são abundantes na Ucrânia, tem-se imediatamente um problema. Eis que esses países se tornam estrategicamente críticos para as principais economias que dominam o planeta. Quando a China considera Taiwan como uma de suas províncias perdidas, tais fatores econômicos e geopolíticos levam ao mesmo resultado: um potencial conflito militar pelo controle de recursos estratégicos.

Alex Callinicos está certo ao argumentar que “o mundo está se tornando um lugar muito mais perigoso”. Ele também está certo ao apontar que a forma como os EUA e seus aliados estão apresentando os conflitos atuais, na forma de uma batalha entre a democracia liberal e a autocracia, está nos levando de volta ao discurso paranoico da Guerra Fria.

 

A ascensão da extrema direita

Certamente há uma luta dentro das democracias burguesas para preservar as liberdades arduamente conquistadas contra a crescente ameaça da extrema-direita. Como escreveu Gramsci sobre tempos semelhantes aos atuais; são momentos em que o velho está morrendo e o novo não pode ainda nascer, resultando no aparecimento de “uma variedade de sintomas mórbidos”.

Um desses sintomas é a ascensão da extrema direita populista de Donald Trump nos EUA, que vem ameaçando a democracia liberal nesse país. Ele mostra como essa extrema direita conseguiu, com um forte viés racista, mobilizar aqueles que sofreram com o neoliberalismo da “elite” política, assim como com os migrantes e os refugiados. O seu argumento é que a ordem neoliberal está se desintegrando e que as “lutas dos trabalhadores vindas de baixo” ainda não são poderosas o suficiente para oferecer uma alternativa que produza um “novo” socialista. E isso, em sua opinião, está deixando o espaço aberto para as promessas vazias da extrema direita.

Adotando uma visão mais global, menciona os desenvolvimentos em países como Filipinas, Brasil, Índia e Egito. Aí, segundo ele, encontra-se um padrão de políticas neoliberais fracassadas combinadas com corrupção e má administração. Essa mistura gera novos governos de direita ou de militares que ascendem com base no nacionalismo cultural e envolvendo tropos especialmente anti-muçulmanos.

A pesquisa de Alex Callinicos sobre a extrema direita na Europa mostra que ela segue um caminho semelhante, combinando o racismo e a xenofobia do euroceticismo. E isso, para ele, se manifesta mais obviamente no Reino Unido, onde o Partido Conservador mainstream, em um ato de autopreservação, adotou algumas das políticas e atitudes dos partidos de extrema direita, especialmente ao se comprometer com o Brexit. Como observa, embora esses partidos tenham conseguido controlar o descontentamento popular, eles não têm políticas econômicas coerentes para substituir as tipicamente neoliberais.

Para aqueles que muitas vezes sentem que estamos de volta a uma outra versão dos anos 1920 e 1930, ele aponta as diferenças, sendo a mais óbvia a ausência de uma esquerda poderosa e revolucionária contra a qual a extrema-direita possa se mobilizar. Ademais, falta à extrema-direita atual uma estratégia econômica alternativa ao neoliberalismo, enquanto os fascistas italianos na década de 1920 e os nazistas alemães na década de 1930 tinham políticas muito claras de intervenção estatal e direção da economia, voltadas para armamentismo.

No entanto, os níveis de descontentamento são tais que oferecem à extrema direita uma influência política significativa. Há mesmo a possibilidade de elementos fascistas ganharem alguma força como movimentos políticos. Callinicos ilustra essas tendências com uma discussão sobre a extrema-direita nos Estados Unidos, surpreendentemente descrita como o possível elo fraco no capitalismo avançado.

A ideia de que o estado mais avançado e poderoso do mundo é o elo fraco é motivada pelo ataque da extrema direita ao capitólio em janeiro de 2021. Alex Callinicos identifica três “determinações” desse evento: primeiro, os efeitos do neoliberalismo, especialmente as fortunas contrastantes das grandes corporações com seus enormes lucros e altos executivos excessivamente recompensados e a grande parte da população com salários reais em queda ou estagnados ou sem empregos; em segundo lugar, estruturas políticas como o sistema do Colégio Eleitoral de escolha de um presidente que pode resultar – como no caso de Donald Trump – na eleição de um perdedor no voto popular, assim como um senado que sub-representa os estados mais populosos; e terceiro, a divisão racial que vê os afro-americanos super-representados na extremidade inferior da distribuição de renda e, mais evidentemente, super-representados em tiroteios policiais.

Baseando-se fortemente na análise do marxista dos EUA por Mike Davis, mostra qual é a base social do trumpismo. Ela está constituída como uma classe capitalista proprietária de “imóveis, private equity, cassinos e serviços, os quais vão desde os exércitos privados até a prática da usura nas cadeias”. Donald Trump é capaz de apresentar aqueles que estão na base da distribuição de renda como vítimas de uma elite política mais preocupada em ajudar outros países do que o seu próprio.

Como sugere, o relacionamento de Trump com as grandes empresas dos EUA é “ambivalente”. Porém, as suas políticas de baixa tributação e menos regulamentação não os prejudicaram, embora a eleição de Biden tenha restabelecido um governo com o qual a América corporativa pode fazer negócios com prazer. No entanto, os EUA ainda são um país tão dividido que é possível pensar na possibilidade de que uma guerra civil possa estourar, especialmente na sequência de grandes distúrbios climáticos.

Mesmo que Donald Trump não tenha permissão para concorrer novamente como candidato presidencial, o trumpismo permanecerá e, à medida que o número de desempregados e a classe trabalhadora desorganizada crescer, o apoio desses elementos lúmpen ajudará o crescimento desse extremismo de direita. O livro poderia ter dito mais sobre o apoio da classe trabalhadora à direita tanto agora quanto durante a era nazista. Poderia, também, explicar o que a classe trabalhadora organizada poderia fazer e como ela poderia lidar com essa situação.

