Fatores de desenvolvimento

Catherine Abel, Ainda vida com blues, 2003
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Comentário do livro de Mark Koyama e Jared Rubin, onde mostram que as instituições também interagem com a cultura

Mark Koyama e Jared Rubin, no livro How the World Became Rich: The Historical Origins of Economic Growth, mostram: as instituições também interagem com a cultura. Por “cultura”, querem dizer as lentes conceituais ou heurísticas (“regras de bolso”) usadas pelos indivíduos de uma sociedade para interpretar o mundo.

Argumentam: “o crescimento econômico sustentado poderia ter sido possível no mundo antigo. Certamente, o Império Romano, no seu auge, tinha uma economia de mercado integrada e sofisticada”. O quê?! Um preâmbulo de capitalismo centralizado no Estado?

O argumento, baseado no individualismo metodológico tão contumaz em neoliberais, é pueril. “Uma das razões pelas quais [o Império Romano] nunca alcançou nada próximo de uma ‘revolução industrial’ parece ter sido cultural. Indivíduos bem-sucedidos no Império Romano aspiravam a uma vida de lazer”. Só. Nada de tecnologia importa…

Em visão anglocêntrica, os autores ingleses afirmam: “a Grã-Bretanha tinha muitos dos pré-requisitos institucionais necessários para o arranque em meados do século XVIII: (i) um governo relativamente limitado, (ii) um sistema de aprendizagem capaz de aperfeiçoar as competências dos artesãos e (iii) as instituições favoráveis ao investimento em bens públicos”. Mas, acentuam, “também tinha atributos culturais complementares a estas instituições. O trabalho árduo não colocava ninguém na base da escala social. Entre a elite intelectual, a ideia de progresso contínuo parecia um objetivo realista”.

Ai, que preguiça!… e Macunaíma não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, espiando o trabalho dos outros. “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são! O povo brasileiro está em Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”. Esse caráter ficcional explica o atraso econômico e educacional do país?!

Para os historiadores econômicos ingleses, nenhuma sociedade, pelo menos antes de meados do século XVIII, tinha a combinação dos citados atributos culturais e das características institucionais. Depois de terem surgido os elementos-chave do crescimento sustentado, primeiro durante a Revolução Industrial britânica, e depois de 1850 nos Estados Unidos e Alemanha, os elementos do projeto fornecido pelos primeiros promotores puderam ser usados em outros lugares, mesmo caso parecessem um pouco diferentes, dependendo da localização.

Diferentes partes do mundo pegaram pedaços desse modelo e os adaptaram às suas próprias características institucionais e culturais. Isso tornaria o problema do desenvolvimento econômico nas partes mais pobres do mundo aparentemente fácil: bastaria copiar a fronteira tecnológica, o ambiente institucional e a cultura avançada!

Mas simplesmente transplantar o que funcionou em outros locais para sociedades atingidas pela pobreza não é a solução. O contexto é importante. A cultura e o passado impõem dependência de trajetória. O mesmo acontece com a demografia e a geografia.

Saber o que funcionou e por que funcionou é importante precisamente porque permite construir um processo cumulativo de conhecimento. Fornece um quadro para a compreensão de quais políticas econômicas têm probabilidade de sucesso. No entanto, é necessário também um conhecimento local substancial para saber como aplicar este quadro à determinada sociedade.

Sem dúvida, a geografia explica muitos padrões do mundo pré-industrial. As características geográficas foram fundamentais para o surgimento da vida agrícola ou da urbana. Por exemplo, o acesso a rios e costas e terras agrícolas de alta qualidade ajuda a explicar muitos padrões de desenvolvimento anteriores à industrialização.

Antes de 1800, as terras mais bem dotadas não eram muito mais ricas, em termos de renda per capita, diante as terras menos dotadas. Elas tendiam a ser mais densamente povoadas e, sem aumento substancial da produtividade, produziam menos per capita.

As economias de escala e os efeitos de rede, associados à proximidade (“efeitos de aglomeração”), em vez dos fundamentos geográficos, explicam porque certas Cidades-Estados superam grandes Nações em termos de renda per capita. Se a geografia pudesse explicar tudo, o destino da Humanidade teria sido escrito há milhares de anos, com pouco espaço para a ação humana. No entanto, as ações humanas desempenharam um papel significativo na determinação das trajetórias econômicas das sociedades.

Mark Koyama e Jared Rubin avaliam o papel das instituições no desenvolvimento econômico. As instituições, sob muitas formas (política, econômica, jurídica, social e religiosa), constituem as “regras do jogo” das pessoas no seu dia-a-dia. Eles formam os incentivos para moldar a forma como as pessoas agem, conforme o individualismo metodológico.

