O que é comunismo?

Dora Longo Bahia. 13. Escalpo Paulista, 2005
 Acrílica sobre fibrocimento 210 x 240 cm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por WAGNER MIQUÉIAS DAMASCENO*

O grande responsável pelo crescimento da curiosidade sobre o comunismo é o próprio capitalismo

Dentre as perguntas do tipo “o que é”, feitas no Google Brasil, aquela que mais cresceu neste ano foi “o que é comunismo”. É o que revelou levantamento do próprio Google, na semana passada.[i]

Sem dúvida, tamanha curiosidade no país se deve, em parte, à campanha de demonização feita por Jair Bolsonaro e pelo falecido Olavo de Carvalho, que elegeram o comunismo como “o” alvo de suas ofensivas ideológicas.

Mas o grande responsável pelo crescimento da curiosidade sobre o comunismo é o próprio capitalismo. Sim, o capitalismo. Vejamos: apenas nos três últimos anos (a) vimos o surgimento da pandemia da COVID-19, que ceifou mais de 6,6 milhões de vidas em todo o mundo; (b) assistimos o aumento da concentração de renda, onde 2 mil bilionários têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas; (c) sentimos na pele de forma cada vez mais drástica as consequências das mudanças climáticas, com prognósticos nada animadores; (d) e acompanhamos a guerra da Rússia contra a Ucrânia que reavivou o temor de uma nova guerra mundial.

Diante disso, é natural que as pessoas queiram conhecer uma alternativa ao capitalismo.

 

Um espectro ronda (novamente) o mundo

No Manifesto Comunista, de 1848, Marx e Engels perguntavam provocativamente: “Que partido de oposição não foi acusado de comunista por seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a pecha infamante de comunista?”.

No Brasil, bolsonaristas acusam partidos como o PT e o PCdoB de serem comunistas; stalinistas, por seu turno, dizem que a URSS sob Stálin era comunista… Mas, afinal, o que realmente é comunismo?

Podemos dizer que a palavra comunismo tem dois sentidos que se conectam: (1) é um movimento político dos trabalhadores; (2) e é uma outra forma de organizar a produção e distribuição de riquezas que criaria, por consequência, uma outra forma de se viver em sociedade.

Os dois sentidos partem da constatação de que a sociedade capitalista é dividida entre duas poderosas classes sociais: burgueses e proletários. Ou, dito de outra forma, capitalistas e trabalhadores. Duas classes cujos interesses são completamente antagônicos já que a fonte da riqueza de uma destas classes advém da exploração da força de trabalho da outra.

 

Socialismo

Embora seja tratado como sinônimo de comunismo, socialismo e comunismo não são a mesma coisa. Quando falamos em socialismo nos referimos a uma sociedade com um modo de produção surgido de uma revolução dos trabalhadores, onde ainda haverá burguesia e ainda haverá Estado.

Porém, diferente do que acontece no capitalismo, o Estado no socialismo não será controlado pela burguesia, mas pelos trabalhadores que imporão uma “ditadura do proletariado” sobre a burguesia para impedir que ela tome de volta o poder e volte a explorá-los. O verso dessa moeda é que essa ditadura sobre um punhado de burgueses será uma formidável democracia para os milhões de trabalhadores do meio urbano e rural e para a população pobre.

No socialismo, os meios de produção (indústrias, plataformas, grandes extensões de terras, grandes supermercados etc.) deixam de ser propriedade privada dos capitalistas e se tornam propriedades coletivas sob o controle do Estado operário. Estabelecendo planos econômicos, os trabalhadores decidirão sobre o “que”, “como”, “quanto” e “quando” produzir, atendendo as necessidades sociais e, de quebra, acabando com o desperdício. É o fim da anarquia do mercado.

Mas, para tanto, o socialismo deve ir além das fronteiras nacionais, impulsionado por aquilo que Leon Trotsky chamou de revolução permanente.

 

Comunismo

O comunismo é a evolução do socialismo. Nele, o Estado terá se extinguido assim como as próprias classes sociais que lhe deram vida. A propriedade privada da terra, das indústrias e dos medicamentos serão vagas lembranças, difíceis até de serem explicadas para as futuras gerações.

A concorrência entre os trabalhadores será substituída pela mais genuína cooperação, extinguindo-se, assim, a base material de opressões como o racismo e a xenofobia. Como resultado lógico do desenvolvimento científico e tecnológico alcançado, a jornada de trabalho será reduzida a um mínimo necessário e será decidida e distribuída por produtores livremente associados.

