A operação comandada pela Polícia Federal

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MANUEL DOMINGOS NETO*

O Brasil persiste sem instrumentos de força para respaldar decisões soberanas em política externa e as Forças Armadas brasileiras continuam integrando oficiosamente o vasto esquema militar comandado pelo Pentágono

As operações de busca e apreensão na residência de generais próximos de Jair Bolsonaro e a prisão de dois oficiais superiores deixou confiantes os que prezam a democracia. Quem grita, “sem anistia”, sentiu-se contemplado. Muitos salientaram tratar-se de momento histórico sem precedentes e aplaudem a coragem do ministro Alexandre de Moraes. A maioria aceita a ideia de que a democracia venceu. Nestes tempos obscuros, é bom demais ter algo de relevante a comemorar.

Mas, caberia pensar… ao acatar decisões judiciais desta monta, as corporações, profundamente envolvidas em manobras antidemocráticas nos últimos anos, não passam a falsa noção de que, repentinamente, em lance inédito, assumem seriamente a institucionalidade do jogo democrático?

Uma ação da Justiça, por contundente que seja, teria o condão de alterar a velha tendência castrense de interferir no jogo político?

Mais sensato seria imaginar que a postura dos comandantes revela a satisfação diante da prevalência dos desígnios das fileiras.

O atual governo não mostrou disposição para alterar as orientações da Defesa Nacional e, consequentemente, reformar instituições militares ineptas para dizer não ao estrangeiro hostil e aptas ao controle da sociedade.

O militar continua pautando o governo em matéria de Defesa. O ministro José Múcio assume com todas as letras sua condição de “representante” das Forças, abdicando da condição de integrante da corrente política sufragada nas urnas.

Como se sabe, a condução da política de Defesa guarda implicações diretas com os mais variados domínios da atuação do Estado, em particular com as relações externas, a Segurança Pública, o desenvolvimento técnico- científico e industrial. A política de Defesa é uma peça-chave da integração sul-americana. Ao ditar a Política de Defesa o militar se imiscui como quer nas entranhas do Estado e da sociedade. Em outras palavras, persiste exercendo a tutela configurada ao longo do regime republicano.

O atual governo assegura a continuidade de práticas corporativas ancestrais que garantem a priorização do combate ao “inimigo interno” em detrimento da capacidade de dizer não ao potencial agressor estrangeiro. O Brasil continua sustentando extensas fileiras terrestres e evitando priorizar sua capacidade aeronaval; persiste sem instrumentos de força para respaldar decisões soberanas em política externa. As Forças Armadas brasileiras continuam integrando oficiosamente o vasto esquema militar comandado pelo Pentágono.

Vitoriosos no embate político principal, os comandos militares acatam o sacrifício de alguns dos seus em troca da preservação da capacidade de ingerir nos negócios públicos e na vida social. 

Hoje, em essência, ao tempo em que a institucionalidade democrática mostra vigor, foi dado um passo importante para conter a corrosão da imagem das Forças Armadas. Talvez seja esse o significado mais relevante da operação comandada pela Polícia Federal: o acatamento da decisão judicial ocorre como ato de proteção corporativa.

Os comandantes sabiam da impossibilidade de sair incólumes depois da aventura em que se meteram ao apadrinhar Jair Bolsonaro e respaldar seus desmandos. Afinal, atuaram em favor da prisão de Lula e confraternizaram com baderneiros reunidos diante dos quartéis. Em sua trágica aventura, envolveram o conjunto das corporações. Nenhum comandante de unidade militar deixou de, pelo menos, prevaricar.

O preço a pagar pela preservação das instituições militares seria o sacrifício de alguns camaradas, os mais notoriamente associados ao ex-presidente.

Mas nada garante que o jogo de cena em curso se desenvolva de forma exitosa. Os oficiais hoje investigados se comportarão altivamente na defesa de suas corporações? Aceitarão ser punidos solitariamente preservando a imagem das fileiras?

Eis uma hipótese remota, se considerarmos a conduta do coronel Mauro Cid, que forneceu elementos preciosos aos investigadores. Difícil imaginar homens arrogantes e truculentos, como os generais Augusto Heleno e Braga Netto resignando-se ao cárcere. Mais fácil é imaginá-los atirando, inclusive em seus desafetos fardados. A caserna cultiva camaradagem e desafeições.