As instituições diferem entre sociedades e ao longo da história. Portanto, ajudam a explicar por qual razão nem todas as diferentes sociedades tiveram sucesso econômico.

Entre as instituições mais importantes para facilitar o crescimento de uma sociedade estão o Estado de direito e as protetoras dos direitos de propriedade. Por qual razão as instituições funcionam de forma diferente em diferentes partes do mundo?

A democracia é o exemplo não adotado por todos os países. As instituições democráticas falharam em contextos sob o domínio militar, desde o Brasil até a Rússia, entre outros.

Mark Koyama e Jared Rubin analisam o papel desempenhado pela cultura no crescimento econômico. As explicações culturais recentes são menos eurocêntricas ou racistas.

As teorias modernas tendem a pensar na cultura como aspectos da sociedade capazes de configurar a visão de mundo das pessoas. Molda a forma como as pessoas respondem aos incentivos, como interagem com outras pessoas. Novamente, destaca-se o individualismo – e não o holismo metodológico com uma abordagem sistêmica.

Coisas como o papel da confiança, da diversidade de gênero e das normas de casamento bem como a religião afetariam o desenvolvimento econômico através do seu efeito na política ou na lei. Uma das principais razões pelas quais a cultura pode afetar o desenvolvimento econômico em longo prazo é ela persistir nos valores conservadores – e assim moldar a perspectiva dos descendentes de gerações ultrapassadas.

Os historiadores têm visto os altos e baixos da história pré-industrial como ditados, pelo menos em parte, pela demografia. Por exemplo, na Roma antiga, as mulheres casavam-se logo quando atingiam a maturidade sexual. A consequente elevada taxa de natalidade foi parcialmente responsável pelos baixos rendimentos médios auferidos pelos trabalhadores não qualificados no Império Romano.

Com a industrialização e a urbanização, a consequente transição demográfica desacelerou o crescimento populacional e o rendimento per capita começou a aumentar de forma sustentada. Incentivou o investimento em capital humano. Enquanto o progresso tecnológico acelera, os retornos do capital humano aumentam e induzem os pais a mudarem de famílias numerosas e com baixos níveis de educação para famílias menores com filhos com níveis de escolaridade elevados. Daí enriqueceriam…

A colonização trouxe vastas riquezas para alguns países na Europa e ainda hoje tem efeito em partes do mundo antes colonizadas. Há pouca controvérsia quanto ao papel prejudicial desempenhado sobre os colonizados como o mau legado em termos de desenvolvimento institucional, normas de confiança, acumulação de capital humano e fornecimento de bens públicos como instituições democráticas.

No século XVII, o noroeste da Europa tinha muitas das condições prévias necessárias para um crescimento econômico sustentado. Os rendimentos per capita e os salários reais eram elevados para os padrões pré-industriais. Os mercados eram relativamente bem desenvolvidos e extensos. O quadro institucional tinha sido propício à expansão do comércio externo. As instituições do Estado eram suficientemente fortes para proporcionar certa medida de lei e paz interna.

No entanto, o padrão holandês de crescimento comercial transmarino assemelhava-se mais a episódios anteriores de crescimento temporário em vez do crescimento sustentado, característico da Europa Ocidental e a América do Norte depois de 1800. No século XVIII, a República Holandesa permaneceu rica, mas a sua economia estagnou. Os fatores responsáveis foram o aumento da desigualdade diante das elites mercantis baseadas em Amsterdam. Estas conseguiram consolidar o seu poder político.

Instituições como as Companhias Holandesas das Índias Orientais e Ocidentais beneficiaram um número relativamente pequeno de acionistas. A República Holandesa seguiu assim um padrão semelhante ao das Cidades-Estados italianas como Florença e Veneza: enriqueceram graças ao comércio (e bancos) antes de estagnarem.

Outro fator foram os altos impostos e os altos níveis de dívida governamental incorridos em inúmeras guerras pela sobrevivência contra os franceses. Além disso, as políticas mercantilistas dos britânicos e o relativo fracasso dos holandeses em investir mais em capacidade fiscal também contribuíram para o seu declínio relativo. Os holandeses não experimentaram a combinação de crescimento da indústria e mudança estrutural característica da Revolução Industrial britânica. Esta foi a “industrialização originária”.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]

Para acessar o primeiro artigo da série clique aqui.

Referência


Mark Koyama e Jared Rubin. How the world became rich: the historical origins of economic growth. Cambrige, Polity Press, 2022, 240 págs. [https://amzn.to/4a8OTwk]


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