 

Daqui para onde?

Ora, para onde vai a esquerda a partir desse ponto? O que de fato deve ser feito? Em seu capítulo final, Alex Callinicos retoma os “recursos de esperança” de Raymond Williams. Ao mesmo tempo, ele novamente se volta para a noção de gramsciana das “forças antagônicas” como o agente da mudança radical. Ele as enraíza, como Gramsci, na classe trabalhadora organizada, mas reconhecendo que esta classe hoje foi submetida a uma série de derrotas sob o neoliberalismo. Ele discute as possibilidades das lutas atuais sobre gênero e raça como aquelas que podem ajudar a formar “o novo sujeito da emancipação da classe trabalhadora”.

A discussão da política de gênero se concentra na emergência do movimento trans, que afirma o direito de escolher o próprio gênero. Essa visão tem sido objeto de críticas de feministas, bem como da direita política e da extrema-direita. O que eles têm em comum é a separação do biológico do social, mas, como argumenta, essas duas determinações estão inextricavelmente interconectadas.

A importância da reprodução da força de trabalho, sem falar no poder da religião, torna a família a norma e as relações heterossexuais uma preferência. Mas outras estruturas familiares reprodutivas podem existir com relacionamentos homossexuais e transgêneros graças ao progresso da ciência médica, o que permite a redesignação de gênero. Todos esses desenvolvimentos desafiam não apenas as normas de gênero que têm sido tão importantes para a reprodução da força de trabalho sob o capitalismo, mas o próprio capitalismo.

Os movimentos contra o racismo que, como observa, são sendo “institucionalizados no capitalismo como um todo”, também são caminhos pelos quais os ativistas podem passar de uma campanha específica para uma luta mais generalizada contra o sistema. A longa experiência das pessoas de cor mais escura com padrões de vida precários agora está se espalhando para outras seções (especialmente profissionais) da classe trabalhadora que nunca viveram precariamente ou viram um declínio nos padrões de vida. A globalização da produção cria uma coincidência de interesses entre a classe trabalhadora do Norte e do Sul globais. Ademais, a classe trabalhadora mundial mencionada no Manifesto Comunista “poderia assim começar a emergir como um agente coletivo nesta era de catástrofe”.

A era digital apresenta todos os tipos de possibilidades para o planejamento democrático, em vez das tentativas relativamente rígidas de planejamento central, empregadas no passado sob o socialismo de Estado (o termo, dada sua lealdade política, é do próprio Alex Callinicos; mas aqui se preferiria falar em “capitalismo de Estado”).

Marx, ele nos lembra, concebeu o socialismo como autoemancipação, de modo que o planejamento deve ser um processo de baixo para cima. Plataformas digitais como Amazon e Facebook coletam enormes quantidades de dados sobre o comportamento de consumo individual e eles poderiam alimentar um processo de negociação com unidades de produção, liderado de baixo para cima. Acima de tudo, o planejamento exigirá, nacional e globalmente, o gerenciamento da emergência climática: os mercados e os quase-mercados de comércio de carbono não o farão.

Alex Callinicos consulta uma ampla gama de literatura sobre o assunto, embora surpreendentemente não se refira neste caso ao trabalho de Paul Mason sobre as maneiras pelas quais o capitalismo já está a indicar como pode ser o futuro pós-capitalista.  Em grande parte, por meio da digitalização, observa-se uma redução das possibilidades de realização de lucros; eis que os preços de muitos bens e serviços tendem a zero; no caso de alguns serviços digitais, se pode ver, que eles já são gratuitos.

Esse teórico crítico faz referência a outros trabalhos de Mason. Na seção final do livro, ele argumenta fortemente contra uma coalizão de frente popular de esquerda e centro para combater o ressurgimento da extrema-direita e a perspectiva do fascismo. Ele argumenta, ao contrário de Mason, que a frente popular original não teve sucesso em derrotar o fascismo na década de 1930.

Aponta que a referência aos interesses de classe sempre foi crucial para uma boa compreensão de alianças efetivas: a esquerda compreendia em grande parte a classe trabalhadora organizada, enquanto os centristas liberais (burgueses) representavam seções do capital cujos interesses discordavam fundamentalmente dos interesses da classe trabalhadora organizada. A defesa da democracia burguesa requer uma sólida ação de classe da esquerda organizada, não a colaboração com esse inimigo de classe. Somente uma Frente Unida, unificando as forças políticas de esquerda conectadas à classe trabalhadora organizada, segundo ele, pode ser bem-sucedida em mobilizar a oposição ao fascismo para enfrentá-lo onde quer que apareça.

A resistência organizada ao capitalismo, a construção de uma revolução socialista é, para ele, a única alternativa viável para a catástrofe que está à espreita. Embora apresente uma visão marxista trotskista da atividade política bem-sucedida, não é preciso ser um trotskista para concordar com a maior parte de sua análise. Tem-se um livro que tenta reunir as diferentes vertentes de nossa situação atual em um todo coerente e inteligível e o faz de uma maneira altamente legível. O futuro pode parecer pessimista, mas este livro dá bastante material para alimentar a vontade otimista que ora está faltando.

*Peter Lawrence é professor emérito de economia do desenvolvimento na Escola de Negócios da Universidade Keele. É editor da Review of African Political Economy.

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente na Review of African Political Economy

Referência


Alex Callinicos. The new age of catastrophe. Londres, Polity Press, 2023, 256 págs.


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