Quanto ao ex-presidente, pior ainda. Quem aposta no padrão moral de Jair Bolsonaro? Na cadeia, esse homem, com arrobas de crimes nas costas, poderá bater com a língua nos dentes e desmontar o imaginário coletivo tão cultivado pelas fileiras. Não seria surpresa caso seja silenciado.

Qualquer que seja o rumo dos acontecimentos, o fato é que estamos longe do final de um triste e trágico capítulo da história brasileira.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Otaviano Helene Vanderlei Tenório Ronald Rocha Luis Felipe Miguel Jorge Luiz Souto Maior Dennis Oliveira Benicio Viero Schmidt Marcelo Guimarães Lima Michael Roberts Paulo Fernandes Silveira Luís Fernando Vitagliano Eliziário Andrade Paulo Martins Francisco de Oliveira Barros Júnior Kátia Gerab Baggio Gilberto Maringoni José Geraldo Couto Osvaldo Coggiola Leda Maria Paulani Rubens Pinto Lyra Paulo Capel Narvai Michael Löwy Eduardo Borges Priscila Figueiredo Remy José Fontana Flávio Aguiar Anselm Jappe Marcos Silva Tales Ab'Sáber Julian Rodrigues Marcos Aurélio da Silva Bento Prado Jr. João Paulo Ayub Fonseca Atilio A. Boron Rafael R. Ioris André Márcio Neves Soares Fábio Konder Comparato João Carlos Salles Ricardo Musse Carlos Tautz Boaventura de Sousa Santos Ricardo Antunes Eugênio Bucci Annateresa Fabris Mariarosaria Fabris Everaldo de Oliveira Andrade Francisco Pereira de Farias Maria Rita Kehl Luiz Renato Martins João Sette Whitaker Ferreira Daniel Brazil Marilia Pacheco Fiorillo Celso Frederico José Dirceu Caio Bugiato Vladimir Safatle Andrew Korybko Lucas Fiaschetti Estevez Bernardo Ricupero Francisco Fernandes Ladeira Luciano Nascimento Gabriel Cohn Marcus Ianoni Juarez Guimarães Plínio de Arruda Sampaio Jr. Luiz Eduardo Soares Gerson Almeida Afrânio Catani Thomas Piketty Milton Pinheiro Bruno Fabricio Alcebino da Silva João Lanari Bo Igor Felippe Santos Daniel Costa Chico Alencar Valerio Arcary Claudio Katz Michel Goulart da Silva Airton Paschoa Celso Favaretto Alexandre Aragão de Albuquerque Paulo Sérgio Pinheiro Luiz Carlos Bresser-Pereira Luiz Bernardo Pericás Andrés del Río Marjorie C. Marona Matheus Silveira de Souza Heraldo Campos Tarso Genro Henry Burnett Jorge Branco Antonino Infranca Tadeu Valadares Slavoj Žižek Salem Nasser Eleonora Albano João Carlos Loebens Leonardo Boff Ricardo Abramovay Alexandre Juliete Rosa Antonio Martins Rodrigo de Faria Berenice Bento Luiz Roberto Alves Gilberto Lopes Walnice Nogueira Galvão Mário Maestri Leonardo Avritzer Alexandre de Lima Castro Tranjan Renato Dagnino Jean Marc Von Der Weid Antônio Sales Rios Neto José Raimundo Trindade Fernão Pessoa Ramos João Adolfo Hansen Bruno Machado Marcelo Módolo Elias Jabbour Manchetômetro Manuel Domingos Neto Ladislau Dowbor Ari Marcelo Solon Sergio Amadeu da Silveira Ronaldo Tadeu de Souza José Luís Fiori Ronald León Núñez Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Fernando Nogueira da Costa Paulo Nogueira Batista Jr João Feres Júnior José Machado Moita Neto Érico Andrade Samuel Kilsztajn Denilson Cordeiro Liszt Vieira Lorenzo Vitral Alysson Leandro Mascaro Eleutério F. S. Prado Marilena Chauí Yuri Martins-Fontes Ricardo Fabbrini Leonardo Sacramento Carla Teixeira Sandra Bitencourt Jean Pierre Chauvin Daniel Afonso da Silva José Micaelson Lacerda Morais Vinício Carrilho Martinez Henri Acselrad Eugênio Trivinho Flávio R. Kothe Chico Whitaker Dênis de Moraes Lincoln Secco Alexandre de Freitas Barbosa Luiz Werneck Vianna André Singer Luiz Marques José Costa Júnior Armando Boito

NOVAS PUBLICAÇÕES