Se hoje o desenvolvimento tecnológico se volta contra os trabalhadores produzindo mais desemprego e intensificando o trabalho, no comunismo isso será radicalmente diferente. A automação do trabalho, por exemplo, será utilizada racionalmente para aumentar a produtividade de riquezas sociais e oferecer tempo livre para os trabalhadores desenvolverem seus interesses e vocações livremente. Praticar esportes pela manhã, trabalhar por três horas depois, atuar em peças de teatro à tarde, desfrutar de um cinema a noite… livre das correntes do trabalho alienado, os seres humanos se reconciliarão com o trabalho e poderão experimentar uma jornada histórica verdadeiramente humana.

*Wagner Miquéias Damasceno é professor de sociologia na UNIRIO. Autor do livro Racismo, Escravidão e Capitalismo no Brasil: uma abordagem marxista (Mireveja) e dirigente da Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU.

Nota


[i] Ver: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/12/o-que-e-comunismo-foi-a-pesquisa-do-tipo-que-mais-cresceu-no-google-do-brasil-em-2022.shtml.

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Dênis de Moraes José Raimundo Trindade Daniel Afonso da Silva Luis Felipe Miguel Leonardo Boff Maria Rita Kehl Ronaldo Tadeu de Souza André Márcio Neves Soares Manuel Domingos Neto Andrew Korybko Paulo Sérgio Pinheiro Tadeu Valadares João Paulo Ayub Fonseca Bento Prado Jr. Daniel Costa Andrés del Río Leda Maria Paulani Gilberto Maringoni Fábio Konder Comparato Flávio R. Kothe Salem Nasser Eduardo Borges Lucas Fiaschetti Estevez Paulo Nogueira Batista Jr Jorge Branco Tarso Genro Henry Burnett Luiz Renato Martins Yuri Martins-Fontes Antonio Martins João Sette Whitaker Ferreira Henri Acselrad Lincoln Secco Denilson Cordeiro Carla Teixeira Celso Frederico Chico Alencar Francisco Fernandes Ladeira Ronald León Núñez Ricardo Musse Ari Marcelo Solon Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gabriel Cohn Flávio Aguiar João Adolfo Hansen Luiz Werneck Vianna Luiz Bernardo Pericás Heraldo Campos Alexandre de Lima Castro Tranjan Antônio Sales Rios Neto Leonardo Avritzer Fernão Pessoa Ramos Érico Andrade Berenice Bento Luciano Nascimento Rodrigo de Faria André Singer João Carlos Loebens José Luís Fiori Tales Ab'Sáber Samuel Kilsztajn Celso Favaretto Paulo Capel Narvai Osvaldo Coggiola Michael Roberts Bernardo Ricupero Marcelo Módolo Elias Jabbour Valerio Arcary Kátia Gerab Baggio Ronald Rocha Ricardo Abramovay Juarez Guimarães Manchetômetro Eugênio Bucci Fernando Nogueira da Costa Antonino Infranca Everaldo de Oliveira Andrade Benicio Viero Schmidt Caio Bugiato José Machado Moita Neto Marjorie C. Marona Ladislau Dowbor Luiz Marques Mariarosaria Fabris Francisco Pereira de Farias João Carlos Salles Marilena Chauí Boaventura de Sousa Santos Rubens Pinto Lyra Airton Paschoa Mário Maestri Paulo Fernandes Silveira Igor Felippe Santos Otaviano Helene Bruno Fabricio Alcebino da Silva Jean Pierre Chauvin Vinício Carrilho Martinez Marcus Ianoni Dennis Oliveira Sandra Bitencourt João Lanari Bo Luiz Roberto Alves Claudio Katz Remy José Fontana Walnice Nogueira Galvão José Dirceu Daniel Brazil Alexandre de Freitas Barbosa Jean Marc Von Der Weid Vanderlei Tenório Marilia Pacheco Fiorillo Thomas Piketty Priscila Figueiredo Michael Löwy Chico Whitaker Carlos Tautz Milton Pinheiro Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Gerson Almeida Luiz Eduardo Soares Rafael R. Ioris Annateresa Fabris Leonardo Sacramento José Costa Júnior Marcos Aurélio da Silva Marcos Silva Ricardo Fabbrini Alexandre Aragão de Albuquerque Julian Rodrigues Lorenzo Vitral Slavoj Žižek Ricardo Antunes Eliziário Andrade Armando Boito José Micaelson Lacerda Morais Sergio Amadeu da Silveira Alysson Leandro Mascaro Eugênio Trivinho Paulo Martins Bruno Machado Luiz Carlos Bresser-Pereira Eleutério F. S. Prado Atilio A. Boron Liszt Vieira José Geraldo Couto Michel Goulart da Silva João Feres Júnior Luís Fernando Vitagliano Gilberto Lopes Matheus Silveira de Souza Vladimir Safatle Renato Dagnino Jorge Luiz Souto Maior Eleonora Albano Francisco de Oliveira Barros Júnior Marcelo Guimarães Lima Anselm Jappe Valerio Arcary Afrânio Catani

NOVAS PUBLICAÇÕES