A questão palestina

Imagem: Mohammed Abubakr
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Por FRANCISCO TEIXEIRA*

A criação do Estado judeu significou, desde o seu início, que todo não-judeu não teria igualdade de direitos dentro de suas fronteiras

Por que as maiores economias do mundo fecham os olhos ao crime de genocídio contra o povo palestino? Simples, são árabes. Mais ainda. Há muitos séculos, resolveram fixar sua morada justamente na região que fica entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo. Só não sabiam que aquelas terras faziam parte do espolio da herança divina deixada por Deus aos seus filhos, tal como assim está narrado ao longo das páginas do Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia.

Tivessem tido a curiosidade de folhear as Sagradas Escrituras, teriam descoberto que, num belo dia, fora da linha dos tempos históricos,[i] Deus havia chamado Abraão e o ordenado a deixar a cidade de Ur, para se dirigir à “terra que eu te mostrar (…). Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bençãos. Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem; todas as famílias da terra serão benditas a ti” (Gênese 12: 1-3).

Em seguida, Deus diz a Abrão: “Este é o pacto que faço contigo: será o pai de uma multidão de povos. De Agora em diante não te chamarás mais Abrão, e sim Abraão, porque farei de ti pai de uma multidão de povos (…). Darei a ti e a teus descendentes depois de ti a terra em que moras como peregrino, toda a terra de Canaã, em possessão perpetua, e serei o teu Deus” (Gênese, 17:1-8).[ii]

Quando as primeiras expedições sionistas resolveram, no final do século XIX, voltar à Palestina para reclamar sua herança divina, descobrem que a Terra Prometida já tinha donos; não estava vazia. Decepcionados, sentiram que a terra, a que tinham direito por decreto celestial, fora usurpada por um bando de palestinos. Mas logo se refizeram da decepção sofrida. Lembraram-se do que lhes haviam ensinado os seus líderes, isto é, que “os habitantes locais não eram nativos e, portanto, não tinham direito sobre a terra. Pelo contrário, era um problema que precisavam – e podiam – resolver”.[iii]

E resolveram! Como? Ben-Gurion, considerado por Ilan Pappé como o grande “mentor da limpeza étnica da Palestina”,[iv] confessou a seus pares que não via nada de imoral transferir compulsoriamente os ocupantes da Terra Prometida. E não via mesmo, pois, para ele, era impossível a existência do estado Judeu numa terra com 40% de árabes. “Essa composição”, diz ele, em 1947, “não é uma base sólida para um estado judeu. E nós temos de enfrentar essa nova realidade com toda gravidade e importância. Uma tal balança demográfica coloca em questão nossa capacidade de manter uma soberania judaica … Apenas um Estado com no mínimo 80% de judeus é um estado estável e viável”.[v]

Para Ben-Gurion era necessário, pois, limpar a terra, isto é, expulsar os palestinos para que, assim, se pudesse estabelecer, com segurança, o Estado judeu.

Por isso, “Em dezembro de 2003, Benjamin Netanyahu reciclou as estatísticas “alarmantes” de Ben-Gurion. “Se os árabes em, Israel conformarem 40% da população (…) será o fim do Estado judeu. Mas 20% também é um problema (…). Se a relação com esses 20% tornar-se um problema, o estado tem o direito de empregar medidas extremas”.[vi]

Por conta dessa política de segregação social do Estado de Israel, os palestinos nunca mais souberam o que é paz. Nem poderiam. Desde os anos vinte do século passado, quando os primeiros colonos judeus chegaram à Palestina, vindos do leste europeu, milhões de palestinos foram expulsos de suas casas e terras. O Badil Resource Center estima que havia mais de sete milhões de refugiados e deslocados no início de 2023;[vii] sem direito a nunca mais voltar.

Que fazer diante dessa situação? Criar um Estado único no qual possam conviver judeus e palestinos com iguais direitos políticos, sociais e econômicos? Ou, criar dois estados? Seja qual for a solução, é bastante improvável chegar a um consenso. Primeiro, porque Israel não permitiria o retorno de quase um milhão de palestinos, expulsos de suas casas e terras desde a grande nakba.

Segundo, o Estado de Israel não aceita conviver e dividir o mesmo espaço com os palestinos. É o que diz a Lei do Retorno, aprovada em 1950, que estabelece que qualquer judeu no mundo pode migrar para Israel e obter cidadania. Os refugiados palestinos, que nasceram na Palestina histórica antes de 1948, e seus descendentes não são amparados por essa lei; estão proibidos de retornar à sua terra.

Mais de 50 anos depois, o parlamento israelense aprova, em 2003, a Lei de Cidadania. Essa lei rege que cônjuges de cidadãos israelenses, procedentes de territórios palestinos ou de países considerados hostis, como Irã, Líbano, Síria e Iraque, estão impedidos automaticamente de receber vistos de residência e cidadania. A razão dessa xenofobia excludente é a preocupação com a balança demográfica, que sempre inquietou os líderes israelenses.

Ben-Gurion, como visto acima, temia que uma população de mais de 20% de não-judeus seria uma ameaça a criação do Estado judeu. Não somente ele, certamente, mas todos que vieram depois dele sempre admitiram que um aumento da proporção de palestinos no país não só mudaria o equilíbrio demográfico na região, como poria em risco a existência do Estado judeu.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a criação do Estado judeu significou, desde o seu início, que todo não-judeu não teria igualdade de direitos dentro de suas fronteiras. O Estado de Israel é um estado criado para os judeus, exclusivamente, para o povo escolhido.

*Francisco Teixeira é professor da Universidade Regional do Cariri (URCA) e professor aposentado da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Autor, entre outros livros, de Pensando com Marx: uma leitura crítico-comentada de O Capital (Ensaio).

Notas


[i] Na verdade, a narrativa bíblica do Êxodo não encontra confirmação histórica nem tampouco arqueológica, como assim demonstram os pesquisadores Israel Finkelstein e Neil Asher Siberman, cujo trabalho de escavação em Israel, no Egito, na Jordânia e no Líbano, revela que o êxodo do Egito, a conquista de Canaã por Josué e o Império de David e Salomão, é muito mais um reflexo do mundo dos autores de épocas posteriores do que fatos históricos reais (Finkelstein, Israel & Silberman, Neil Asher. A Bíblia desenterrada: a nova visão arqueológica do antigo Israel e das origens dos seus textos sagrados. Petrópolis: Editora Vozes, 2023.

[ii] Bíblia Sagrada. São Paulo: 2ed. 1971.

[iii] Pappe, Ilan. Dez mitos sobre Israel. Rio de Janeiro: Tabla, 2022.p. 91.

[iv] ______. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sudermann, 2016.p.

[v] Idem.Ibidem .p.68

[vi] Idem.Ibdem.p.285.

[vii] Idem,Idem.p.215.


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